Uma nuvem amnésica em Kekkai Sensen

Ontem li, em um ônibus voltando de São Paulo para Belo Horizonte, o conto “Sonhos de Moreland”, de Fritz Leiber. Lembrei da cena do terceiro episódio de “Frente da Batalha Bloqueio de Sangue” em que Klaus von Reinhertz joga um xadrez monstruoso contra um inimigo invencível: gosto do jogo de finalmente reconhecer uma referência, ou ao menos, a traçar um antecedente.


Recomendações à parte, a cena que gostaria de comentar acontece no episódio 6, “não esqueça de não esquecer”. Amagranoff Luozontam Ouv Lee Nej é um humanóide cogumelesco que, quando colocado em uma situação de extremo stress, solta uma nuvem de fumaça rosa que desmaia todos os presentes, apagando a memória dos mesmos, assim como a sua. Há um grande perigo nisso, mas o ponto aqui é que na primeira ocasião em que isso acontece, o stress vêm de sofrer sucessivos socos de um capanga encrencado que, em um momento de ira descontrolada, também provocada via stress, desconta-a no imprudente alienígena.

A pergunta aqui é se as reações são equivalentes do ponto de vista moral. Certamente do ponto de vista da resolução de problemas, ambas são questões a serem lidadas. O stress excessivo provoca descontroles diversos com consequências perversas. Mas como a rua 42 é um ambiente hostil às criaturas da dimensão dos demônios, os transeuntes, ao ver o espancamento, apenas se perguntam: “mas e essa coisa sente dor?”. Poder-se-ia perguntar, mas o capanga não sente remorso? Certamente Amagrnoff age como um porco espinho, que tem como reação um comportamento corporal codificado e defensivo. Essa reação precisa de algum nível de representação para acontecer, mas não de consciência. E a ira? Ela seria diferente do ponto de vista da consciência. Mas então por que dizemos que a ira é cega, e por que a investimos em um objeto-gatilho, de modo a atingi-lo com uma reação desmesurada? Não há nisso um mero mecanismo? O quanto que a sensação da consciência é apenas algo que paira. Seria a ira também um esquecimento? Porque tanto o homem quanto o alien podem tentar acalmar-se. Isto, é claro, se a cidade permitir… Talvez assobiar Mozart lentamente, ajude, como se uma racionalidade iluminada fosse possível, conciliando a noite e o dia.

{血界戦線, série de animação de 12 episódios de 24 minutos, dir. Rie Matsumoto, a partir de mangá de Yasuhiro Nightow, 2015}

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