quando cheguei à aula de aikido, disse ao mestre ivan: “não aguentarei a aula inteira. não me esforçarei muito. não pretendo me desenvolver mais do que o mero básico. não irei à exames de faixa”. ele olhou para mim como se não houvesse ouvido direito e perguntou se eu já tinha um kimono.
de tempos em tempos ele trocava duas ou três palavras comigo sobre ir para a amarela. fiquei eternamente na branca. é claro que, por um lado, declarar tais intenções fere os desejos de qualquer mestre. por outro, é importante exercer alguma atividade em que não se almeja mais que a mediocridade. especialmente para aqueles movidos pela angústia e arroubos de motivação. deixar isso claro deve ajudar a conter as expectativas do mestre; mas não apenas. ajuda a apaziguar as contradições internas.
2. finalmente o material didático fora entregue e a professora então tem algo muito importante a comunicar aos alunos. ela diz: tenho uma surpresa para vocês! é algo que estávamos esperando e que vocês vão gostar muito. algo muito maravilhoso. um dos alunos pergunta: professora, é queijo?
uma coisa entretanto, me fez pensar: o exemplo enxertado do bartleby. bom, o que representa o bartlebly, aquela personagem que diz i rather not (eu prefiro não), do melville?
o bartebly que não faz nada gera artigos e livros inteiros: deleuze e agamben, mais todos artigos de comentadores (no congresso que fui tinha pelo menos um, e muitos artistas que eu conheço se inspiram nele para produzir obras). pra mim ele representa o mundo encantado do outro, daquele que contrariamente ao escritor, ao pensador, ao artista, não está produzindo. ele é para mim a representação da idealização da não-produção. e é uma maneira de assim expurgar a não-produção e usá-la para combater a má consciência por produzir tanto.
quando lyotard, no inumano, fala de melancolia, ele está já falando também, na década de 80, de uma resignação, de viver no grande hotel abismo [como adorno, um workaholic], e articula esse problema: escrevo isso como poesia-filosofia, mas ao escrever, não posso estar melancólico, posso apenas assumir essa posição de aceitar mal a boa maneira de se expressar, aceitar melancolicamente – isto é, sem me engajar contra minha própria produtividade.
1. como mário havia perguntado sobre si, quem era, entre outras coisas, e o bot havia respondido com um monte de baboseiras, embelezadas com lorotas, eu coloquei na minha cabeça que gpt era uma abreviação de gepetto e que, tal como o pinocchio, aquele chat mentia muito.
2. quando carol me informou que estava rolando uma modinha nas redes de pov, por algum motivo eu achei que se trataria de uma tendência videográfica de filmagem em primeira pessoa – person observation view. mas isso não era de modo algum o que eu encontrara, pouco tempo depois. talvez todos pontos de vistas sejam subjetivos, mas não subjetivas.
era um prazo que se apresentava como absurdo para nós. um prazo final ainda para esse ano. um prazo de final de ano, verdadeiramente. um prazo cuja data era 31 de dezembro.
(o prazo em si não parecia absurdo, mas sim a data. trabalhos possuirem prazos é algo da ordem do aceitável. alguma hora o fruto do trabalho deve amadurecer. marcamos uma data para nos impedirmos de postergar esse amadurecimento indefinidamente).
é que o ano vai aos poucos terminando. e nesse processo, a soma das expectativas de que termine aumenta. os dias acumulam e o final se aproxima. o acúmulo de expectativas então contagia. torna-se impossível não levá-lo em conta. torna-se impossível realizar qualquer tarefa produtiva sem levar esse acúmulo em conta.
(trabalhar levando em conta a expectativa de que o ano acabe é extenuante. se ela o é para aqueles que anseiam cada vez mais pela pausa, fadigados que estão de tanto trabalhar, ela também o é para aqueles que, desocupados, se veem contagiados por essa ânsia)
acontece que o que terminaria com o ano não seria apenas o ano, mas também o prazo. e o prazo indicaria que haveria algo a fazer: trabalho.
(resultado: estenderam o prazo para 15 de janeiro).
1. ultimamente tem estado muito em voga dizer que música experimental é um termo guarda-chuva, mas que não é um gênero, e que na verdade, por suas origens (schaeffer na frança, experimentalistas nos eua), é algo que se tornou incômodo como denominação.
2. aí há pressupostos. creio poder organiza-los em dois blocos. (i) que é ruim fazer coisas que caem num gênero. que cair num gênero é ser encaixado, tornar-se produto reificado. que o que não se encaixa, é aberto e livre, é emancipado. (ii) que usar um termo com uma origem implica uma filiação. que essa filiação é mais negativa que positiva. que filiar-se é algo que subalternos fazem.
