a coleção particular

lendo o discurso preliminar sobre o acordo da fé com a razão de leibniz (em ensaios de teodiceia), ou então a origem do drama barroco alemão de walter benjamin, vemos desfilar diversas referências a autores e obras diversas, obscuras e datadas. de modo que muito dificilmente vamos consulta-las ou checar sua proveniência. no caso de benjamin, inclusive, o próprio autor alerta para essa peculiaridade: afora calderón, que está lá como contraponto (e é espanhol), quem conhecerá os objetos da pesquisa, aqui transformada em texto?

parece que, acertadamente, georges perec viu nisso uma grande potência. essa existência lateral, imaginada, a todo momento deslizando para a ficção, construindo a prática de ler sem conhecer efetivamente (porque apreendemos as posições, conceitos e conclusões, mas de onde partem é nebuloso). e nisso teve a astúcia de deslocar o tema para a área na qual a questão da autenticidade era dado maior valor: a pintura. (e é interessante imaginar como às vezes parece haver mais preocupação com a pintura do que com a pesquisa social, nesse sentido – penso nos inúmeros estudos forjados contra a renda básica universal, por exemplo, como os que aparecem no livrinho divertido de rutger breger, uma utopia para realistas).

autores como simon reynolds e david toop causam por vezes grande angústia na leitura porque, referenciando uma quantidade enorme de canções e acontecimentos musicais, evocam a necessidade de conhecer os objetos abordados. ao invés de borrões e passagens, obstáculos e opacidade. um outro exemplo desse tipo de escrita que bombardeia referências, em música, é dado por glenn watkins no seu pirâmides no louvre – um livro sobre o pós-modernismo na música, que de tão desconhecido entre as pessoas da minha área, me parecia apócrifo. até hoje me pergunto se a citação de stravisnky na minha dissertação, isto é “tudo o que me interessa, tudo o que eu amo, eu desejo fazê-lo meu”, que de lá veio, não é pura ficção. de todo modo, seria interessante verificar quais os modelos existentes que perec usou para ativar sua imaginação, como stravinsky, que como finnissy e peter wustmann, para elaborar seus corais, inspirou-se em gesualdo, compositor do qual watkins é de fato especialista.


postado em 22 de setembro de 2017, categoria livros : , , , , , , , , , , , , , , , ,

sr. ninguém

o que o filme mostra mas não assume é: uma vida projetada com base em relacionamentos se desdobra como uma infantilização da imaginação, em realizações insatisfatórias: mortes de todo o tipo, uma deprimida que ama um fantasma, um homem bem sucedido que vai do blasé ao ausente e finalmente ao suicida, um reencontro em que o apego ao porvir é mais forte que o encontro presente.

nesse sentido, ao contrário da ambiguidade com a qual o filme trata da aparição final de ana como o mundo mais perfeito (na figura do círculo contra a série de fibonacci), tal como sextus, nos parágrafos finais da teodiceia de leibniz, o caminho do meio, ou da recusa das decisões, possivelmente lhe trará uma existência medíocre, mas humana, de alguém.

{mr. nobody, 2009. dir. jacob van dormael, com jared leto}


postado em 9 de fevereiro de 2017, categoria resenhas : , , , , , ,