com o grande sucesso dos dois livros que dei como presente de aniversário para paula gontijo (o atelier de giacometti, de jean genet, e octaedro, de julio cortázar), e também de um terceiro que acabou por ser um presente desta para cori (o guia dos mochileiros da galáxia, de douglas adams), o terceiro/quarto deveria então estar a mesma altura, cumprir a promessa, viver às expectativas – o que era um problema (na minha caderneta está anotado: “ela quer ganhar um livro que seja sensacional. mas não é só isso. ela quer que o livro seja também uma descoberta”).
o presente, então, como problema, exigia uma solução cuidadosa, estudada. primeiro, eu evitaria livros muito complexos, difíceis de ler e sobretudo, extensos – um presente deve ter sua leveza (mesmo que seu humor seja melancólico ou triste; na literatura existe essa possibilidade da tristeza leve, uma tristeza projetada a partir de um texto leve). segundo, deveria ser uma obra ficcional, a fim de evitar concepções mais utilitárias; simplificadamente: um presente deve pender mais para o mundo do lazer e do que o do trabalho – um presente deve ser como pequenas férias.
paula havia me emprestado uma aprendizagem ou o livro dos prazeres, de clarice linspector, comentando de como a personagem lóri era querida e por um tempo após a leitura do livro, a acompanhava, a assombrava (no bom sentido). pensei em personagens marcantes para mim, com resultados desanimadores – porque ou os personagens tendiam ao infantil (maneco caneco chapéu de funil, por luis camargo, tom bombadil, coadjuvante em senhor dos anéis 1, de j. r. r. tolkien) ou eram realmente desanimados (por exemplo, ricardo reis em o ano da morte de ricardo reis, de saramago); de fato, personagens marcantes nunca foram o meu forte, em se tratando de leituras.
mais tarde, entretanto, numa ida a livraria (qual?) para pesquisar títulos, vi uma edição que eu não conhecia d’as cosmicômicas, de italo calvino. comprei então o todas as cosmicômicas, coletânea que indicava muitas histórias da série que eu ainda não havia lido – e nem sabia da existência. foi então que me veio a lembrança da forte impressão que me causou o personagem qfwfq, quando li a primeira série de contos, por volta de 2002. a união de ciência fajuta, construção lógica, humor e absurdo, mais um personagem centralizador, me foi altamente influente, e lembro ter composto o quadro de inspirações para minha antiga banda o “mundo” entre aspas, bem como para as minhas primeiras colagens, e em especial o espetáculo hipgnik e os prigoginistas vol.3 “a ressurreição” (cujo vídeo de π foi incluído no meu dvd de vídeo-artista).
em lewis carrol, eugene ionesco e douglas adams, os personagens não se destacam do fundo; em calvino, com qfwfq, a personificação do grande mentiroso atinge um do seus pontos altos, no melhor estilo d’as aventuras do barão de münchausen, filme que eu sempre adorei, dirigido por terry guilliam, mas cujo livro dei pouca trela (eu nunca cheguei tampouco a assistir à versão alemã de 1943, supostamente encomendada por goebbels e certamente dirigida por josef von báky).
é hoje patente para mim que hipgnik como nome surgiu de uma fusão de henrique com qfwfq, embora eu não fosse de modo algum o líder do agrupamento, nem me visse como principal integrante.
então, tinha um bom candidato a presente, mas não essa edição nova. a antiga, mais sucinta, sem episódios tangenciais e contos soltos, é sem dúvida mais equilibrada. todas as cosmicômicas, ao adicionar outras e t=0 e ainda outras outras, pesa nas bordas, continua depois de já ter acabado – o livro pede esforço para ser lido de cabo a rabo. o jeito – gentilmente roubar a edição simples e antiga de meu pai, pedindo à minha mãe para mandá-la de campinas para belo horizonte.
mas seria isso mesmo? em uma visita a um sebo no maletta e em uma livraria no shopping boulevard, encontrei dois bons livros. ainda assim, não tinham o sentimento adequado (buzzi e laferrière: comento nessa outra postagem sobre eles). em são paulo, numa das poucas livrarias que ainda gosto (embora com muitas reservas – o ramo virou um empilhamento vampiresco de empresas capitalistas sem amor pelos livros que vendem), a martis fontes paulista, folheei um murakami. nunca havia lido nada dele. minha querida sputnik: parecia familiar, e entretanto nem sabia do que se tratava antes de abrir. não me desagradaram as 5 primeiras páginas, e o assunto era apropriado: relacionamentos e o impacto que acontecimentos dentro deles causam. sendo a paula uma das poucas pessoas as quais confio para falar sem reservas desses assuntos, comprei o livro. depois lembrei – minha mãe tinha aquele livro. a tristeza e sentimento de perda que resultavam dos dois acontecimentos do livro, e o modo como um condicionava o outro, ressoaram em mim com beleza e melancolia. talvez 6 meses atrás eu não pudesse entender sobre o que se tratavam. certamente seria bom saber a opinião de paula sobre isso!
