Antes do arco final, em que há a resolução da história, “Hipocampo” (Kaiba) conseguiu me deprimir. Porque, ao contrastar, em um primeiro momento, um estilo de animação e condução narrativa leve e simples, com um mundo dominado pela brutalidade, conseguiu tematizar o que é chamado por aí de naturalização da desigualdade. E isso mesmo quando há um grupo revolucionário agindo: afinal, nada mais natural do que um grupo revolucionário, em um mundo podre; mas que ele seja também podre e seus quadros superiores corruptos, é inevitável. Pessoalmente, não gosto dessa expressão natural (pois não acho que ela deva ser usada associada ao significado de “imutável”e “fixo”), então sugiro chamar isso simplesmente de afirmação da desigualdade. De modo que a desigualdade é tornada um dado positivo, não porque seja boa ou desejável, mas porque é indesejável mas, fazer o que, a parte ruim a qual devemos conviver no mundo.
Estamos em busca do prazer, certo? E nessa busca, centrada em uma cegueira individualista, amplificada pela possibilidade de evitar a morte (transferindo as memórias de um corpo a outro), faz com que os habitantes “só possam ser felizes se estiverem acima uns dos outros”. As formas arredondadas, de poucos traços, não realistas, simples e de ar retrô – notadamente tezukense (Astro Boy, Phoenix), contribuem para contrastar com as tragédias que seguem, porque parecem dar um tom de inevitabilidade a estas. Um mundo mais plano, menos complexo, tem padrões mais simples também. As pessoas são guiadas por individualismo muitas vezes irresponsável. Disso resulta um mundo bastante desigual. O desejo cresce e provoca tragédias. Mas de todo modo, mesmo procurando canalizar o desejo, as tragédias continuam acontecendo.
Como aquela que resulta na morte por explosão de uma mulher que, para poder passar a viagem transando, copia sua memória no corpo de Warp, fazendo a memória desse habitar um corpo desengonçado, jogado ilegalmente no vagão de carga. Mas, oh Freud, duplicar a personalidade sempre leva a cópia a tentar matar o original. E que o método seja o orgasmo fatal une em si o desejo de poder, em sua relação com o sexo e a morte (o original como pai e mãe da cópia).
Em outro local corpos descartados são processados e viram comidas fofas, que são dadas de graça, enquanto no subterrâneo inúmeras cápsulas de memória/personalidade/volição são empilhadas como pedaços de esperança improvável, sem receptáculos possíveis.
O grandalhão Vanilla, com sua idiotia de amor, “um padrão típico de alguém rumo à corrupção”, desviando-o caoticamente de todos os seus deveres, afundando o em problemas que ele aceita como um coitado, que chora de aceitação. Por que “as lágrimas não param?”. Elas são o indício não de que há algo errado, mas de que essa tristeza que vêm à tona sempre faz parte.
{カイバ, anime, 12 episódios de 24 minutos, dir/rot por Masaaki Yuasa, 2007, nota 7/10}