Sobre o vídeo “Eroica de Beethoven: acordes iniciais”, uma pequena entrevista com Erik Carlson

Realizada por e-mail, nos dias 25 e 26 de junho de 2012. Entrevista por Henrique Iwao. Tradução do inglês para o português e revisão por Sofia Betancor e Henrique Iwao.

Oi Erik. Em primeiro lugar, você poderia me contar um pouco sobre quem é você, onde você mora e qual o seu envolvimento com pesquisa e o fazer musical?

Sou violinista e moro em Nova Iorque. Tocar com o Ensemble Contemporâneo Internacional é meu trabalho principal. Também componho um pouco à parte, como você pôde ver no meu sítio de internet.

Qual é o contexto exato em que você fez o vídeo? Foi parte de uma pesquisa? Pode ser considerado um videoclipe? Ou música per se?

O vídeo surgiu de partes iguais de curiosidade e amor. Eu amo a sinfonia [Eroica], e gosto de quase todos os diversos estilos de tocá-la. A ideia para o vídeo teve várias fontes – venho escrevendo uma peça orquestral usando sons de abertura de outras obras para orquestra, arranjadas cronologicamente. Havia também uma peça de dança, de Ohad Naharin, que vi recentemente, em que repetidamente começava a mesma frase muitas vezes. E também, claro, uma de minhas peças favoritas de música, z24 de John Oswald +.

O início da Terceira sinfonia de Beethoven pareceu perfeito por ser muito curto e bem reconhecível, é uma entidade independente (facilmente removível de seu contexto), e também foi extensivamente gravado. Quando tive a ideia fiquei extremamente curioso em como soaria e se desenvolveria.

Não sei ao certo como categorizar o vídeo. Fi-lo com o Youtube em mente, como um bom hospedeiro para ele. O vídeo é o que é.

O que você acha que esse tipo de abordagem tem a oferecer, em perspectivas tanto musicológicas quanto de experiência estética?

Eu gosto da pouca quantidade de informação concentrada no vídeo. Você pode ouvir as diferenças de tecnologia de gravação, de tempos, altura, duração, balanço, articulação, espaço de gravação, intenção expressiva, e até mesmo masterização. E acho que leva a questões interessantes, como: quais características foram de propósito? E o que vem a seguir?

Mais do que isso eu espero que seja um pouco esdrúxulo. Além de alimentar uma curiosidade, espero ser um deleite, e por vezes humorado.

Você tem alguma conclusão sobre as diferenças obtidas entre aberturas?

Acho que a informação mais interessante, nessas gravações, de estilo e escolhas expressivas, desafiam minhas habilidades de explanação escrita, e são melhor compiladas com apenas a escuta cuidadosa às gravações. O que me sinto apto a colocar em palavras são somente as conclusões mais básicas, como a de que a tecnologia de microfones melhorou consideravelmente desde a década de 1920.

Você tem algum comentário sobre a disposição cronológica? Você acha que se mostra nos sons dispostos?

Certamente, em aspectos técnicos como a qualidade de som. É difícil dizer sobre interpretação. Obviamente a maioria das performances não são gravadas, então enquanto é possível perceber tendências gerais, cronologicamente, no vídeo, eu sinto que são amostras tão pequenas de performances que seria complicado fazer generalizações sem mais informação.

***

Corolário: z24, de John Oswald.

+ Nessa obra, Oswald sobrepõe 24 versões diferentes da abertura de Also Sprach Zaratustra, de Richard Strauss. As sobreposições são organizadas mantendo o primeiro ataque do acorde de dó-maior sincronizado entre todas elas. A Seeland lançou uma colet nea contendo essa obra. Ela pode ser comprada aqui.


postado em 9 de agosto de 2012, categoria Uncategorized : , , , , ,

Plágio? Uma conversa com Guilherme Rebecchi

Realizada através de sistema de conversa via internet, dia 11 de junho de 2012. Resposta adicional dada por Victor Valentim, dia 12 de junho de 2012. Entrevista por Henrique Iwao. Revisão por Sofia Betancor.

[A. Conversa com Guilherme Rebecchi]

Olá, Rebecchi. No VIII Encontro Nacional de Compositores Universitários, em Goiânia, na Universidade Federal de Goiânia (UFG), no dia 25 de outubro de 2010, foi apresentado uma obra supostamente sua. Gostaria de saber sobre ela, pois era basicamente uma gravação do primeiro movimento da Sonata op. 27 no. 2 “ao luar”, de Beethoven.

Ocorreu um fracasso.

Explique o que aconteceu. Foi uma situação bastante estranha.

Imagino. Até hoje não consegui falar com o rapaz que projetou. Aquilo foi uma gravação do Beethoven, não uma música que fiz.

Mas tinha um errinho nela, no meio; como um erro de codificação MP3, que fez com que todo mundo ficasse imaginando que ia acontecer algo. As pessoas ficaram se entreolhando. Foi bem bacana, ao meu ver, uma situação ímpar. Mas enfim, explique.

