1. creio que a maioria das pessoas considera que reuniões e encontros virtuais, meetings and hangouts, pertencem às categorias das reuniões e dos encontros.
2. assim, convém não apenas agir de acordo, segundo as normas de cada uma dessas situações sociais, mas vestir-se de acordo.
3. há então a vantagem de não estar semi-nu, numa roupa confortável demais, ou pelado, ou usando algo plenamente inapropriado (há fetiches da solidão, como por exemplo usar apenas cueca e camiseta, de mesma cor). esta vantagem é que colocar roupas normais (de reunião ou de encontro) passa a ter uma carga ritualística.
4. de modo que se torna possível estar em casa “sem estar em casa”.
5. e se todos estão assim “fora de casa”, nem por isso estão uns nas casas dos outros, ou em um laboratório universitário, ou em um bar sem televisão, ou um centro cultural com cinema.
6. não que não se possam fazer reuniões e encontros em casa. para os quais valeriam (3) e (4), de toda forma, mas não inteiramente (5).
postado em 25 de abril de 2020, categoria comentários : casa, encontros, hangout, reuniões, vestir-se
1. a única parte não comestível da maçã é o cabo.
2. o que chamamos de presunto é um apresuntado. o que costumava ser chamado de cerveja era um acervejado.
3. a melhor mostarda é belga. da região de flandres. a boa mostarda, o bom presunto, o bom café, o bom azeite e a boa cerveja levam a um caminho sem volta (a point of no return).
4. embora escovar os dentes seja fastidioso, a recompensa é reconfortante. pois nada melhor do que não passar pelo pior. e não sentir que não se escovou os dentes é um efeito dessa estirpe. (como em outras atividades, limpeza vicia.)
5. muita gente finge não saber, mas o banho deve ser tomado desaquecido. como atividade funcional que é, o papel da água quente seria apenas aquele de um hedonismo raso. entretanto, o que seria a mera adição de um prazerzinho a algo em si insípido, mascara a neutralidade da atividade, e leva a comparações ridículas e inadequadas, como aquelas para com as atividades alimentícias. e daí todo o propósito já se encontra desvirtuado. pessoas começam a falar em dificuldades, em falta de coragem, em frio. um conselho: inspire; com a respiração presa, lava-se um membro, para só depois, fora da água, expirar. repita essa operação até que ela não seja mais necessária. corolário: nunca corte o cabelo enquanto toma o banho.
postado em 7 de março de 2020, categoria comentários : banho, caminho sem volta, cerveja, escovar os dentes, mostarda, presunto
esses dias perguntei a uma colega se as mesmas pessoas que atribuíam um dom, uma habilidade inata para o fazer artístico, eram as mesmas que pechinchavam e pagavam mal. minha intuição, nesse caso correta, era de que sim. atribuir um dom ajuda a retirar a prática alvo da esfera do “trabalho propriamente dito”. assim, afasta-se a atividade que envolve o artístico como sendo de outro tipo. é uma atividade significativa, em que o fazer bem feito importa muito; ela promove a satisfação pelo resultado de seu esforço e possibilita o próprio fazedor a ter prazer enquanto a pratica.
por essas qualidades seria estranho que um tal tipo de atividade fosse possível a todos, daí que devesse ser um dom. e seria também estranho que fosse bem remunerada, daí a necessidade de pagar mal. pois imaginem se um trabalho pudesse ser significativo e prazeiroso e ainda assim ser um trabalho propriamente dito. é preciso que no artístico só alguns indivíduos sejam qualificados, e de modo que todos os que os admiram não possam pensar-se em mesma posição. e também que tenham remuneração baixa, dado que já tem o privilégio de fazer algo que possui sentido e provoca prazer ou ainda contribui para o bem.
de fato, a definição do trabalho propriamente dito mais atual não envolve de modo algum a ideia de dom, mas a fatalidade de ter de aprender algo tortuosamente, em partes. diferentemente do artístico, entretanto, a utilidade desse algo é muitas vezes restrita, sua significação não atraente, e a experiência de seus resultados pouco benéfica. é comum que a recompensa seja quase que exclusivamente o retorno financeiro, o qual justificaria o sentimento de inutilidade ou falta de propósito, ou lavaria a alma daqueles que estão preocupados com estar promovendo o mal e a má vida.
