adeus 2023

trabalhar em uma tese de doutorado realmente afetou meu engajamento blogueiro; não me despedi de 2021 nem de 2022. despeço-me de 2023 com apenas 10 postagens no blogue principal (contando um comentário sobre como uma tese se desdobra inadvertidamente; um outro sobre um assunto da tese – os indiscerníveis, embora sob o ponto de vista mais relaxado da confeitaria; minha apreciação de steppenwolf, do hesse; uma reflexão sobre um concerto de 20 anos atrás em que bati palmas na hora errada). de modo que é de bom tom dizer que terminei-a (a tese), realizando a defesa em julho e o depósito final em outubro. “a música como arte: significação musical e a ontologia da obra de arte de Arthur C. Danto” pode ser acessada no repositório da UFMG. ademais um ensaio que acabou ficando de fora, comentando um pouco também sobre o trabalho da rrayen e do marco scarassatti, virou um capítulo de livro; outro, em cima da noção de modos de presença do rodrigo duarte, virou outro.

o blog 馬鹿, coitado, foi completamente abandonado. em 2022, entretanto, houve vários comentários, alguns interessantes, como sobre um certo prometeismo no anime bna, do imaishi; considerações metodológicas a partir de um filme de jacques tatit; uma apreciação generosa do matrix 4. em 2021, uma defesa do livro dos irmãos strugatsky contra o filme stalker, do tarkowsky; um texto-resumo apaixonado do genial episódio 1 do anime shin mazinger z.

e já que mencionei postagens dos dois anos que estive em falta, faço uma seleção de meu blogue normal, em 2022: teste da copa comenta sobre como a ideia do cancelamento não funciona com pessoas poderosas (neymar, por exemplo); capivara de espinoza se posiciona contra os arroubos perspectivistas (quanto à determinação da identidade); segredo critica um tropo comum do heroísmo – a escolha infernal; machado da restituição e harpa da perfeição é um belo texto sobre equipamentos mágicos. e em 2021: torrada, elaborando sobre ter e comer o bolo; assinamento, o contrário de cancelamento.

aproveitando o limbo acadêmico na segunda parte de 2023, lancei um pequeno álbum de paródias musicais concebidas em 2007 (incluindo o-bla-di o-bla-da), resgatando também o projeto da época de trabalhar a partir de músicas dos beatles, ao piano (mais sobre isso ano nesse ano). com bizzotto e scarassatti, gravamos ao vivo na casa fúnebre. o trio QI, além quartas de improviso temporada 16 se apresentou também no praça 6, que continua forte, duas vezes por ano. não obstante, meu trabalho mais importante mesmo foi lançado no final de 2022: palavra-palavra traz várias reordenações em ordem alfabética de clássicos do brasil (como faroeste caboclo, geni e o zepelim, diário de um detento, o hino com a fafá de belém…). (teve também o projeto insano de masterizar as 107 faixas da coletânea ceasefire now, em pról de uma associação de mulheres da região de gaza, como maneira de ajudar os selos envolvidos a ajudar essas mulheres)

dei duas oficinas do jogo musical cobra, relembrando os idos de 2014, quando o aprendi com o coletivo d’istante. encerramos no QI178, na casa fúnebre; o outro ocorreu na UFMG, como professor convidado de uma disciplina. toquei duas vezes na neu niterói, um dos mais ativos espaços da cena de música experimental carioca atual. a primeira com projeção ao vivo por tetsuya maruyama, a segunda fazendo uma versão ao vivo de meu vídeo dois improvisos duplos, de 2021. repeti esse show no lugar sem nome, em sampa, novo espaço sob o mário. em fevereiro já tinha estado por lá, em residência com o trio infinito menos e mostrando vídeo bug biziu, feito com a carol (ainda não publicamos na íntegra). aliás, em maio, mudei para morar com ela. demos voltas na pampulha de bicicleta. jogamos ping pong frequentemente (outros QIs aconteceram – houve um envolvendo ping pong inclusive, em colaboração com o música quente). organizei um ou outro boteco ruído, continuando a colaboração com a kasa invisível. continuei com meu grupo de estudos quinzenal de filosofia da música. continuei jogando futebol semanalmente aos domingos de manhã. continuei estudando japonês: consegui conversar com alguns nativos, no ICA aqui em BH – congresso internacional de estética.

