No final da primeira temporada de Boku no Hero Academia, uma cena me deixou com o pé atrás. Não era uma cena ruim, como àquelas resultantes na insistência machista no sexismo adolescente de Mineta (seguindo a tradição nada louvável do alívio cômico via assédio sexual). Mas apontava para algo preocupante e que eventualmente me fez desistir da série. オールマイト (All Might, “todo poderoso”) enfrenta 脳無 (Noumu, “sem cérebro”), um humano artificialmente melhorado que possui uma incrível capacidade regenerativa e de absorção de choques. Noumu pode até não pensar, mas é All Might quem sublima o não pensamento e que é tomado pela pura ação: contra um inimigo supostamente invencível via embate físico, amplificar o embate físico até que o impensável aconteça – ele seja derrotado por socos. Contra alguém imbatível na porrada, porradar mais ainda.
Talvez eu tenha demorado a chegar a essa conclusão, mas as lutas de My Hero Academia muitas vezes estão na categoria da luta sem luta e configuram-se como embates de poder através de um mostruário de peculiaridades (quirks). E consistentemente, o herói número um possuí a peculiaridade de reduzir as peculiaridades à pura força, o poder distilado na sua forma infantil: o soco e o choque físico. Ao mesmo tempo, seu sorriso é a redução de toda dificuldade psíquica e complexidade no que pode ser mais simples: um está tudo bem, familiar. Os treinos podem envolver desafios nos quais há um aprendizado de atuação em situações específicas, mas os treinos avançados são puro esforço para libertação de poder.
Parar aí seria ainda precoce: é preciso efetivamente, contra a possibilidade de ambiguidades de interpretação, reforçar a mensagem. Há o embate de Midoria contra o Muscular, por exemplo. E então, na terceira temporada, o arqui-vilão オール・フォー・ワン (All for One, “todos por um”) sai da toca e como possui várias peculiaridades, teletransporta diversos descerebrados pela cidade, aciona poderes de outros sob seu comando, voa, ataca com explosões e rajadas de vento. Mas quando precisa dar um fim a All Might, não é uma sequência criativa e inusitada de poderes que ele usa. Nem uma série de golpes em uma batalha que envolva alguma arte marcial. Não, ele cresce seu braço direito, combinando todos os poderes que pode para criar o soco destro mais destruidor possível.
Confesso que fiquei bravo com a cena. Mas pensando aqui, existe algo de engenhoso em exagerar o que seria o mais normal e pouco criativo. O youtuber gigguk notou praticamente a mesma coisa, embora seus pensamentos se ordenem diferentemente e ele acabe elogiando a série. É difícil que algo me leve por uma fantasia do poder tão explicitamente ligada a um impulso físico primitivo. Acho emocionalmente forçado. Então, larguei a série.
{僕のヒーローアカデミア, série de animação com, até o momento 63 episódios de 24 min, dir. Kenji Nagasaki, a partir de mangá de Kouhei Horikoshi, 2016-}