Curioso. Sim, vou te mandar a música. Se estiver no meu e-mail te mando já.

Certo, você tem as informações, nome, data, quando foi esse dia em que ocorreu o fracasso? Isso ajudaria também. Mas me explique o que gerou aquela versão que presenciamos.

Também não sei. Te mandei o e-mail com a música que era para ter sido tocada. Mas essa série de músicas tem isso: como a ideia é ser uma parceria de duas pessoas que não eu, fica uma sensação de estranhamento. Mas acho que foi válida a experiência.

[Informação do e-mail:
Título: Série Parcerias – O Rei dos campos de beterraba (Sonata tan-sá).
Autor: Guilherme Rebecchi Kawakami.
Ano da composição: 2010.
Categoria: envio de peças eletroacústicas.
Nota de concerto: Nesta série, parcerias aparentemente impossíveis são forjadas por um terceiro agente.]

Estou ouvindo. É um mashup?

Quase. Alego a diferença por querer tratar da questão autoral. É como se duas pessoas fizessem uma parceria, mas ela é improvável. Com isso, quem seria o autor? Com essa série eu quero tratar dos limites da autoria. No entanto, é um mashup, na prática.

A versão que recebi aqui também é estranha. Ela tem 43 segundos, é isso?

Isso. É apenas um recorte sem edição de uma música do Roberto Carlos.

Entendi, então não é um mashup, na prática; é um pseudomashup.

Digo, pra quem escuta.

Você induz o ouvinte, pelo título a pensar que aquilo, o piano do início, realizando harpejos, poderia ser Beethoven.

Isso. Tem a indução. Nessa música não tem nada de Beethoven que eu tenha colocado; só o título. Mas cada música é um caso diferente. Tem mais duas aqui: http://sussurro.musica.ufrj.br/pqrst/r/rebecchi/.

Você consideraria a peça, tal como apresentada no Encun, como uma peça tua?

Boa pergunta. Provavelmente sim, pois deve ter gerado um estranhamento e as pessoas devem ter pensado sobre a autoria, embora devam ter achado muito ruim.

De qualquer forma, mesmo na outra peça, o foco não é o acontecimento em si, mas os desdobramentos. Certo?

Sim, além da diversão. Só não é no caso, nessa série parcerias, da música Sino (Ockeghem & Björk).

E esse interesse pelos limites autorais? Você tem alguma opinião sobre a questão da autoria, afora a exploração dessas áreas de dúvida? Ou algum pensamento sobre essas áreas difusas, entre a apropriação, a criação e o plágio?

Sim. Tem a questão que uma criação contém criações anteriores, seja por citação, referência ou pelo conhecimento gerado pelas criações anteriores. Tem também a questão de ego e comercial. Não creio que uma produção intelectual possa ser exclusivamente de uma pessoa.

Mas isso não exclui a categoria plágio, mesmo admitindo que a apropriação move a cultura, que as práticas de apropriação sejam um dos motores do desenvolvimento da cultura.

Não exclui o plágio. É interessante.

De qualquer forma, um plágio categórico se faz passar pela música que plagia. Isso não ocorre em O Rei dos campos de beterraba (Sonata tan-sá). Mas já quanto ao Beethoven tocado no Encun…

O plágio é uma caracterização de algo além da citação e sem fazer referência ao autor.

Ocorreu um plágio no Encun. Mas não me preocupo tanto com o plágio, que eu vá plagiar mesmo algo, porque isso está distante da minha atuação.

E esse plágio que ocorreu no Encun. Você o atribui ao Victor? Quer dizer, qual o papel do Victor nessa história?

Não, porque não sei o que ocorreu. Não sei se enviei um arquivo errado. E também, ele deveria ter passado o som com a música ou tê-la escutado antes.

[Guilherme está ocupado(a). Talvez agora não seja uma boa hora.]

***1

[B. Troca de mensagens com Victor Valentim]

Olá Victor, sobre o episódio Rebecchi, no VIII ENCUn. Você pode me explicar como é que foi tocado o “arquivo errado”?

Olá Henrique. Acho que foi porque o Rebecchi não tinha feito a inscrição no site do Encun na época, então eu mandei um e-mail pedindo que ele me mandasse uma peça para que não ficasse de fora do concerto. Ele deve ter me mandado o arquivo errado por e-mail, por engano, e eu, como estava com muito material pra organizar para o concerto, acabei me esquecendo de avisá-lo. Daí a confusão, porque ele mandou o arquivo certo para a Laiana e ela não me encaminhou. Não fizemos isso de malgrado de nenhuma forma, gostamos muito do Rebecchi e devemos infinitas desculpas a ele.

Abração, Valentim.

