em junho de 2020, o que agora é visto como parte do início da pandemia, eu escrevi uma postagem imaginando um devir otaku do mundo, pra mencionar a expressão da christine greiner.
1. 仮面ライダーの変身 (poses dos kamen riders). 2. dancinhas ridículas. 3. babymetal (turning japanese). 4. offline 自殺 (suicídio-desconexão).
como naqueles memes em que o que se espera é meramente uma projeção fantasiosa do real, eu me vi começando a cultivar um jardinzinho, aprendendo a tocar flauta 尺八, preferindo os encontros dos grupos de estudo e seminários virtuais do que os presenciais e pedindo vegetais orgânicos pra entrega.
então, para dar conta desse descompasso, fui impelido a fazer algo que o expressasse. “quando a vida não entrega, temos a arte”. e essa é a explicação da cena do pandinha dançarino no QI147. stay home and パラパラ.
1. a cidade tornara-se um labirinto global em constante expansão, enquanto nós continuávamos recolhidos. na pós-pandemia, reclusos que somos, finalmente entendíamos o valor da permanência. o apocalipse havia chegado e aceitávamos tratar-se de fim de mundo. a revelação viera da separação entre os elementos do binômio economia e saúde. Sustentabilidade enfim: maximizadores autônomos de urbanismo bricoleur nos forneciam os materiais necessários para o condicionamento paulatino rumo a circuitos de digitalização em espiral. a natureza era refeita e não precisávamos mais de sol nem pele, positivamente hikikomoris, e olhávamos para dentro. restáva-nos a infinita tarefa da construção da nova babilônia, imenso playground virtual de perpétua mobilidade daqueles que redescobriam o nomadismo verdadeiro.
2. no seu incrível conto the machine Stops (a máquina para), de 1908, e. m. forster especula uma humanidade cujos indivíduos vivem isolados em abrigos subterrâneos auto-sustentáveis, geridos por um eficiente sistema – a máquina. desdenham tanto o corpo quanto o personalismo, e sua existência toma a forma de um formigueiro cibernético, de fluxos de imagens, pra usar a expressão do vilém flusser. o problema é que não há um completo abandono da prisão de carne para uma nova liberdade. os humanos evitam contato direto, tanto visual não mediado quanto tátil, mas o fazem em uma dependência excessiva dos equipamentos que os circundam, sem entretanto fundir-se a estes. o estado de coisas, depois de um ponto ótimo, reproduz uma mecânica que degenera em atavismo, e o ressurgimento do religioso, no mecanicismo não-denominacional, é um sinal que o colapso se aproxima. a cessação de atividade finalmente dá lugar ao terror inesperado do silêncio informacional. aprender de segunda mão, tomar tudo como mediado, acaba por mostrar que sair da caverna para encontrar o sol não é tanto encontrar as ideias, mas a incorporação das mesmas em coisas. penso que seja uma forma de vida e seus problemas o que torna as articulações valiosas e vivas, em mutação contra a estagnação do puro espiritual.
coisas que sinto falta
1. café expresso
2. dançar contato improvisação
3. shows de música experimental
4. silêncio de quando os vizinhos estão fora de casa
5. a possibilidade remota e improvável de ir jogar futebol no domingo
3. “como não está trabalhando, deve estar sobrando dinheiro agora, né” (para os artistas).
4. fila na loja, única saída de casa da semana, velho é só uma gripinha seu viado te atropelando tossindo, com sorriso maroto.
5. neighborhood’s dog “summer of sam” simulator – quarentine edition. com parâmetros e tudo, raça do cachorro, idade, potência vocal, área de confinamento, distância da sua sala… para colorir sua paisagem sonora.
enquanto você fica em casa em quarentena um político da comitiva passeia um político da comitiva presidencial viaja e encontra um outro político (ou um militar) que passeia e viaja e passa no mercado vai à academia vai à padaria vai ao culto onde jesus do apocalipse agradece brasil #AquiVaiSerMaior