e então, por e-mail e facebook, conhecidos, conhecedores do meu hábito como comprador, me indicaram uma promoção da cosac nayfi. eu estava relutante, ainda em virtude da proporção entre lidos e não lidos, indicada naquele meu artigo. com o terceiro convite, vindo de uma terceira pessoa, cliquei e surfei o sítio. nada muito animador – a coletânea do bento prado jr. não estava em promoção; o sartre disponível consistia em textos obscuros sobre literatura. na coleção de poesia já tinha comprado todos os itens que desejava. olhei começo, de nathalie quintane, a $5; seria a terceira vez que adquiria esse livreto. cliquei duas vezes. é sempre bom tê-lo para presentear (além de andrea krohn, quem sabe paula e também luiza – todas as pessoas queridas deveriam lê-lo). crise casaco. exceto como um operário numa sexta-feira. bioton é o prefeito e bioton sua mulher. cães não receberam nomes mais singulares que rex… pena que é tão pouco traduzida (e meu francês horroroso/inexistente).
seriam então três presentes? não seria isso uma variação daquele drama antigo: “afogá-la num mar de presentes”? ou então, ao contrário, aumentar ainda mais as apostas para 2016? seria melhor escolher apenas um, ou até mesmo dois? mas quais? desistiria eu de dar presentes e apresentaria apenas esse texto? (seriam então virtualmente quatro presentes?) “eu adoro textos, você escreve bem”, ela disse. quanta vaidade da minha parte! apenas um texto. esse texto, de presente – eu, o grande escritor, presenteio a ti um texto sobre a difícil arte de escolher-te um presente. que ideia!
ao final, isto é, já agora, poderei (posso) dizer: durante o processo li belos livros, lembrei de outros, até mesmo descobri dois autores – de modo que, presenteando livros ou não, saio presenteado eu mesmo. feliz aniversário, senhorita.
postado em 22 de abril de 2015, categoria crônicas : as aventuras do barão de münchausen, as cosmicômicas, clarice linspector, começo (autobiografia), cosac naify, douglas adams, edifício maletta, eugene ionesco, expectativa, haruki murakami, hipgnik e os prigoginistas, italo calvino, j. r. r. tolkien, josé saramago, josef von báky, joseph goebbels, lewis carroll, lóri, luis camargo, maneco caneco chapéu de funil, mar de presentes, martins fontes paulista, minha querida sputnik, nathalie quintane, o "mundo" entre aspas, o ano da morte de ricardo reis, o senhor dos anéis, pequenas férias, qfwfq, shopping boulevard, terry gilliam, todas as cosmicômicas, tom bombadil, uma aprendizagem ou o livro dos prazeres
um dos grandes prazeres imaginados quando da execução dos feitiches da viagem do tempo é da ordem do paradoxo lógico. espera-se que o sentimento de estar acomentendo algo paradoxal, acoplado ao fato de estar-se autoinflingindo esse paroxismo, potencialize tanto o coito com a (não-mais)-progenitora (ou o equivalente masculino, se você for mulher), quanto as bocanhadas de carne assada, bife etc, de (não-mais)-você-quando-bebê. no caso do sexo, não apenas o pensamento “estou causando um puta paradoxo lógico”, mas o esperado sentimento de se perceber justamente como o ponto focal daquele paradoxo (o que supostamente aumentaria em muito a virilidade).
contra essas especulações, no que concerne o primeiro feitiche, douglas adams escreve, em o restaurante no fim do universo (sextante, 2004, cap. 15):
“não há nenhum problema em tornar-se seu próprio pai ou mãe com que uma família de mente aberta e bem ajustada não possa lidar.também não há nenhum problema em relação a mudar o curso da história – o curso da história não muda porque todas as peças se juntam como num quebra-cabeças. todas as mudanças importantes já ocorreram antes das coisas que deveriam mudar e tudo se resolve no final.
o problema maior é simplesmente gramatical, e a principal obra a ser consultada sobre esta questão é o tratado do dr. dan streetmentioner, o manual das 1001 formações de tempos gramaticais para viajantes espaço-temporais. nesse livro você aprente, por exemplo, como descrever algo que estava prestes a acontecer com você no passado antes que o acontecimento fosse evitado quando você pulou para a frente dois dias. (…)
a maioria dos leitores chega até o futuro semicondicionalmente modificado subinvertido plagal do pretérito subjuntivo intencional antes de desistir. (…)
o guia dos mochileiros das galáxias passa levemente por cima dessas complexidades acadêmicas, parando apenas para notar que o termo ‘pretério perfeito’ foi abandonado depois que se descobriu que não era assim”.
uma teoria alternativa versa que toda vez que voltamos ao passado, criamos um universo paralelo, de tal modo que a comermo-nos-enquanto-bebês situamo-nos imediatamente em um universo em que não-nos-somos-enquanto-bebês, de tal modo que também não sentimos o paradoxo do tempo senão como a mera expectativa de senti-lo (o que, no entanto, parece ser suficiente para o feitiche).
ilya prigogine, em as leis do caos (editora unesp, 2000) defende que o tempo possui uma seta sempre para frente, ou seja, que é irreversível.
postado em 8 de novembro de 2012, categoria Uncategorized : as leis do caos, douglas adams, feitiches, ilya prigogine, lógica, o restaurante no fim do universo, paradoxos, seta do tempo, tempo, viagem no tempo