e quando não há uma ponta de admiração, que levanta a postulação da ideia de dom, a inveja ainda investe em outras formas, como a ideia de vagabundagem e mamata: não estar perdendo a vida em um trabalho maçante e pouco relevante – vagabundagem. conseguir dinheiro para realizar trabalhos em que a motivação é pessoal, interna – mamata. e assim a má consciência dos que têm uma vida ruim deve sempre combater, admirando ou não, a boa vida, tornando a boa vida pobre, já que espiritualmente esta não é miserável.
david graeber, no seu último livro, tratou em um belo capítulo de ressentimentos desse tipo, mostrando que são muito mais generalizados do que pareceria a princípio. e como materializam-se em cargos de gerência, administração intermediária, formulários e intermediações burocráticas. resenhei o mesmo aqui. é interessante pensar como os professores, além dos artistas, são alvo da má consciência. não por vias do dom, mas por serem altruístas num mundo em que o retorno financeiro do assalariado constrói-se contra o altruísmo. nessa lógica, os professores do ensino fundamental devem ser relegados a um sofrimento franciscano. provocam a raiva daqueles que nos lembram que trabalhar pode ser motivado por ajudar os outros, ao máximo de nossas possibilidades.
postado em 14 de fevereiro de 2020, categoria comentários : arte, david graeber, dom, má-consciência, ressentimento, trabalho
De modo a podermos corrigir tão falsa opinião observaremos que não há nenhuma relação necessária entre o recipiente e o corpo nele contido, mas que essa relação é absolutamente necessária entre a figura côncava do recipiente e a extensão compreendida nesta concavidade, e assim tanto poderemos conceber uma montanha sem vale do que semelhante concavidade sem a extensão contida nela, ou esta extensão sem qualquer coisa extensa, uma vez que o nada – como já observamos várias vezes – não pode ter extensão. É por isso que se nos perguntassem o que aconteceria se Deus retirasse qualquer corpo que está num recipiente sem permitir que outro aí entrasse, responderíamos que as suas paredes [se aproximariam tanto que] imediatamente se tocariam.
[Descartes, princípios de filosofia, II. §18]
descartes fala do caso do copo, mas permitamo-nos reter agora apenas a sua sugestão quanto a paredes e observemos as paredes de uma sala. é certo que não há um nada a preencher o espaço interior, mas sim um algo, o ar, matéria rarefeita mas perfeitamente volumétrica. mas então eis que surge a misteriosa atração e sensualidade do ângulo entre duas paredes.* como o vácuo é logicamente impossível, elaboramos uma hipótese para explicá-la. talvez as imperfeições nos deslocamentos de ar no recinto constranjam deus a aqui e ali, levemente e no entanto, firmemente, em sutileza geométrica, a aproximar as paredes e então separá-las. pois como explicar esses devaneios que temos, ao fixar o olhar nestas arestas? certamente quanto ao copo, por seu pequeno tamanho e circularidade, o manipulamos, insuspeitos. mas uma sala é grande o suficiente, e seus lados costumam organizar-se em ângulos pronunciados, quando não simplesmente retos. aproximamos os ouvidos. com um pouco de imaginação:
Acima e abaixo. Clici-clic. Clici-clic. Abaixo e acima clici-clic. Clici-clic. Cliciclic abaixo e abaixo. Clici-clic. Clici-clic. Clici-clic acima e acima. (…) Quando suas paredes ascendiam e separavam-se desta forma, elas faziam uma espécie de som de mola sinuoso clici-clic. (…) De vez em quando as quatro paredes ascenderiam. De vez em quando as quatro paredes se ergueriam um pouco e separariam. De vez em quando as paredes se levantariam um pouco e separar-se-iam do chão. De vez em quando as quatro paredes dessa sala erguer-se-iam lentamente e separar-se-iam do chão. E depois de alguns segundos, lentamente abaixar-se-iam de volta ao chão de novo. (…) As paredes estariam clici-clicando acima e abaixo, enquanto ele contava todas as suas implicações novamente e de novo. Acima e abaixo. Clici-clic.Clici-clic. Abaixo e acima clici-clic.
[GX Jupitter-Larsen, Adventure on the High Seas, p. 120, 127, 131]
(*) vide ballard, athrocity exhibition.
postado em 14 de dezembro de 2019, categoria comentários : gx jupitter-larsen, j. g. ballard, matéria, paredes, rené descartes
1. coloquei hortelã ao invés de manjericão. “por que você fez isso?” eu substituí um item por outro.
