Psycho Pass como franchise

É claro que trabalhar sobre pressão e com prazos inviáveis atrapalhou a temporada 2. Mas havia ainda outro problema: a primeira temporada estava tão bem amarrada na junção arco narrativo e construção de mundo, que já existiam dúvidas se seria possível desvincular uma coisa da outra, quando da continuação. Uma perspectiva, é claro, de quem chega com o bonde andando, e olha de fora. Mas chegar de fora, justamente isso não faz parte da ideia de franchise? O pegar o bonde andando e a partir de um mundo já construído e ter de responder às regras oficiais (dos detentores dos direitos), do que pode ser explorado (em termos de situações) e o que pode ser adicionado (em termos de desenvolvimento). A transformação de uma série existente num universo ficcional virtual, a ser explorado em termos de produtos culturais que agora o resolvem novamente, o atualizam a partir de outro ponto.

Certamente o escritor Tow Ubukata, responsável pelas temporadas 2 e 3, e também Mardock Scramble e os novos filmes do Ghost in The Shell, os Arise, não é exatamente um sujeito profundo. Para muitos soa como um oportunista que deu certo. Cujos jogos são meio rasos, mesmo as considerações econômicas, que ele parece gostar. Mas também não é que não existam coisas interessantes. O problema de Psycho Pass é que a primeira temporada ainda pareceria maior e melhor como experiência que se fecha, do que os desdobramentos que permitiria. E a segunda temporada parecia já querer fazer um reboot, uma reinicialização da primeira, assombrada que estava por essa, como se fosse impossível sair do formato. É claro que isso daria errado. Não obstante, logo saiu o filme, com a volta de Gen Urobuchi no roteiro. Os diretores permanecendo os mesmos. Vi que estava errado. Gostei muito do filme. Existiam ainda muitas coisas a desenvolver e situações a explorar; existiam adições possíveis. E mesmo que as OVAs posteriores fossem decepcionantes (os pecadores do sistema), e pelo menos um deles ridículo, daria para pensar então que ainda assim contribuiriam para o domínio virtual, de franchise, ao qual algum roteirista bom de verdade, pode vir a explorar. Listo e comento abaixo o que foi de meu interesse.

1. Desenvolvimentos dos modos das Dominators, além da mortalidade, para atingir blindados etc (modo destruir-decompor (S2) e destruir-decompor variável (filme)). Dominador rifle de assalto, para alvos múltiplos e atravessamento de paredes (com uma cena preciosamente grotesca em S2).

2. Introdução do tema da corrupção. Primeiramente, ainda mantendo a ideia do Japão como um país honesto, porque apolítico, enquanto que outros países não. Porque estes devem possuir justamente uma classe que achará muito conveniente a implementação do sistema sibila, desde que este não funcione para a mesma – a dos políticos e dos dirigentes (filme). Haverá aí um conflito de interesses e de entendimentos do âmbito da aplicação da justiça, a se confundir com o sistema. Mas logo, isso leva a consideração: o que seria a classe dos políticos “apolíticos” do Japão? (S3) E também: outra classe teria problemas com o sistema, a dos militares. Pois seus métodos e objetivos entrariam em conflito com o mesmo. Porque mesmo que operações militares se dêem fora do país, é preciso manter os membros dessa classe como cidadãos, de algum modo. Mas seriam estes especiais? Ou será que há de se criar zonas especiais de transição e tratamento (OVA)? O que também leva a consideração de que uma parte destes senhores deve tentar burlar a sibila de algum modo.

3. E se isso levasse o sistema a fazer vista grossa e a desenvolver enclaves e áreas fora de sua legislação para balancear as pressões de coesão social que acometem o seu equilíbrio? (OVA, S3) Pois talvez um pouco de submundo tenha resultados mais positivos do que um paraíso ordenado sem nenhuma válvula de escape. E dentro disso, podemos também indagar se esse submundo não seria relegado não apenas aos que são marginalizados por incompatibilidade, mas aqueles que por desajustes incontornáveis do social acabam se confundindo com estes: os marginais que foram marginalizados. Daí introduz-se também o tema da desigualdade social que não é apenas uma entre uma classe (políticos, militares) e o resto. Pois os ricos terão métodos de cuidados mentais e recuperação mais caros e mais efetivos, podendo também exercitar um pouco mais do seu comportamento estressado e aumentar seus coeficientes criminais (S3).

4. Mas chegando aí, é fácil introduzir o tema dos tratamentos alternativos, via religião e esporte. E pós-filme, quando lembramos que o Japão é um país e que o mundo é amplo, e inspirando-se nas séries do Ghost in the Shell, Stand Alone Complex, surge a necessidade de pensar a relação com os imigrantes. Haverão imigrantes? O quão é problemático a introdução de estrangeiros no sistema? E o quão é desejável, internamente e para aqueles que emigram? (S3). Sabemos já que no todo o sistema é desejável, o que foi confirmado (filme), mas poderia ser ainda abordado. Trata-se de um Japão ultra-ordenado a criticar o atual. Só que o sucesso do sistema leva a ambiguidades. E não apenas ao tema do conformismo e da ausência de pensamento crítico. O sistema, afinal, eventualmente encorajará as mentes mais potencialmente críticas a exercer seu dom.

5. Ademais, se o sistema é composto por seus pontos cegos. Se ele os assimila, e se há indivíduos especiais, como os assintomáticos, ainda assim há possibilidades de outras anomalias. O indivíduo de passe psíquico excessivo parece de todo inútil, fruto de uma simetria mal pensada (S2). Mas eu gostei da possibilidade de habilidades detetivescas psíquicas (S3 – embora a temporada tenha focado demais nos dois novos detetives, em detrimento de todos os outros personagens). E a ideia do ponto cego deve ser revisitada, como aparentemente a entidade que emerge de pontos cegos combinados (S3) ou como a possibilidade de rever o que é um indivíduo, quando do cálculo sintomatológico da qualidade criminal (S2). E se o cálculo pode ser diferente, que tal a possibilidade de que várias ações não criminais coordenadas gerem um crime? O que nos levará a considerar o capital financeiro como força atuante (S3).

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