O livro de David Lindsay, A Voyage to Arcturus, clássico da literatura fantástica da década de 20 leva o protagonista Maskull a um planeta estranho, no qual uma série de encontros o levam a confrontar visões de mundo diferentes e situações trágicas. Essas visões de mundo vem acompanhada de valores morais, mas também formas de perceber que envolvem modificações corporais, fisiológicas, cognitivas e também de constituição da realidade. O problema é que, após absorver em parte o ponto de vista do outro, voluntariamente ou forçosamente, o protagonista acaba assassinando, provocando a destruição ou o mal espiritual. Sua jornada é então uma dialética da destruição, em que a crise leva a prosseguir, até a liberação do corpo em direção ao puro espírito, mas que também é finalmente abnegada e há um desconcertante rumo final.
C. S. Lewis, um entusiasta do livro, via a trajetória como envolvendo cada personagem ou grupo de personagens em um tema, que passaria, grosseiramente, por um processo de aceitação e depois de rejeição por Maskull [*]. Séance tematizaria a vida social e a espiritualidade rasa; Joiwind & Panawe o amor carinhoso e o auto-sacrifício, espécie de budismo; Oceaxe & Ifdawn, a luta da vontade de potência; Spadevil & Sant, a dedicação ao dever; A ilha de Swaylone, a arte como meio para a verdade; Threal, a religião como meio para a verdade; Sullenbode, o amor sexual; Gangnet, o misticismo e a auto-renúncia.
Mas mais que isso, parece-me que, se o personagem principal for realmente um soldado, e dado que o autor voltara das trincheiras em grande crise espiritual na época da escrita do livro, Maskull é um joguete, lançado de um lado a outro rumo à morte e à tragédia, mas como o que possibilita a morte e a tragédia. De fato, é de se pensar se soldados, em geral, não são manipulados por valores morais e modos de perceber os conflitos e o mundo, de forma que não tenham forças para impedir os embates violentos que ocasionam, nem exatamente responder pela violência de seus atos, pois alheios espiritualmente às situações em que foram imersos. E irresponsáveis quanto à força explosiva que surge dos encontros apressados que se lhes apresentam.
O protagonista pode-se imaginar um viajante livre e esclarecido, mas seu potêncial destruidor, somado às intrigas e disposições mórbidas de outros, o torna presa fácil de uma vida trágica. Mesmo com Joyride, em que tudo corre bem, aquela bondade parece insípida demais e é preciso continuar, explorar e avançar. Creio, entretanto que o problema não é esse. Realmente, seria difícil evitar o conflito, ainda mais ao adquirir órgãos mágicos extra, e assim desnorteado, abrir-se aos outros rápido demais, trocar aqui e ali uma categoria do entendimento, alguma forma de perceber que ligar-se-ia a uma concepção do que é correto e vantajoso. Mas justamente, não é aqui a velocidade um problema? Seria preciso conviver com os problemas mais, ao invés de resolver e prosseguir. Porque para isso muitas vezes um mata leão basta.