Na segunda temporada de アグレッシブ烈子 (Aggretsuko), Retsuko se apaixona, após lidar com o estagiário maníaco passivo-agressivo Anai. Tadano, aparentemente só um jovem bonitinho, mas largado e preguiçoso, um jovem que não consegue se esforçar nem para aprender a dirigir, é também, na verdade, um CEO do capitalismo hipster sustentável, que desenvolveu uma inteligência artificial revolucionária, ENI-O. E sua revolução é aquela que envolve a conjunção da automação com a inteligência – de modo que o trabalho inteligente também possa ficar a cargo de uma máquina. Um problema então surge: Tadano projeta um futuro marxista individualista de luxo, onde o tempo é liberado e as pessoas possam ter uma vida, isto é, fazerem coisas interessantes, ao investirem nos seus interesses. Trabalharem de verdade, motivadas por algo especial. Especificamente, ele espera que pessoas como Retsuko larguem seus empregos medíocres, não muito satisfatórios e nem úteis, para se dedicarem à boa vida, a investirem suas energias em coisas que possam ter algum significado pessoal para elas. Apesar da cara blaisé de Tadano e sua aura de superficialidade, a ideia não é ruim. Seu software integrado seria mais eficiente e realizaria melhor que uma equipe humana várias das tarefas a ela delegadas. Assim, muito daquele trabalho não precisaria mais ser feito. Supondo que isso não piorasse ainda mais a desigualdade de renda e oportunidades, de modo que as pessoas dispensadas pudessem ter oportunidades (leia-se, dinheiro) para fazerem outras coisas melhores, realmente. Agora, não que o trabalho empresarial no capitalismo seja estritamente necessário ou útil. Já existe todo um feudalismo empresarial a multiplicar soluções ineficientes, burocracia, relações interpessoais atravancadas, hordas de bajuladores para rodear os cargos mais altos, mediações desnecessárias etc. E tudo isso já estaria compensando a diminuição do emprego devido à automação. Então, talvez, com uma super IA numa empresa, seria uma questão de só aumentar a burocracia, a ineficiente, as disputas internas, a bajulação… Afinal, já existe todo uma sociabilidade conformada àquela rotina, a transformar a falta de sentido no trabalho e a pouca perspectiva futura em modo de vida.
E é por isso que o chefe porco chauvinista, Ton, entende que Retsuko, apesar de tudo e das opiniões de Tadano, é parte desse microcosmos do patriarcado conformista. É um momento de humanidade e emoção. Quão pequeno somos perante a falta de horizonte da civilização; falta que também nos pertence e que também ajudamos a construir. Como pessoas normais, buscamos sonhos de pessos normais. Construímos uma espécie de bolha esnobe, porque arbitrária, de sociabilidade voltada ao trabalho medíocre, sem grandes perspectivas nem significado. O contrapeso dessa forma específica é uma ideia esvaziada e formal de família, com o casamento a coroara existência, ao transformar o vazio em significado: o vazio é o significado porque a vida vazia é a forma significante.
Talvez vocês acham que eu esteja sendo demasiado duro com o meio empresarial japonês retratado e com Retsuko. Mas tenho um conhecido que trabalhou no Japão e uma vez confessou não conseguir ver a série, por sentir-se profundamente incomodado. De toda forma, Retsuko canta: acabou que me toquei e quero casar; sou uma pessoa normal daquelas trabalhadoras de empresas medíocres; o casamento é uma ilusão para sustentar uma vida chata, mas eu sou uma pessoa vazia que precisa dessa ilusão; não quero pensar no futuro, com os empregos ameaçados pelos avanços tecnológicos, a volatilidade (o nomadismo de um carro casa) e a insegurança colateral que isso provoca, ou o aumento ainda maior do trabalho inútil/burocrático/feudal de bajulação; meu hobby é o karaokê e o metal que eu canto é meu instrumento de catarse conformista.
“嘘と泥水を啜るってなあ!” . “Percebi que quero beber (sugar) mentiras e água lamacentas”: isso é ter uma vida. Não há futuro possível. Apenas esperança de casamento. E seguimos.