Na abertura de Cyborg (1989, filme, 86 min), uma voz enuncia:
primeiro houve um colapso da civilização
anarquia, genocídio, fome generalizada
e quando as coisas pareciam não poder piorar
contraímos a peste, a morte viva
rapidamente fechando suas garras sobre toda a Terra
mas então ouvimos os rumores
que o último cientista estava trabalhando numa cura
que acabaria com a peste e restauraria o mundo
restaurar? por que? eu gosto dos mortos
eu gosto da miséria, eu gosto desse mundo.
A atmosfera árida distópica se repete aqui e ali em títulos duvidosos, evocando o sonho de um agonística utópica, em que há morte, destruição, violência, mas nunca trauma, medo e hesitação. Esse é o verdadeiro estado pós-apocalíptico: ao invés do recolhimento e cautela de quem pensa na sobrevivência, o júbilo suicida daquele que se joga no deserto, ao encontro da morte. E porque, infelizmente, ainda há estrutura narrativa, é comum que o personagem principal tenha algum tipo de quase-invulnerabilidade, sendo um modelo dos valores de seu tempo, por ter incrível força, sorte, estupidez ou constituição física (humana ou não). Frequentemente, trata-se da figura do macho vencedor, sujo, insensível, sanguinolento e auto-centrado que coroa seu niilismo ao desprezar qualquer aproximação feminina. Ou quase isso.
É possível afirmar o seu tempo (niilismo positivo) ou opor-se como um herói da resistência, porque mesmo que irresoluto, participa e sobrevive (niilismo real / vacilante). “É estranho, mas eu sinto que ele é a verdadeira cura pra esse mundo”. Esse voluntarismo Madmax de estar no lugar errado na hora errada e ser impelido ao bem, contra a vontade, diminuindo suas chances de continuar jogando, sobrevivendo. Despojos de heroísmo (a hesitação do herói). Mas nisso, não é a cura, a esperança de um ambiente mais estável, no qual possam surgir instituições, sem a incerteza da precariedade constante das pragas e apagões que é a verdadeira cura. Porque não se está a resgatar a possibilidade de que o homem seja marcado pelo projeto, por sua direção rumo à morte e justamente pela perspectiva de um futuro, de planejar o porvir (de entender que a morte está no horizonte). Ao invés de institucionalizar o fim da morte precoce, imprevisível, o que Nady Simmons sugere é que resistir é o que realmente importa. Mas resistir em que ambiente?
Ao derrotar seus inimigos, Geist, em MD Geist (1986, anime, 47 min), confirma à sua colega ser “a Most Dangerous Soldier” (“um o mais perigoso soldado”). Ela assiste estupefata o protagonista reinserir a sequência de inicialização do “projeto força da morte”. Mas não estávamos justamente vencendo os inimigos para evitar que esse desastre fosse lançado ao mundo? Não para o anti-herói. Porque não é simplesmente aniquilar os inimigos, mas garantir inimigos cada vez mais mortíferos, aniquila-los e assim por diante, até ser aniquilado. Então, nada de romance, nem mesmo sexo. Pura morte para nós, em nós ou à nossa volta. Deve-se ativamente cultivar o inferno na Terra, estando vivo e constantemente vendo morrer.