uma vez, quando dava aula de registro e criação sonora, na oi kabum! bh, disse pra turma de adolescentes irriquietos: uma das coisas mais difíceis quando vamos captar som é ficarmos em silêncio. de modo que uma das grandes qualidades de um bom profissional da área é a capacidade de ficar em silêncio. pra ouvidos moucos, propus então treinarmos. após duas tentativas fracassadas, um dos alunos, já mais experiente, disse: quando precisar, fazemos; agora, que não é pra valer, não tem porquê.
o problema dessa resposta é que ela pressupõe que basta entender algo para conseguir fazê-lo. e que a boca, entre outros elementos, responde à vontade, ficando fechada quando queremos, sem mais. e que a vontade é livre. mas claro que o que vemos por aí não corresponde a isso. é fácil usar construções do tipo “se eu quisesse fazer x, faria”, sempre que falhamos em fazer x. assim, escamoteamos a incapacidade, transformando-a em falta de vontade, ao mesmo tempo em que tornamos a vontade algo inatingível. seja por estar sempre no futuro, seja por ser completamente livre, e assim, paradoxalmente, completamente controlada, em tese, mas também indomável.
nietzsche celebremente falou da incongruencia de separarmos poder e ação. no cenário atual, todos sabem que deve-se utilizar a máscara facial cobrindo a boca e o nariz. entender tal fato não é suficiente, entretanto, para fazer com que as pessoas não usem a máscara deixando o nariz de fora, ou como adereço inútil, pendurada no pescoço. no cenário da pandemia do covid-19, isso é babaquice. mas, exceto os bolsomínios, não vejo as pessoas bradando que têm vontade de serem babacas.
postado em 28 de novembro de 2020, categoria comentários : adestramento, covid-19, friedrich nietzsche, máscara, silêncio, treino
diz kafka que odisseu só se salvara porque achava que as sereias cantavam e ele e sua tripulação não as ouvia, quando, na verdade, serias não cantam: são seres infrasônicos. pois, ao ajustar a rota em direção aos rochedos errantes, de última hora, também havia encerado os ouvidos, evitando a estratégia do mastro, que havia de falhar. as serias, então, de certo só metaforicamente entoavam doces cânticos, pois eram muito belas e evidentemente desejáveis aos marinheiros solitários, cansados da pederestia. entretanto, sua principal arma não era essa: como ficavam quietas e todos queriam ouvi-las, as embarcações aproximavam-se perigosamente, com uma quietude tensa e desejosa. a música que precedia o banquete era feita de expectativa, transbordada de escutas e só rompida pelos horripilantes gritos dos navegantes, quando da refeição das ninfas.
colocando cera ao ouvido, era a curiosidade que o ingênuo/engenhoso odisseu tapava.
postado em 5 de fevereiro de 2017, categoria histórias : escuta, franz kafka, homero, odisseu, sereias, silêncio
1. café, meditação.
2. silêncio, pensamento.
postado em 27 de julho de 2016, categoria comentários : café, meditação, nemocentrismo, nootrópicos, pensamento, silêncio
escreve arthur danto, em andy warhol, cosac naify, 2012, p.44-5:
A nova pergunta não era, “O que é arte?”, mas “Qual a diferença entre duas coisas, exatamente iguais, uma das quais é arte e a outra não?”. Nesses [45] termos, a pergunta se tornou uma questão quase religiosa. Jesus é simultaneamente humano e divino. Nós sabemos o que é ser humano – é sangrar e sofrer, como Jesus, ou os consumidores a que se dirigem os anúncios. Assim, qual a diferença entre um homem que é deus e um homem que não é? Como determinar a diferença entre eles? Que Jesus era humano é a mensagem natural da circuncisão de Cristo. É o primeiro sinal de sangue real escorrendo. Que ele é Deus é a intenção da mensagem que o halo em volta de sua cabeça anuncia – um símbolo que é lido como uma inegável marca da divindade.
com o advento da transmutação do mundo na terra dos homólogos artísticos, se cada coisa confunde-se com o seu equivalente artístico, em cada homem procuramos o jesus da segunda vinda. a trombeta de deus toca música-silêncio.
postado em 21 de novembro de 2015, categoria comentários, livros : andy warhol, arthur danto, deus, homólogos, indiscerníveis, jesus cristo, segunda vinda, silêncio, transmutação
no dia 13 de dezembro será lançado meu álbum éter 2, pela seminal records, no seguinte endereço: www.seminalrecords.bandcamp.com/album/eter2. abaixo, um dos textos do encarte.
Comecemos pela possibilidade de colocar um objeto nu (4’33”, de John Cage). Depois, de usá-lo, dizendo: é preciso escutar. E então ampliar esse ato disciplinado de atenção (0’00”). Esfumaçar as fronteiras entremundos. Ou estabelecer e habitar fronteiras: Mieko Shiomi pedindo o som mais sutil. Muito tempo depois, o grupo Wandelweiser.
Brincar com a possibilidade de indiscerníveis. Dizer: a ocorrência no tempo diferencia as partes, as músicas. Ou ainda, o toca-CDs é um relógio de quatro minutos (70’00″/17, de Jarrod Fowler). Dizer: a duração e a autoridade diferenciam as partes, as músicas: o convite de Guilherme Darisbo para coletânea DADA do selo Plataforma Records.
Querer, como Cage, silenciar um pouco a presença humana (Silent Prayer), seus sons, suas imagens. No estilo o melhor da internet, usuários postam uma, cinco ou dez horas de nada e/ou de “absolutamente” nada. Zen for Film (Nam June Paik) ampliado, planificado. Se a conexão é estável, muito pouco ruído. ‘Se seu computador dormir, acordará sem pedir a senha. Desculpe-me não estar em qualidade HD’ (SpritePix). Alguns desses vídeos usam tela branca. Mas o transparente não deveria aparecer como preto, em um vídeo para internet? Erro conceitual? – Uso expressivo do branco/fala em Hurlements en Faveur de Sade, de Guy Debord.
Seguindo Raquel Stolf (Assonâncias de Silêncios), é possível empilhar silêncios? E se pensarmos em termos de mascaramento: não estariam os sons mascarando um silêncio subjacente? Um negativo de substância, vazios e nadas permeando. Ou então: soterrados. Tal qual a noção de espaço, quando lhe tiramos todos os objetos. Que inexistência e omnipresença sejam homoefetivas não garante que suas ideias correspondentes também sejam.
postado em 11 de dezembro de 2014, categoria obras, textos : 0'00", 10 horas de nada, 13 horas de nada, 4'33", álbum, artigo, assonâncias de silêncios, boundary music, espaço, éter 2, guy debord, henrique iwao, homoefetividade, hurlements en faveur de sade, jarrod fowler, john cage, lançamento, mieko shiomi, nam june paik, raquel stolf, seminal records, show, silêncio, silent prayer, substância, vazio, wandelweiser, zen for film
obra musical/conceitual/audiovisual irmã de §6.4311 e éter, composta também em outubro de 2014. existe em versão de áudio, com uma imagem acompanhante, que pode ser baixada aqui. também existe em versão de vídeo, que pode ser vista ou baixada aqui (muito embora seja necessária uma internet muito rápida para ver no link, é mais prudente salvar como).
infelizmente o tamanho máximo para vídeos no youtube é de 720 minutos, o que fez com que, para essa plataforma, a obra tivesse de ser particionada em duas.
postado em 11 de outubro de 2014, categoria obras : 13 horas de nada, audiovisual, conceitual, obra, silêncio, vazio