li 83 livros, ou devo dizer – apreciei? (uma parte deles foi no formato áudio – aderi totalmente a esse tipo de fruição – e dá para acompanhar a guerra dos tronos, durante faxinas e caminhadas). o que mais gostei, de longe, foi blue mars (marte azul), do stanley kim-robinson. a trilogia de marte tomou o lugar, aliás, de melhor série de livros que já li (li green mars em 2022); a origem das espécies do darwin realmente vale a pena, mesmo para os ignorantes em biologia, como eu; tomasello foi o cientista da vez, dá vontade de ler mais; brandom e sellars são autores do coração; o ensaio do mishima brilha, apesar do conteúdo altamente duvidoso; bregman continua fofo e interessante; e forever peace é o melhor de handelman – ficção militar por pessoas com experiência militar tem realmente outro caráter – mais deliberação e reuniões, menos tiros e bravataria. dos álbuns e séries que recomendo acho que vocês terão notícia em breve.


postado em 29 de janeiro de 2024, categoria comentários : , , ,

歯が立たない

ao continuar a saga envolvendo a leitura em japonês do mangá ワンパマン (one punch manhomem de um só soco), chegando ao volume 7, encontrei a expressão “haga tatanai“. o chefão da quadrilha intergaláctica da matéria escura é forte o suficiente para que Saitama, nosso herói, use uma “sequência normal de socos” ao invés de um único soco decisor, quando da luta. mesmo assim, ao final, Boros (esse é o nome de nosso rival ousado) sente-se compelido a usar a expressão. 歯が立たない, composta das palavras dente e não levantar, quer dizer: algo o qual não se coloca o dente, duro demais para mastigar, no sentido de não dar para o gasto ou ser sem chance, e não de ser osso duro de roer.

na mesma noite sonhei que haviam dentes meus podres, que estavam se desprendendo. um deles saiu grudado a um pedaço de gengiva alongado, com uma raiz ao final, completando a figura de um L orgânico e inquietante. como frutos amadurecendo, eu perdia novos dentes de leite, dentes de leite desconhecidos, dentes de leite que antes camuflavam-se como dentes permanentes.


postado em 16 de janeiro de 2024, categoria sonhos : , , ,

as profecias estarão sempre certas

pois já consideram, no momento de suas formulações, quem as levarão a sério e quando; e aqueles que não.


postado em 6 de janeiro de 2024, categoria aforismos : ,

café com babosa

fazer café tem seus percalços. mas há também perigo. ao posicionar o coador em cima da garrafa térmica é preciso observar a possibilidade de instabilidade, na falta de um encaixe harmônico. uma água quente que escorre inadvertidamente para fora do filtro, porque o coador deslizou, inclinando, por mais que não exatamente fervente, queima feio a mão esquerda que tenta corrigir o descuido.

uma decisão então se afigura. aliviar as dores enfiando a mão em um balde de água fresca, um pouco fria (gelar com moderação), ou imediatamente aplicar babosa. modernamente, entretanto, aprendemos que devemos tirar a aloína – a gosma amarela que escorre quando cortamos a folha carnosa, por sua toxicidade. e o processo envolvendo descansar essa folha na água toma pelo menos 20 minutos. a solução seria cortar um pedaço, tirar apenas o excesso evidente e usá-lo imediatamente, reservando o resto, depois inclusive colocando parte na geladeira.

a diatribe envolvida: ao aliviar a queimadura na água, estaria eu fadado a bolhas que, caso tivesse optado pelo tratamento babosa integral, evitaria? de todo modo, as bolhas recederam.

mão esquerda no sétimo dia após o acidente. o café ficou bom, mais forte que o habitual (parte dele caiu, não apenas na mão, mas no chão).


postado em 4 de janeiro de 2024, categoria crônicas : , ,

nectarina

as festas de final de ano trazem à tona a questão spinozana: nós não sabemos o que o corpo pode. em meio a uma janta, por exemplo, não sabemos o quanto podemos comer e beber. mas é em meio a uma ceia comunal, digamos, de ano novo, que testamos esses limites desconhecidos. pois qualquer um pode eventualmente se perguntar se, após pernil, barazushi, sunomono, costela ao molho barbecue, sushi e o lendário sapicão da tia yuri, repetido ao menos três vezes, e como há uma outra barriga para os doces, apfelstrudel com sorvete de creme, pudim de pão e um pouco de pavê, acompanhados devidamente de bebidas – uma dose de whiskey, um copo de negroni, ao menos 3 garibaldis, o champagne da virada e combinações de gim a gosto… se, enfim, o vazio resultante que sentimos não pode ser preenchido com uma nectarina.

a nectarina, obviamente, é um erro. não que a fruta seja especialmente indigesta, de suculência demasiado densa, de ternura nefasta ou doçura muito mais pregnante que o pêssego, a ameixa ou um punhado de lichias. não é uma questão de propriedades, um problema com a substância, mas sim uma eventualidade do encontro. e o encontro com a nectarina é mortal.

