O que fazer quando a história se fechou, quando o ato heróico foi realizado, o destino cumprido, o martírio consumado? É a pergunta que ressoa para alguns em Édipo em Colono; Lyotard faz dela toda uma elucubração existencial sobre o vagar, o “então viver, cada dia a seu dia” e conclui que é preciso experimentar como os experimentalistas na arte, que correm pequenos riscos aqui e ali, sem no entanto estarem guiados por um imperativo vanguardista. Mas e se esse impulso faltar, e se a necessidade do espetáculo inscrever a falta do espetacular como algo massante – nesse sentido que eu esperava um filme com ao menos algum trecho envolvendo um Neo de meia idade, melancólico, fracassado (que ele seja um fracassado de sucesso não é um problema – nossa sociedade adora coroar realizações que não se sustentam).
É verdade, existem retornos que não se sustentam. Não lembro muito bem da volta ao Admirável Mundo Novo, mas talvez isso ateste a falta de interesse. O retorno a Erewhon é terrível. Como revisitar algo que brilhou e já perdeu seu brilho? Essa pergunta é feita em Matrix 4: Ressurreições e a má resposta é antecipada pelo filme, para que ele enfim inclua a pergunta em sua meta-narrativa. Se é que a Warner chantageou as autoras para conseguir uma continuação, é tomado proveito dessa situação, a reforçar a possível má resposta: vamos fazer um reboot! Trata-se de mais uma franchising afinal e o importante é o que está na superfície – haverá uma nova matrix, um novo desafio que envolve de novo um despertar, haverá os personagens adorados de sempre e os efeitos. O efeito matrix. Mas isso seria apenas fornecer o que se pede. Se o desafio é aceito, ele precisa também, ao fornecer, estabelecer um âmbito crítico, distanciado, ao que fornece – o CEO é o vilão, a oportunidade de sucesso (a feitura do filme, a execução do videogame) o aceno submisso, as reuniões de criatividade são o pior retrato da idiotice empresarial fofa, a indústria cultural venceu e é por isso que você também está a ver o filme.
Mas com isso Matrix 4 atinge aquela ambiguidade já conhecida em animes, que exibe o ridículo, assim neutralizando-o. E faz um bom trabalho para trabalhar a partir daí, um trabalho sério – a metáfora da pílula se estende para aquela da sociedade de controle psiquiátrico, onde a psicanálise é aquela tão criticada por Guattari, uma extensão dos mecanismos de controle até a psique cotidiana, medicalizada, levando à estagnação e conformismo (ou a falsa inovação de uma indústria do criativo). O marido de Trinity, Chad, uma figura ridícula criada para todos aqueles que fantasiam um mundo com beta-males em que é possível ser um. Em situações de emergência, pessoas transformam-se em bots repassando fake news mortais em ação suicida a favor do Estado. E há o trabalho do dia a dia de uma nova Zion, longe das guerras do tudo ou nada, máquinas ou humanos. A vida ordinária envolve negociação, cooperação, desvios e portanto, redefinição do que vale como pessoa e assim, do que pode ser aliado. A inversão formal quanto ao papel de gênero, ao mesmo tempo conveniente e satisfatória, ligada à ideia de uma Matrix mais emocional, cujo conteúdo agora deve se ligar a um despertar feminino.
O filme está longe de ser perfeito. Faltou algo que desse mais consistência aos poderes espaço-temporais do psicanalista e ao rompimento desses por Smith, a aparição de Merovingian é gratuita e arrastada. Principalmente, faltou algo que convencesse da superioridade da Matrix 2.0 e da necessidade de conectá-la a figura dos heróis. Dito isso, na relação entre o esperado e o entregado, diverti-me bastante e devo ver de novo em breve.
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