3. gostaria de apontar como é ruim pressupor que a ideia de gênero é negativa, mas vou começar criticando a ideia que pertencer a um gênero é algo negativo. como se então a absoluta maioria das músicas do mundo fossem de um escalão inferior e que só uma posição vanguardista de risco e abertura do anti-genérico pudesse erguer-se acima da indústria cultural.
4. ser enquadrado parece ser uma operação que encaixota e assim restringe e diminui. mas ser enquadrado é uma operação de categorização, a categorização identificada como ideologicamente negativa. categorizar algo em um gênero é localizar aquela prática dentro de um contexto estético-social e guiar as pessoas a ambientes específicos, no qual elas possam efetivamente navegar – encontrar cenas, traçar discursos.
5. zappa ser rock, marley ser reggae etc, ajudam a reconhecer tensões dentro desses gêneros e como eles acolhem a produção ao mesmo tempo em que se deixam moldar por ela; e mantém espaço para o não-convencional.
6. não é verdade que, por ser algo de vanguarda, não há quem imitar, não há condições de gêneros que guiam a produção dentro de música experimental. talvez apenas não haja um contingente suficiente para fazer com que noise, improvisação livre, gravação de campo etc tenham vidas autônomas. a música eletroacústica, fortemente institucionalizada nas universidades, tem.
7. em teoria o experimental é meta-gênero que organiza parcamente sobre os princípios da radicalidade, do inusitado e do incomum, gêneros diversos. é difícil realmente relacionar isso a (i) e (ii). do ponto de vista social, entretanto, recusar o nome que direciona pessoas a uma cena talvez seja não se identificar com a cena. querer fazer parte de outras cenas, querer circular mais, querer surpreender as pessoas tocando em outros palcos, para um público desavisado, por exemplo.
8. por outro lado, se é que experimental tem conotações normalmente negativas, “não me chame de experimental, venha ver meu show você também” soa como uma frase razoável de auto-promoção. por outro lado, imagine alguém do sertanejo recusar em geral seu gênero (ele recusa um subgênero quanto é vantajoso afunilar seu público alvo).
[dos rascunhos, maio de 2021; 3 anos depois parece que, em vez de um termo negativo, experimental passou a ser a nova palavra que traz ares de novidade aos produtos culturais – de modo que a batalha se tornaria outra – valeria a pena defender a circunscrição que orienta ouvintes a músicas menos convencionais, ou não – deixar as forças mercantis aplicarem a etiqueta como expediente de marketing (e há pessoas que confundem isso com algum problema mal formulado sobre democracia e elitismo etc – é preciso olhar a diferença entre festivais x cenas)]
o mundo já havia acabado. naquela mesa o lance de dados sempre obedecia a uma progressão aritmética. naquela velha mesa, tiras de madeira gastas, esburacadas, naquela casa, naquela praça, naquele quarteirão, ruas de asfalto gasto, esburacadas. progressões aritméticas. das árvores na rua, dos cestos de lixo na rua, dos postes na rua, das ruas no quarteirão, dos quarteirões no bairro. foi passeando e notando que desde então, desde o fim do mundo, tudo sempre obedecia a alguma progressão aritmética. foi passeando e notando que ele vislumbrou a possibilidade da grande morte. da morte que encerraria tudo. encerraria a sequência de todas as sequências. e que todas as sequências encerradas, seriam aritméticas.
como tenho apego às formas curtas ou muito curtas a frase ouvida, o provérbio, a mini-crônica, o mantra, a máxima e como o manancial de ideias é grande mas não inesgotável pois quem inventa muito esquece (como que para abrir espaço para o que virá) acontece de tempos em tempos anoto uma mesma ideia recorrente anoto-a bem parecido ou então, e descobri perguntando que isso não é normal alguns anos depois com exatamente as mesmas palavras
esse ano [2019] em faço uma exposição solo retrospectiva. vou ter de inventar um vídeo convite e por isso estava revisitando minhas tentativas nesse sentido. aparentemente, é o momento que eu aproveito para ser bagunçado e absurdo, profuso em “oportunidades”…
1. tenho um pequeno oratório em casa e penso que a hora de brilhar (e também, o caron batendo cabeça é mui elegante).
2. parecia a melhor ocasião para eu finalmente mostrar ao mundo como tenho de aparar toda semana os pelos do meu nariz.
3. e se a voz estivesse ao contrário, e o texto também?
4. uma espécie de indicação de “venha para essa festa bad trip você também” (mas é difícil conseguir isso no digital, fica um pouco fake não acham?).
5. passeando de trem chacoalhando a câmera com zoom e pensando “eu tenho dois trecos de 30 segundos que não servirão pra nada, mas posso encaixar aqui”.
6. queria porque queria queimar a caveira de cachorro.
7. está em cima da hora, estamos bêbados, mas dorothé acha melhor ter que não ter. então tá, e vou jogar o matthias de ponta cabeça.
8. em 2007, nossa concepção de jovial era colocar máscaras de stockhausen.