Em X, a série (X−エックス−, 2001-2), dentre os 7 dragões da terra, encarregados de destruir o status quo e provocar a revolução, e os 7 dragões do céu, guardiões da ordem eterna do agora e da manutenção do modo de vida atual, há todo o tipo de pessoa. Decerto, especialmente com o despertar do segundo Kamui, os dragões da terra parecem maus enquanto os do céu bons. O primeiro Kamui era um adolescente, aquém do bem e do mal, possuidor típico da irritação hormonal e instabilidade emocional dessa fase, que combinada a seu enorme poder, o fazia alternar irresponsavelmente entre um futuro bondoso e atrocidades impulsivas. Mas com a reinterpretação de seu colega Fuuma como um segundo escolhido, a condensar toda a maldade de quem quer acabar com o mundo, esse maniqueísmo é firmado. Shirou Kamui é compelido a ter um bom coração – as circunstâncias o impelem, enquanto Fuuma Kamui torna-se frio e portentoso.
Essa divisão entre o bem e o mal tem ainda mais elementos. Os dragões do céu se preocupam com os cidadãos e criam barreiras que transformam os locais de luta em espaços de jogo, apartados do real para os que não participam das batalhas, evitando danos a estes e à cidade. Os da terra tendem a utilizar os meios disponíveis para atingir seus objetivos. Afinal, tudo irá pelos ares se eles obtiverem a vitória. A vontade de realização última do niilismo que pede a completa renovação, fria e objetiva, é contrastada com o apego, caloroso e subjetivo àquilo que, em meio a uma sociedade que aparentemente funciona, é desejado.
Os indivíduos são separados nos dois grupos independentemente das suas inclinações pessoais, e muitas vezes regidos pela mão do destino que prepara o embate dos dois pólos, embora não se sabe ao certo se o destino resolverá este mesmo embate. Que os personagens estejam de um lado ou de outro parece circunstancial. Mas a série conduz para a seguinte constatação: independentemente da colocação em relação ao céu e à terra, o apego caloroso leva ao lado do céu (relação baseada nos sentimentos e na transcendência fixa do amor); a indiferença fria leva ao lado da terra (relação baseada em fatos sociais e na mutabilidade da sensualidade). A destruição e revolução é o caminho que segue o fluxo, que naturalmente decorre do estado atual, enquanto que a manutenção desse estado exige invocações, círculos mágicos, barreiras espirituais, espadas místicas acorrentadas.
Mas esse aspecto é apenas o aspecto geral que define a oposição dos dois grupos de guerreiros. Pois há, na relação entre o dragão da terra Kusanagi e a dragoa do céu Nekoi, ambos apaixonados, um descolamento. Na decisão final da manutenção ou da revolução, na escolha do posicionamento macro-político, não existe algo que verdadeiramente vincula o pessoal ao coletivo. Relacionar de antemão o individual ao céu e o coletivo à terra é afirmar essa brecha entre o individual e o coletivo, mas ainda assim é fazê-lo no plano do posicionamento macro-político pessoal. O desejo de proteger alguém aqui contrastaria com a vontade de que tudo mude. O bem e o mal são reinterpretados como o amor vs a indiferença. Desse ponto de vista, a indiferença já é tornada e vista como negativa. Mas por trás disso há uma constatação dialética: o que devíamos fazer enquanto coletivo é mudar tudo, transformar, quiçá perecer, destruir a civilização. O coletivo não merece a existência quando o que nos prende ao aqui e agora é meramente o individual, a rede imediatamente próxima de outros indivíduos, e a empatia que sentimos por aqueles que encontramos.
Então, colocados frente à decisão irreal e forçada do tudo ou nada, eu acreditaria antes que não importaria a personalidade, a história de vida ou as redes de relação pessoal. As escolhas, por serem entre pólos radicalizados, deveriam se descolar mesmo. O posicionamento quanto à macro-política se tornar um componente em outra dimensão. Eu amo Nekoi, mas como sou um dragão da terra, lutarei pela destruição da civilização. Porque daí veríamos que, também na falta de pontes bem construídas entre o individual e o coletivo, a combinatória entre micro e macro provocaria conflitos sem possível resolução. Donde o mais importante seria: acabar com o mundo mas viver bem com seu amor. Taí a aporia que aparentemente queremos.