O terceiro longa de Hayao Miyazaki mostra 4 grupos interessados em chegar à Laputa, onde há um lendário castelo em uma ilha voadora, tal como na terceira viagem das Viagens de Gulliver, de Jonhatan Swift. Os interesses são, entretanto, conflitantes: aos piratas, as jóias; aos militares do estado, riqueza e promessa de poder; aos protagonistas, curiosidade e desejo de evitar o pior; ao grupo do coronel Muska, a perspectiva real de adquirir tecnologias de dominação.
Os piratas, e a incrível chefona deles, Dola – a velha durona mais cativante de todos animes que já vi -, não estão interessados em conquistas estratégicas, mas vão, de tática e tática, se ajustando e remontando suas alianças, a fim de caçar o tesouro. Pazu é um corajoso garoto aventureiro, sem medo algum de altura, e Sheeta alguém cujo destino colocou na busca do castelo, e cuja falta de objetivo junto aos meios de localiza-lo, a faz ser perseguida e alvo de manipulações. A princípio ambos o coronel e os militares estatais estão atrás de um poder estratégico, e alinhados. Mas há tensões. A resolução de Muska e sua auto-colocação como autoridade mostram a diferença entre um entendimento vago do que é a importância de chegar à Laputa e aquele bastante determinado, do vilão.
Tony Blair, o ex-primeiro ministro britânico, uma vez propôs que os valores universais deveriam suplantar a questão dos territórios e se sobrepor a soberania dos estados nacionais. Na proposição, entretanto, aparecia o que se criticava sempre, quanto ao universal moderno: uma guerra feita sob o nome dos “direitos dos humanos” ou uma “guerra humanitária” poderia ser realizada de um ponto de vista moral inabalável, na qual, uma vez determinado quem iria contra esses direitos e valores, nunca fosse necessário dialogar e negociar com o inimigo. Na verdade, como aponta Paul Virilio, em seu livro Estratégia da Decepção, não seria preciso nem dar-se ao trabalho de encontrar o inimigo. A guerra poderia ser teleguiada, usando o espaço “universal”, não-territorial, isto é, o espaço aéreo acima das terras dos oponentes, para posicionar drones e lança mísseis. A operação poderia ser comandada de maneira infantil e distanciada, como alguém a jogar um video-game, em uma demonstração de poder e dispêndio, “talvez por medo de parecer falível e isolado” (galilée, p.22). ademais, ao causar tempestades magnéticas, do alto, seria possível atingir o ecossistema atmosférico acima do alvo, em uma estranha guerra onde as perdas são predominantemente civis e estruturais, e os militares estariam protegidos, atrás de seus consoles.
É então possível pensar que o direito aéreo e de navegação espacial passe a dominar aquele terrestre das terras habitáveis. Ao contrário de Blair, Muska acredita não ter concorrentes possíveis, se vier a dominar o maquinário bélico de Laputa. Por isso, nem invocar um universal duvidoso ele precisa: a ilha voadora é um reinado, acima de todos os territórios não voadores.
Tal como no filme anterior, Nausicaa do Vale do Vento, quando falta conexão aos humanos, a chave é reaproximar-se da natureza. E assim, ao menos voltamos à mesa de negociações.
{天空の城ラピュタ, filme de animação, dir. Hayao Miyazaki, 125 min., 1986}
gostei muito do seu trabalho, estava procurando algo sobre etnografia sonoro e me deparei com vc, muito bom! abraços,lisabete.
valeu. sempre aberto a bifurcações de interesses.