2. pra fazer homus doce é trocar tahine por pasta de amendoim e azeite por mel. ao ser perguntado, de novo, a resposta envolve a ideia de substituição: eu só troquei “salgado” por “doce”.
3. a soma de duas temperaturas dá o mesmo valor que uma outra temperatura, mas não a mesma temperatura.
4. se culinária fosse uma arte experimental, diríamos: daqui a 10 anos ele começará a ter uma culinária própria.
5. mas não seria meu caso.
postado em 13 de novembro de 2019, categoria comentários : combinatória, culinária, regra dos 10 anos, substituição
ancap é “como pagar o preço mais absurdo e ter um produto de qualidade bosta” (vulgo, o que o capitalismo faz por nós – e isso sem falar no lixo). esquerda liberal é “como queimar seu café, se ele for um café bom”. maoísmo é bom, mas já viu o preço da porcaria do papel da chemex? e sim, é bom ter mais gente na sala. anarquismo japonês é o que queremos. hario contra o sistema. hoxhaista, cafeinado e sujo, como a boa burocracia, dispersa e sacana (stalinismo? perguntem-me o que fiz hoje na municipalidade). liberal é ok, todos nós precisamos de vez em quando acreditar na ideia (ilusória) de indivíduo; mas ter em casa não né.é como achar que um indivíduo vence na vida e… marxista-leninista lembra a fila de pão e você até compra um grão que já vem moído, por preguiça. mas enfim, e o aeropress? corrigindo o hoxhaismo e se aproximando à agência, mas sem o eu do indivíduo.
postado em 12 de julho de 2019, categoria comentários : café, categorização, memética, o que seu modo de preparo do café diz sobre você
a arte sonora e a arte conceitual não precisam ser simples. a simplicidade não é exigência para consistência artística nem para existência conceitual. você pode ter de explicar a ideia de algo conceitual em várias páginas, ao invés de em um breve parágrafo. pode haver uma constelação conceitual, um arquipélago, ao invés de uma unidade isolada. e não é por que há uma relação de elementos intrincados que algo deixa de ser arte sonora e vira música. “a partir daqui, me perco, então só escuto”. talvez por esse efeito, em que o inteligível dá lugar à experiência estética, ao recusar o enigma, tenha-se buscado o pontual, sóbrio, o anedótico, o criptografado, o abstêmio, íntegro, elementar… contra isso, uma arte de detetive, e que usa os sentidos como tema para as elaborações da ideia e vice versa. então, contra meramente fornecer uma chave que bastaria para resolver a interpretação e uma limpidez que resolveria a fruição, movendo do estético e em parte o anulando, em direção ao conceitual.
postado em 17 de junho de 2019, categoria comentários : arte conceitual, arte sonora, música, simplicidade
chamo de ideinha algo que poderia ser bom mas é ruim (e sempre será).
postado em 13 de junho de 2019, categoria comentários : atual-virtual, conceito, fracasso, ideia, possibilidade
depois que obtivermos o comunismo luxuriante totalmente automatizado, poderemos então ir ao que interessa. por isso entendo algo como erigir, no ramo da construção:
1. o ovo do smetak.
2. um lago para mergulho e explorações em profundidade aquática.
3. uma sala de contato improvisação sem atração gravitacional.
4. o castelo de ponta cabeça de garota revolucionária utena.
5. uma discoteca com túnel de vento na pista de dança.
postado em 19 de maio de 2019, categoria comentários : comunismo, contato improvisação, edificações, futuro, ovo, shouju kakumei utena, walter smetak
foi provavelmente guattari quem sugeriu que os analisandos que deveriam ser pagos, em uma consulta psicanalítica, dado que seriam eles que fariam o trabalho propriamente dito. giuliano obici, em compro auri, aplicou tal lógica aos ouvintes, pagando lhe pelas suas escutas (mas não em ouro). estes dias, quando liguei para a net, afim de assinar um plano de internet, o mesmo saia por R$140 o mês, exceto se eu também incluísse um serviço de telefone fixo. pois com tal serviço, a assinatura passaria a R$100 por mês, o que nos conduziria fatalmente à explicação: eles nos pagam.
se fizéssemos uma tabela comparativa da quantidade paga, 3 minutos por R$1, e um mês por um desconto de R$40, seriamos levados a acreditar que o marketing lucra mais que a música experimental.
postado em 10 de maio de 2019, categoria comentários : compro auri, escuta, giuliano obici, pagamento, pierre-félix guattari, psicanálise, telefone, telemarketing, trabalho