Eu não sou um dos fãs de Lendas dos Heróis Galácticos. Na verdade, minhas óperas espaciais prediletas são ainda o par 2001 e 2010 (Kubrick e Hyams, a partir de Arthur C. Clarke), The Ring, das histórias dos Xee Lee do Stephen Baxter, e a trilogia monumental O Problema dos Três Corpos, A Floresta Negra e O Fim da Morte, de Cixin Liu. Tanto que o único comentário anotado, ao ver os 110 episódios, é que ela contém um trabalho incrível de caracterização de personagens via penteados. Pois há muitos personagens e eles usam roupas sóbrias e padronizadas, tornando a solução cabeleireira tanto inteligente (útil) quanto engenhosa (de execução notável).
Não digo, entretanto, que desgosto. A trilha orquestral austríaco alemã, com ênfase em Mahler, tem seus momentos arrebatadores, pontuando decisões estratégias e suas consequências. O problema é que eu sempre pensei que obras como essa, focadas em questões de políticas (lembrando Star Trek, com sua ênfase na diplomacia entre-mundos), apresentam intrigas simples demais e planas ou que, mesmo quando intrincadas, estas se desfazem em motivações claras, estratégias e contra-estratégias, passando ao largo ou relevando ao segundo plano a complexidade do nosso mundo real, e as motivações profundas e jogos táticos que vemos na vida terrestre. Em especial em LoGH (Legends of the Galactic Heroes, o nome inglês da série); assisti pensando em como eu amaria tê-la visto quando adolescente. Mas que as situações ali hoje em dia pareciam reduzidas demais.
Estes dias, em um grupo de facebook, Missão Ficção postou um trecho do episódio 40, em que há um documentário sobre o ditador Rudolf von Goldenbaum, comentando como existiam paralelos entre o que lá é narrado e o cenário atual no Brasil. Coincidentemente, ontem, li uns trechos d’A República de Platão, segundo Alain Badiou, que a contemporaneizou. Paralelos quanto ao surgimento de regimes autoritários eram também claros. Fiquei me perguntando: eu não estaria errado? E se eu me afastasse dessa minha posição inicial, de que o mundo tem causas e efeitos complexos e motivações conflitantes, que os fenômenos são emergentes etc… Talvez eu possa reentender a macro-política como algo mais simples, bruto, direto, linear. E apreciar o que eu via como “uma visão adolescente da política” como de fato retratando conspirações humanas (um outro caso que me vêem à mente: Duna).
No terceiro filme de Mobile Suit Gundam, Degwin Sodo pergunta à seu filho Gihren: “você já ouviu falar de um homem chamado Hitler?”. Curiosamente, é quando sombras autoritárias começam a materializar-se aqui e ali que, de repente, as pessoas param com o reductio ad hitlerum. Como se fosse impossível repetir a história porque, quando é conosco, sempre diremos que não a experienciamos ainda. O Partido Social Liberal não teme sequer usar o slogan nazista. Robôs de mídia social, memes fajutos, fake news, alertas de ameaça comunista. Nunca acreditei que isso pudesse ser eficiente, fora da ficção. Talvez o nível macro seja aquele de fato, das massas. E quem é ingênuo ali é quem espera ver mais do que aquilo já escancarado.
{銀河英雄伝説, série de animação, 110 episódios de 30 minutos, dir. Noboru Ishiguro, baseado na obra de Yoshiki Tanaka, 1988-1997}