Que Deus não exista é evidente. Mas de que forma é evidente torna-se em seguida algo a elaborar. E ao elaborarmos de inúmeras formas sobre a inexistência de Deus, muitos de nós nos perguntamos se é realmente válido manter a utilização da primeira frase. O que deve ser elaborado e aquilo cuja certeza vem de modo indireto, pode ser dito evidente? E o que seria aqui indicado como evidência? (usamos “evidência” para que tipos de “evidência”?). Entretanto, ao final, parece que voltamos ao começo. E alguns lembram da crítica à prova ontológica: existir não é um atributo como os outros. Atribuindo existir como se fosse uma propriedade, para Deus, é usar a palavra existir de um modo diferente do que usamos para todas as outras coisas. “Existir” passa a não ser “existir”.
O escritor Ted Chiang deve ter pensado sobre isso. Pois de sua produção de contos exígua, dois contos abordam o tema. Constroem mundos invertidos em relação ao nosso: mundos em que é diretamente evidente, isto é, em que há evidências materiais de que o Deus cristão exista. Em O Inferno é a Ausência de Deus, do compilado História da sua Vida e Outros Contos, quando as pessoas morrem, é possível ver se elas vão ao inferno ou ao céu. E de fato, de quando em quando os anjos descem à Terra, trazendo literalmente (interessante essa palavra nesse contexto) labaredas de fogo e outros desastres bíblicos. Numa dessas ocasiões a esposa do protagonista morre e vai para o céu. O protagonista, que nunca se importou em alcançar o reino de Deus, vê-se então em um dilema: sua vida não o conduzirá acima, mas seu amor é imenso, e deseja intensamente unir-se de novo à sua amada. Ele precisa então conseguir atingir a beatitude, uma qualidade objetiva que garantiria a reunião na morte, com sua razão da vida. É um dos meus contos prediletos de todos os tempos. E leva a uma busca insólita por uma situação que permita o personagem banhar-se na luz divina. Porque ela efetivamente existe, e existindo provoca efeitos específicos, i.e., fornece a beatitude como qualidade; adiciona a propriedade da beatitude a um humano.
Em Omphalos, do segundo livro, Exhalation, a dendrocronologia, análise dos anéis de crescimento dos troncos das árvores, mostra cientificamente que existiu um momento em que Deus criou ex nihilo, do nada, as coisas. Isso porque a arqueologia encontra seguidamente e em diversas ocasiões árvores primordiais, isto é, cujo anel central é largo e originário. Um anel que não segue a datação, pois mostra ter sido criado de uma só vez, no ano 1. Assim, também diversos fósseis confirmam a datação do gênesis, e diferentemente da Igreja, que apela para argumentos imprecisos, e descarta o que não convém displicentemente, a ciência determina precisamente quando e como ocorreu a intervenção divina, e provê os elementos para uma robusta teoria do desenho inteligente. Há propósito e os humanos atestam, isto é, o verificam. Até que haja uma reviravolta que mostre que nem sempre o que está à mão, o que é evidência, têm em sua interpretação um argumento a favor de uma tese correta. Mas o fato da criação divina é indubitável. As conchas preservadas dos crustáceos primevos o prova. Para a Igreja, entretanto, tanto faz. Ou melhor: é de se avaliar os impactos sobre a performance institucional. Pois a religião se atém ao humano e ao aqui e agora.