mortal é, claro, um modo de dizer. o corpo persiste, acometido de paresia, lento e enjoado. que ideia. comer nectarina.


postado em 3 de janeiro de 2024, categoria crônicas : , , , ,

homeopatia

aristóteles, na política, defende brevemente a catarse homeopática, contra seus detratores. não é apenas pelo exemplo alopático, virtuoso, que se erradica o vício e as más inclinações da alma. a música pode purificar através da imitação do medo e do entusiasmo excessivo (livro VIII.7); a representação não apenas os torna inofensivos porque não reais. ela os neutraliza.

o remédio, ao dar pequenas doses do veneno, imuniza o corpo, a longo prazo. ou é o que dizem. sobre a arte também.


postado em 24 de agosto de 2023, categoria aforismos : , ,

batendo palmas na hora errada

esses dias o caron me enviou um álbum alternando transcrições para piano de canções de schubert e pecas do espectralista hughes dufourt. quando cursava composição, na unicamp, já uns 20 anos atrás, fui com mário del nunzio e bernardo barros em uma apresentação do quarteto de cordas keller, um programa com a arte da fuga, de bach, e peças contemporâneas de kurtág. diferentemente da versão para tv, o quarteto resolveu alternar contrapontos e atonalismos, em um programa com talvez sem pausas, 50 minutos direto (ou em duas partes – a memória me falha).

lembro de ter pensado que a montagem era um embuste. que tornava as peças de bach harmoniosas enquanto também tornava as peças de kurtág, por comparação, meio vazias. a atmosfera de união sagrada no altar das grandes composições, em que a elevação espiritual comum a ambas as iluminaria mutuamente, não se formou. ou era o que eu achara, já nos primeiros minutos, um pouco amargurado por ver dois dos meus compositores prediletos da época se cutucarem musicalmente.

como era um ambiente chique, de ingresso caro, e os keller eram famosos, nem me ocorreu ir até eles depois do concerto. em um dado momento, entre uma peça e outra, deliberadamente bati palmas, sozinho, sob o olhar fulminante dos músicos. não me orgulho disso. ambientes pouco convidativos à crítica nos impelem ao protesto.


postado em 9 de agosto de 2023, categoria crônicas : , ,

cattus

“é um mundo em que há um animal na porta ao lado igualzinho, em todos respeitos, a um gato, exceto no fato de falar latim, um mundo em que há um gato na porta ao lado?”

[recanati, f. literal meaning, p. 142, ao abordar o eliminativismo semântico (austin, searle, waismann, wittgenstein)]


postado em 26 de março de 2023, categoria citações : , , , ,

indiscernível bolo

o que nos fornece ainda mais uma figura para a dificuldade de, no que concerne ao tema da aproximação entre arte e vida, ter e comer o bolo: não tratamos algo sonhado como de fato ocorrido. adicionalmente, não calçamos um bolo indistinguível à distância de um tênis esportivo (mas nesse caso é duvidoso se tampouco o comeríamos. a graça parece estar em mostrar como ele pode ser indistinguível ao tênis, mesmo sendo um bolo – tê-lo e não comê-lo. posso pensar inclusive que a não-determinação quanto a tratar-se ou não de bolo seja justamente a graça).

às vezes a não determinação quanto a ser ou não arte é como o caso do bolo indiscernível de um tênis, na qual basta cortar o tênis para dispersar qualquer dúvida. (não há grandes vantagens em nos treinar a olhar para objetos como possíveis bolos indiscerníveis deles. bolos bons de comer não precisam desse caráter hipermimético e há até mesmo nele uma suspeita de que o bolo em questão seja medíocre ao paladar, tal como muitos cakes de um vermelho brilhante, muito vistoso).


postado em 27 de fevereiro de 2023, categoria aforismos : , , , ,

ainda sobre reggae

o que eu não gosto dessa coisa do adams é que eu realmente não consigo pensar alguém dizendo “meu compositor predileto é john adams”
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tipo, por qual motivo alguém preferiria adams a bartók
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acho que as pessoas deveriam ler adams como o momento em que música clássica contemporânea se confirma como um gênero
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e por isso abdica de ser um bastião histórico
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de qualquer tipo de desenvolvimento
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assim, conciliamos as duas posições
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adams continua sendo “algo” ligado a uma ideia de “pós-modernismo”, só a aplicação que se torna local
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ele confirma que uma região da música contemporânea virou reggae e que de lá não devemos procurar para falar sobre características “críticas” da música


postado em 19 de fevereiro de 2023, categoria comentários : , , , ,