70.1 Talvez o que Star Wars queira dizer quando pronunciava que Darth Vader seria aquele que traria o equilíbrio à força fosse o seguinte: estamos eternamente presos num drama familiar, de pai a filho, de filha a mãe, Édipo de novo e de novo. Nada mais natural que fazer um episódio 7 como um reboot do episódio 4; existem novos atores e pequenas variações, mas a estrutura é a mesma, e se força e destino se mesclam, até a estrela da morte tem um primogênito.
70.2 Como aquele infeliz compositor que disse que antes sofria diversas influências, mas a partir de um certo momento, começou a ser a única e contínua influência de si mesmo, o ciclo Disney não precisa mais de Buck Rogers, Valerién e Laureline etc. Ele pode ser um pastiche de si mesmo. É claro, isso não impede o jeito Disney – uma guinada ao simples e ao dito “infantil”.
80.1 Como a cena incrível de um passador de roupas em plano detalhe, para abrir para uma máquina digna do Aprendiz de Feiticeiro das forças imperiais nazi, ao invés de um cargueiro espacial. Ou a fofura cândida dos habitantes da ilha Jedi. Para os que não gostam, pelo menos o lado negro da força em sua automação tosca não usa raças subservientes como empregadas. E de fato, parecem haver jogos simbólicos do tipo “nomeie esse problema”, como a deliberada masculinidade tóxica de um capitão que constantemente mainsplains e um herói branco que é amargurado porque a geração seguinte está preocupada com outras coisas, mas não consegue admitir sua fragilidade. De qualquer forma, sobre a Disney, lembremos daquele meme que diz:
2067. Dinsey finally buys Warner.
2109. Disney conquers Alpha Centauri.
2132. Humans are still excited about the new Star Wars and X-Men movies.
Ao que eu adicionaria: Carrie Fisher continua a atuar como princesa Leia, 116 anos após sua morte.
70.3 Antes de eu ter a confirmação que o sujeito era um completíssimo idiota (daqueles que acha que homens brancos não precisam saber lógica), o Molyneux publicou um curioso videocast sobre o Despertar da Força. Neste ele lê o filme como mostrando um traço ideológico feminino: a recusa do aprendizado longo e difícil, do esforço necessário às conquistas, do trabalho árduo que envolve desenvolver uma habilidade de um modo responsável. De fato, um machista paranóico (ou alguém que capitaliza em cima deles), ao ver a personagem principal desenvolver-se de modo tão abrupto, compararia o seu desempenho e o de Luke e diria que aquilo era “pura ideologia”. Mas, assim fazendo, esquece que o filme está falando aos jovens. Não apenas sobre a possibilidade do protagonismo feminino, mas de modo a incorporar a impaciência geracional adequada.
80.2 Impaciência que se desenvolve. Não apenas não é necessário treinamento, efetivamente, como as etapas da trajetória do herói são comprimidas a ponto de parecerem apenas uma obrigação formal (vide a queda no buraco, “travessia do primeiro limiar”). Nem mesmo o Sith pode esperar. É melhor já matar do que entrar num penoso processo de conversão ao lado negro. “Essa aí não tem jeito, she is Jedi material“. E o que surpreendentemente leva ao melhor diálogo, entre os portadores da força: “você sabe que os seus pais não são nada” – ao que há uma resposta que é na verdade um “ok” – impaciência até mesmo com o familismo, que comparece por influência do filme anterior. E depois, que jovem hodierno aguenta o papo de um avô pretensioso. Não há mais essas formalidades e o respeito exigido já foi posto como pura opressão: os idosos não podem mais ser assim, descuidados e desbocados.
80.3 As cenas alternadas, de uma continuidade que consegue ser falsa cinematograficamente e verdadeira em termos de roteiro são a maior inovação do filme, e talvez nunca igualadas em escala. As naves continuam com toda aquela aerodinâmica desnecessária e cheia de passageiros, mesmo que a força não comunique com eles. O cenário da sala vermelha é um achado, como bem lembrou me Paulo Dantas. Há um fetichismo ali, os samurais, o tom oitentista, meio Laibach-desenho animado, uma inserção curiosa (quando sair um mp4, podemos inserir Geburt einer Nation no fundo).
35.1 Normalmente as cenas de perseguições nas guerras nas estrelas não estão entre as melhores do cinema; há uma qualidade de videogame que torna jogar videogame muito mais efetivo nesse caso (lembro quando moleque, pilotando o Millenium num Pentium III). Há que se pensar isso também em lutas. Elas devem ter um interesse na sua espetacularidade, exagero e precisão que seja especificamente cinematográfico. Se não são apenas um primo cognitivamente ingrato, mesmo que rico. Nada entretanto, como a cena em que Vader entra em dobra hiper-espacial com sua enorme nave, caindo literalmente em cima de embarcações e caças menores dos indisciplinados da aliança. Existe algo que é monumentalmente lego, maquete, nas espaçonaves desse filme. Algo especial e notável.
35.2 E surpreendentemente, nem um deus ex machina, nenhuma nave com a chave já na ignição, pronta a ser roubada, ou poderes e oportunidades que sempre, mesmo fora da geração Z, lá na década de 70, sempre estavam presentes. Rogue é um belo roteiro, um excelente filme de ação. Como entre-história, preenche um buraco, mas a estratégia deve ser outra: um filme verdadeiramente dinâmico. E com isso, há de equilibrar na narrativa, sucessos e fracassos, medir esforços e efetivar de fato os sacrifícios.
80.4 Sacrifícios cujo sucesso possivelmente contaminou O Último Jedi. Ao mesmo tempo em que há pressa, as coisas não são fáceis, porque imediatamente são também difíceis. O arrependimento dos livros perdidos é apenas fachada. Até o mestre Yoda sabe que os tempos mudaram, que agora a informação voa (comparem com a jornada custosa mas contínua e reveladora de Avatar a Lenda de Korra e seu acontecimento similar). A pressa justifica-se aqui na iminente derrota. Só que o ciclo se repetirá, atualizado. Então, não existe último jedi, e com ele último sith e depois nenhum nada e só humanos sem pedras voando pro alto e budismo militar. O que existirá são ciclos cada vez mais acirrados de fan service e service cuts cada vez mais ensimesmados, até que os fans possam de fato tomar as rédeas da produção e reescrever Luke a partir de Mark Hamill. Isto porque o filme não consegue nem convencer na reescrita do personagem, nem tornar a crítica aos fãs um tema (como é feito com sucesso em Evangelion 3.3, por exemplo), mas apenas indicar como certos tipos de herói não servem mais e certas características aparecem como mal postas.
*** Por fim, fui com os primos ao cinema em Botucatu, logo antes do natal, ver O Despertar da Força. Diverti-me muito, mas depois tive sensações muito ruins, de culpa, de ressaca. Sugar crash – muito açúcar, muito a fabricação do divertido. Sei que se reassistir vou achar péssimo. Rogue One (“insubordinado um?”) foi inesperadamente bom. O Último Jedi foi chato, mas instrutivo.
{Star Wars the Force Awakens, filme de 2015, dir. J. J. Abrams, nota 5/10; Rogue One: a Star Wars Story, filme de 2016, dir. Gareth Edwards, nota 7/10; Star Wars the Last Jedi, filme de 2017, dir. Rian johnson, nota 5/10}