O Anime do ano na minha opinião é um stop-motion de marionetes de porcelana da Tailândia; por esse motivo, é o único das supostas 40 animações que vi no período que não consta no meu myanimelist. Estaria, de fato, com nota 7, ao lado da OVA de Kekkay Sensen & Beyond (mas que meramente complementa a série, do ano passado), e logo acima do anime mais interessante do ano, mas um tanto imperfeito, Devilman Crybaby, sobre o qual escrevi, lamentando a sublimação da sexualidade demoníaca em belicosidade angelical. Não houve longas que eu tenha gostado dessa vez.
Thunderbolt Fantasy temporada 2 segue a primeira e o OVA: é uma série ostensivamente esquemática e artificiosa. De fato, tanto quanto o que lhe antecede, aqui há uma perfeita adequação entre as manias retóricas típicas do Gen Urobochi (Psycho Pass, Madoka), e o anti-naturalismo dos bonecos manipulados, bem como dos jogos de cordas e a combinação de efeitos visuais e computação gráfica. Os personagens que constantemente explicam a história e suas motivações aparentes, a condução narrativa que anuncia um arco para uma culminação com alguma reviravolta, os arquétipos próximos ao monomito e à jornada do herói, o ar de história já contada mil vezes. Tudo isso se alia à movimentação gesticulante e codificada dos marionetes, que compensa a falta de detalhes dos personagens ainda mais acentuada que aquela dos desenhos, com roupas deslumbrantes e gestos exagerados. O todo tem, portanto, um ar de um fantástico teatro de bonecos; a história, simples, é adorável em sua construção pedagógica.
Tal como na primeira temporada, há um evento que desencadeia toda a sequência; no caso, o roubo de duas espadas do papiro mágico, contendo o arsenal do herói. O Vendaval Enigmático, livre de sua função como guia do mundo espiritual, aparece somente como a raposa ardilosa, isto é, o personagem do qual esperamos um desfecho com reviravolta, a enganar sua vítima. Algo interessante acontece, entretanto. O objetivo traiçoeiro envolve colocar a vítima em tal situação que ela sinta que perdeu sua dignidade. Não se trata simplesmente de roubar aquilo que é mais valorizado, mas de fazer com que a própria vítima seja incapaz de atribuir valor ao que é alvo das maquinações do farsante. Esse jogo, contudo, prevê um sujeito orgulhoso demais de suas próprias artimanhas, incapaz de usar a oportunidade para rever seus objetivos e modo de conduta. É preciso que ele seja de tal forma apegado a este, a ponto de se desesperar.
Se o Vendaval Enigmático atinge seu objetivo declarado não é tanto o ponto, mas sim como essa relação com o valor precioso permeia a ação de vários personagens. Aquela que não está à altura, passa por provações para atingir o ponto da mudança. Justamente aquele que não o possui, o encontra de modo mais inflexível, chegando a tornar a própria força demoníaca relutante e temerosa, também por sua condição. No episódio final, como mandante, o Vendaval controla o Lâmina Sem Ponta, como se o destino o guiasse à profanação da honra alheia. O alvo da providência então, profundamente ofendido, vocifera: “Você se posta diante de mim como um marionete sem alma? Como ousas esvaziar sua alma e assim desprezar minha princesa?”
Além da espirituosa conotação meta-textual, o importante aí é que, precisamente, o herói faz-se de monge. Mas seu mergulho no fundo sem alma não está sobre o fundo do vazio. É algo temporário, amparado por companheiros, e com um objetivo pré-definido. O vazio de significado, por outro lado, é colocado como o estado no qual alguém anseia por uma captura inexorável e vertiginosa.
{Thunderbolt Fantasy 東離劍遊紀, dir. Cheng PaoPin, Wang JiaXiang; plano original: Gen Urobochi. 13 episódios de 24 minutos, 2018}