Há uma entrevista muito interessante do Mamoru Oshii, de 2014, em que o mediador provavelmente passa o famoso trecho da luta de Kusanagi Motoko no primeiro filme de Ghost in the Shell (há um corte no vídeo, mas os indícios são de que é essa cena). O diretor então comenta: “virtua fighter“. E depois explica – ele e o diretor de animação estavam viciados nesse jogo de fliperama na época da produção, e os movimentos da heroína foram modelados na estratégia de jogo do próprio Oshii. A anedota continua, mas paremos por aqui.
Se resolvermos revisitar a infâme frase “anime foi um erro”, atribuída ao lendário diretor Hayao Miyazaki e procurar por sua fonte, uma entrevista de 2014, o que provavelmente vamos achar é que Miyazaki na verdade diz que os animes tem sido feitos por pessoas que não suportam olhar para outras pessoas (“日本のアニメーションはね、観察によって基づいてないほとんど。人間の観察が嫌いな人間がやってんだよ。だから、オタクの巣になるんだよ。”). Os animes estão sendo feitos por pessoas que estudaram animação e são fãs de animação, isto é, por otakus; por isso, os criadores otakus usam como referência animes para fazerem animes. O que Miyazaki está a reclamar então é que o meio da animação japonesa descolou-se da observação da realidade (da vida das pessoas no mundo humano), para mergulhar no abismo otaku autorreferencial da ficção.
É claro que esse abismo vai longe (vide qualquer coisa dirigida pelo Imaishi). Mas ele não precisa ser meramente equacionado com a totalidade das coisas nem com superficialidade, seja ela boa superficialidade ou ruim (isto é, seja uma superficialidade que consideramos “esteticamente genial” ou uma que consideramos banalizante). No caso da luta de Motoko, temos um diretor interessado em filosofia política e construção de mundos ficcionais consistentes, Oshii, também sendo um otaku gamer. De modo que, observando lutas de arcade, ele construíu então lutas de otaku, dentro de uma obra que observa humanos em outros aspectos – por exemplo, que observa a condição existencial humana, que pergunta sobre o que é ser sapiente, animal racional vivo. Incidentalmente, os criadores de Virtua Fighter estavam interessados em imprimir, na medida do possível para as capacidades poligonais da época, realismo às lutas, tendo pesquisado estilos, golpes e lutadores reais para elaborar o jogo, chegando no jogo subsequente a capturar gestos realizados por humanos como dados para a correção dos movimentos das lutas em 3D.