No primeiro filme da tetralogia Megazone 23, de 1984/5, a personagem Takanaka Yui canta a bola: “nós estamos vivendo no melhor período possível da humanidade, isso não é maravilhoso?” Os anos 80 do Japão não são apenas o ベビーブーム世代 (“geração baby boom”), mas uma época imaginária de um capitalismo glorioso, com estrelas pop cujo artificialismo elegante enfeitiça todos, gangues de motoqueiros selvagens rasgando as ruas, intrigas envolvendo homens de terno e óculos escuros, consumo tão excessivo quanto o poder aquisitivo. E mais: gatas sexy que dançam jazz envolvidas em jogos perigosos de cortejo com garotões sedutores revoltados; videogames arrojados e robôs-mechas de última geração que, coincidentemente, tem o mesmo sistema de navegação.
Mas já nessa visão que os anos 80 tem de si mesmo um sentimento de paranóia assola: e se tudo isso for uma ilusão? E se tivermos vivendo sob o signo do falso? Não vemos de onde extraímos nossa riqueza e prosperidade, somos alienados quanto a mais valia e a ecologia. Estamos em uma bolha cuja sustentação é aparente, mas cuja sustentabilidade pode muito bem ser impossível. E então intervêm algo similar ao mito da caverna de Platão, na República: há aqueles que cruzam os limites e descobrem o real. Mas Platão encarou sua história como uma nota de rodapé e não deu muito importância ao fato de que, provavelmente, tratava-se de uma excelente caverna, muito boa de se viver. Pois uma vez descoberta uma realidade outra, mais real, o que fazer? Certamente, arranjar confusão. Mas e se já for tarde demais e precisarmos de mais do que aventuras e incursões vacilantes e perigosas?
De fato, a cidade cresce sozinha, empurrando seus tubos para debaixo do tapete, isto é, para fora do seu perímetro. Aqui o marginal e o periférico apenas constróem a diferença necessária para apreciarmos a boa vida no capitalismo como o bem e o privilégio que ela deve ser. É o que é expulso, que se alastra lentamente e fora, o que não está sendo computado, que traça a oposição estrutural. Por isso a relação com o espaço sideral e sua infinitude: se for possível viver uma mentira, ao menos que ela tenha de estabelecer limites para si, por enfrentar o vazio diretamente, não permitindo uma expansão tão fácil da predação. Mas no espaço há inimigos, e a tensão com eles trará uma tensão interna: haverá uma casta militar; mas também, qualquer mentira tem seus dissidentes e precisa de uma elite e seus homens de preto atuando continuamente.
{メガゾーン23, 4 filmes de 1 hora, dir. Noboru Ishiguro (I, 1985); Ichiro Itano (II, 1986); Shinji Aramaki (III e IV, 1989); nota 7.5}