É interessante que os vilões normalmente tenham planos, e os grandes vilões grandes planos, enquanto os heróis sejam muito mais reativos. Raramente há um plano para atingir a paz total, o bem estar social, ou a liga da vigilância, por exemplo. Muitas vezes os heróis encarnam o status quo, tomando para si a tarefa de defendê-lo contra a mudança, de reagir contra sua deterioração, de amenizar sua decadência. Inclusive de, ao tomar conhecimento de grandes planos, escolher o lado mais próximo à intuição e ao improviso. Nesse movimento, logística e vilania são conectadas, e o vilão pode tomar um ar de semi-deus, daquele que consegue unir projeto e objetivos, que conseguiria intervir efetivamente na realidade. Mas almejar ao divino, à um plano total, seria intervir demais, seria ultrapassar o limite aceitável do que um indivíduo não enredado ao social estabelecido pode fazer. Muitas vezes inclusive, isso explica o caráter incorruptível de alguns vilões, que só jogam o jogo da podridão social na medida em que ele é exigido pelo seu plano, nunca cedendo à corrupção que integra socialmente, esta mesquinha e burocrática.
Penso ser interessante quando aparece um vilão que deseja intervir, mas percebe a dificuldade real de intervir na escala que ele almejaria. Ele precisa começar de algum lugar, e sua trajetória será cheia de reavaliações e de reviravoltas. Um vilão não necessariamente é um vetor de modernização ou primitivização que procura fazer tabula rasa na sociabilidade. Ele certamente quer fazer uma diferença, e de um modo não socialmente aceito. Mas, como pessoa enfrentando os desafios envolvidos em sua trajetória, ele vai não apenas resolver problemas, mas reavaliá-los, descobrir novos e ter de conviver com eles. Acabar por perder o objetivo de vista ou modificá-lo, ou ainda nem conseguir dar corpo ao mesmo, não o impede de ser vil. É o que penso. Conseguem pensar exemplos e contra-exemplos?
Exemplo: Voldemort, um vilão planejador e incorruptível dentro de sua lógica. Certamente quer um mundo do jeito dele e com ele sendo o grande soberano. Ele diz que tudo está acontecendo como ele planejou, mas claramente algumas coisas saem de controle e ele tem que fazer alterações. Isso de não conseguir dar corpo aos seus objetivos é o que no final faz ele se desesperar e sair agindo que nem um doido (já fora de seus scripts) pra tentar matar o Harry Potter.
Contra-exemplo: O Smith, do Matrix, também é um vilão que age segunda uma lógica bem incorruptível depois que ele é “libertado” pelo Neo. Só que eu acho que ele não é um grande planejador, ele é bem improvisador. Ele age que nem um vírus. Depois que ele toma a Profeta, ele passa a agir de acordo com visões, segundo o “destino” (isso o Voldemort tem também – visões do futuro), mas no final ele não entende porque ele não consegue acabar com o Neo e se desespera. Aí ele volta a improvisar e transforma o Neo nele mesmo, se destruindo pq ele anulou o antagonismo que dava existência a ele.