Isso

{apontamentos sobre o monstro do livro It, de Stephen King)

1. Porque foi descobrindo que os alimentos são melhor apreciados se as presas tem medo, Isso toma a forma do medo de suas presas.

2. Adultos tem medos complexos, envoltos demais em normas, relações abstratas, afastados da ideia de sobrevivência.

3. Ou quando alucinam, são tomados por um recalcamento da alucinação. Fazem da mentira verdade ao repeti-la socialmente, aos milhares.

4. Afastam daí o caráter impossível da existência do monstro, que o torna pior. Religam o irracional à verdade social. E se essa ligação é incongruente, tornam-se omissos, sonsos. Fingem que não vêem.

5. Quando falham em fazê-lo, muitas vezes superaquecem. Queimam.

6. As crianças não. Elas são melhores em quase-morrer. Em integrar o inexplicável, em conviver com um mundo mágico implícito, ainda inexpurgado.

7. Cada criança possui seu medo individual, em sua ligação problemática com o social. Medos mais fortes, mais simples: medos com uma cara.

8. Ter uma cara é ter uma forma. Ter uma forma é abrir-se para a destruição.

9. Se adultos imaginam um vampiro, reforçam uns aos outros que é mesmo terrível, que não mentem etc. A criança, por sua vez, imagina a estaca capaz de matá-lo.

10. Mas uma criança, individualmente, não é capaz de matar um vampiro. E um adulto não quererá manejar a estaca, por apego à comunidade.

11. Para as crianças, as especificidades da ligação ao social ainda não coincidem. Cada monstro tem sua forma única.

12. Um grupo de crianças, portanto, possui vantagens. Sendo Isso apenas isso e não aquilo, a cada vez, sua forma é o extremo do terror apenas para cada criança, à sua vez.

13. De modo que será possível olhar à distância aquilo, que estará assim enfraquecido pelo distanciar.

14. Daí que as estacas – o livro de ornitologia, a bomba do asmático, o trava-línguas, as balas de prata, – possam ser manejadas. Contra o não inteiramente real.

15. Que não é inteiramente real porque não completamente impossível. Inexplicável, mas não o real impossível.

16. O problema de envelhecer: a especificidade do infantil se esvai, murchando como um pneu, a vazar ar.

17. Mas porque há junto ao traumático da infância o esquecimento, há o apagamento do processo de desvanecimento que leva à vida adulta.

18. De modo que, vencido o trauma e através dele, o esquecimento preserva o infantil, porque o desconecta do gradualmente adulto.

19. O que torna Isso vulnerável.

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