Eu esperava muito mais de Made in Abyss, por ter adorado seus três primeiros episódios. Faltou um sentido caótico de vida nas diferentes transições abismo abaixo. Faltou um sentido rítmico mais apurado (com episódios absurdamente parados e recapitulações longas e desnecessárias). Sobretudo, faltou uma presença mais constante do inquietante e do sinistro, em meio ao otimismo ingênuo; uma atmosfera que combinasse mais densamente o trágico opressor – “a incontornável sede pelo desconhecido”, com a falsa predestinação – “minha mãe me chamou ao fundo”. O universo certamente me cativou: o abismo e sua maldição, as camadas e suas ecologias únicas, o mapa incrível; decidir ir sabendo não ser possível voltar. Quantos sonhos não são assim?
Mas o que eu quero comentar é ainda outra coisa. Esperar o melhor de algo é quase sempre medir fracassos. O que eu queria dizer é – o que é comum em algumas animações – que o seriado evita questões éticas relacionadas a muitos tópicos que poderiam evocar polêmicas; não obstante, em um ponto ele procura uma relação ambígua, específica. “Esse tipo de preocupação não cabe nesse mundo” ou “esse não é o recorte dessa narrativa” vale para os elementos de exploração infantil, obsessão e glorificação meritocrática na série. Eles são integrados ao mundo, tratados como não-problemáticos dentro da estrutura narrativa. Entretanto o mesmo não ocorre com a sexualidade. E é interessante o modo como isso é feito.
Por tratar-se de um show envolvendo personagens criança, a nudez poderia ser encarada com naturalidade; o afeto entre personagens e até mesmo uma sexualidade incipiente, de contato corporal e exploração, poderiam ser a princípio estranhas, mas apenas por evidenciar recalques nossos quanto a possíveis projeções de lascívia e de tabus sociais fundados no mesmo tipo de movimento. E Riko constantemente nos provoca nesse sentido. Explorar o ânus de um recém achado “robô/animal”, colocando uma régua dentro dele, é apenas uma atitude irresponsável e infantil de investigação cientificista. Mas como disse, não é o mesmo que explorar crianças e fazê-las trabalhar pegando bugigangas e vomitando devido à maldição do abismo, essa “coisa normal”. Então, talvez para confortar os que assim se sentem, a série introduz um personagem principal púdico, Reg, e depois, uma personagem desastrosamente carola, Maruruk. É como afirmar que nós deveríamos nos sentir corados com Riko, essa efígie do otimismo suicida: ela já não bate bem; é natural que tenha uma postura sexualmente embaraçosa, como vocês sabem, vejam as reações de Reg e Maruruk…
O problema disso é que esse elemento aparece como uma intrusão de ambiguidade moral proposital dentro da série. E o resultado é que, com a ajuda de alguma sexualização leve aqui e ali, como modo de apoiar essa decisão, nos forçam a aceitar o pacote: o impudico que surge ao termos uma visão pudica das relações. Ademais, seria perfeitamente possível ser mais sutil nesse sentido; a ambiguidade moral é colocada de modo unívoco. O caso de Mitty poderia ser muito mais perturbador, não fosse Reg, quase a dizer “ei, humanidade-perdida que é, pare com isso porque caso contrário direi ao público que suas patas tinham intenções de uma sexualidade imprópria, eles vão fechar os olhos e imaginar tudinho como seria, que imoral”.
{メイドインアビス, série de animação em 12 episódios de 24 minutos mais um episódio duplo, 2017, nota 5/10}