***

1Fim da entrevista com Rebecchi: achei curiosa essa mensagem aparecer exatamente nesse ponto. Dei boas risadas.


postado em 5 de agosto de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , ,

stravinsky canônico: a sagração da primavera

bernard parmegiani sabia que as gravações da sagração eram um sucesso. todos os estudantes de maio de 68 já tinham comprado a sua! como não era bobo, usou o gancho stravinskyano da entrada das cordas da danca dos adolescentes na sua obra du pop à l’ane (1968). 

john oswald, em spring (1980), tentando resgatar a atmosfera impetuosa e chocante de outrora.

quinta sinfonia de beethoven e o pássaro de fogo, dois grandes monumentos do modernismo. ainda acho que, apesar das maiores semelhanças entre essas duas, luc ferrari deveria ter usada a sagração em strathoven (1985).

outrora escandalosa, na década de 1910, a sagração da primavera é aqui colocada como som introdutório do videoclipe de intergalactic (lançada em 1998), dos beastie boys.

 


postado em 25 de julho de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , , , , , , , ,

ritornelo 1

sempre tenho dúvida quanto a se é para tocar duas vezes cada parte das partitas de bach, dos movimentos com ritornelos no meio e no final. glenn gould opta, por vezes, por tocar apenas os da primeira parte. na última sonata de beethoven, ele ignora a barra de repetição, no movimento de variações.

webern mantém ritornelos nas suas variations op.27, inserindo-se assim, mais do que uma primeira impressão poderia sugerir, na longa tradição, desde o barroco até mozart e além até webern.

o botão repeat: “mais uma vez, sentir” (como um segundo café, um segundo pedaço de bolo); o botão tocar, apertado de novo: “agora prestando atenção” (como uma revanche). o primeiro é ligado antes do final, o segundo, acionado após.

Xsapréss, de rafael sarpa, para piano, contém dois ritornelos.

diz a canção dos pixies, trompe le monde: “e as palavras são as letras das palavras ditas. (…) essa canção é duas vezes ocorrida e agora é hora de sair de férias.”


postado em 15 de maio de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , , ,

pierre henry, a arte dos sons

assista aqui. [mas um daqueles vídeos que estavam e não estão mais no youtube]

documentário de eric darmon e franck mallet, 2006.

“a música concreta versa sobre a arte da escolha. é a arte da escolha. você escolhe um som depois de outro, e assim a composição começa.”

“eu senti a necessidade de revisitar uma obra clássica do meu próprio modo. foi nessa época que eu escolhi/resolvi escrever a décima sinfonia, inspirado pelas nonas sinfonias de beethoven. o que me importava eram os aspectos analíticos e musicológicos. eu criei um dicionário de sons ‘Beethovenianos’. // a décima remix é uma obra sobre a vida, eu penso. há a praia, a guerra, há os barulhos da cidade, as pessoas trabalhando. é um trabalho sobre a vida, como um filme. um super-documentário. uma visão do mundo que eu não conheço mas que eu imaginei.”


postado em 18 de abril de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , , , ,

contraponto

sobre o contraponto, ludwig wittgenstein escreve (cultura e valor. lisboa: edições 70, 2000 [anotação datada de 1941]):

“o contraponto pode ser um problema extraordinariamente difícil para um compositor; nomeadamente, o problema: que atitude deverei adoptar, dadas as minhas inclinações, relativamente ao contraponto? ele pode ter descoberto uma atitude convencionalmente aceitável e, contudo, sentir ainda que esta não é, propriamente a sua. que não é claro o que o contraponto devia para ele significar. (estava a pensar, a esse respeito, em schubert; no facto de ele querer ter lições de contraponto já perto do fim da sua vida. penso que a sua intenção pode ter sido, não tanto aprender apenas mais um contraponto, mas determinar as suas relações com ele.)”

brahms, que tomou como modelo muito do que beethoven edificou, o fez tendo em mente seus últimos trabalhos. mas, enquanto no contraponto do beethoven final há um sentido de conflito, de destino (resgate, inadequação, futuro), em brahms as coisas soam mais resolvidas, atenuadas. o excesso da quarta sinfonia pode ser tomado como um excesso do contraponto, mas o uso em si não é um uso desbravador. foi preciso o quarto movimento, para resgatar esse sentido, patente no final da nona sinfonia de beethoven, uma mistura de arcaísmo, destinação e .


postado em 19 de fevereiro de 2012, categoria Uncategorized : , , , ,

carnaval #2

ficar algum tempo deliberadamente sem travar contato com algo é uma estratégia que tenho em alta estima. um ano sem comer chocolate (que eu então adorava), me fez perceber o quanto aquilo era ruim (não só para a saúde: o gosto, a mistura terrível de cacau, açucar e gordura).

alguns anos sem a nona de beethoven, e posso voltar a ouvi-la com lágrimas nos olhos (exceto o terceiro movimento: os movimentos lentos de beethoven são uma perda de tempo, esquemáticos e sem o lirismo contido do barroco, nem o arroubo dos românticos).


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