sacanagem quarentena

1. atende o hangout pelado, mas de máscara.

2. *** correntinha do testamento ***

3. “como não está trabalhando, deve estar sobrando dinheiro agora, né” (para os artistas).

4. fila na loja, única saída de casa da semana, velho é só uma gripinha seu viado te atropelando tossindo, com sorriso maroto.

5. neighborhood’s dog “summer of sam” simulator – quarentine edition. com parâmetros e tudo, raça do cachorro, idade, potência vocal, área de confinamento, distância da sua sala… para colorir sua paisagem sonora.


postado em 29 de abril de 2020, categoria comunismo : , , , , , , ,

resquiescat in pace, rufo

como me falta aquela empatia que me tornaria susceptível de enfrentar a morte com calamidade ou tristeza, restam me os pequenos momentos de melancolia, das situações habituais contrariadas. não que a morte em si não seja insólita. o recolhimento e a recusa à alimentação, o resultado que torna a espera e a inação distantes e incongruentes, o endurecimento do corpo, o som das varejeiras que o rondam, o seu peso tornado puramente físico, sem tônus, sem resistência a favor ou contra. tudo isso conta para como que uma suspensão da experiência na experiência. mas daí, justamente, não há propriamente sentimento, entendido como emoção sedimentada.

só que depois os pequenos acontecimentos acumulam: chegar em casa e não ter ninguém a esperar, ou então andar no corredor e não vê-lo deitado ao lado, preguiçosamente; então, não chamá-lo para que siga vagarosamente, com o excesso de prudência característico. devo segurar o olhar, retesar o dedo que estalaria, engolir o nome não proferido. a estranheza de abrir e fechar as portinholas da varanda, na falta da necessidade de demarcar e impedir. a bacia seca que nunca dará mosquitos, os pombos que não visitam a ração não comida que não mais há, e a raiva que deles eu tinha, em mim ameaçando mas tão logo dissolvendo-se ao não achar objeto. a súbita lacuna e a desistência de ler na rede, sem ele a rondar, em sua perturbação indecisa; o chão vazio, limpo, sem esperneios bizarros, interessantes; os lugares mais frescos, deixados aos tatus bola. sobretudo o silêncio noturno, a ausência de roncos, o sono desacompanhado, a escuta a procurar o ritmo ressonante e só encontrar desconfiança, a imaginar seres que preencheriam sua falta.


postado em 15 de fevereiro de 2019, categoria crônicas : , , , , ,

uma gata antes da morte

eu estava em foz do iguaçu, a ministrar uma oficina de edição de som na unila. então, soube depois. leucemia. antes, entretanto, comportamento louco: após anos sem caçar, pega 2 lagartixas e as come, na minha frente, muito magra mas ágil. esconde-se num banheiro úmido. sabendo o tamanho da bronca, dorme 3 vezes em cima das minhas malas, no quarto. urina num recipiente de plástico jogado no jardim. espera secar um pouco; deita-se em cima. faz tempo que não baba. é outra pessoa. ou vê fantasmas da juventude que não conheci. descanse em paz, mel.


postado em 5 de janeiro de 2018, categoria crônicas : , , , , ,

comprovação da falsidade da ciência

ele mata quem iria dizer se ele realmente morre quando se suicida
mas como ela iria dizer pra ele e ele mata ela e depois se mata
então os dois vivem
e comprovam que a morte é um engodo

***

(por ocasião da abertura da exposição casa para um animal, de carolina botura e pelo fato de eu estar a tomar a vacina contra a febre amarela, resolvi tomar também a antitetânica. algumas horas depois estava de cama, convalescendo. um dia depois, um pouco melhor e dopado de ibuprofeno, converso com j.-p. caron, chegando a conclusão de que o melhor a fazer quando estiver manuseando pregos enferrujados, é esburacar o meu braço e pegar tétano. cqd sqn)


postado em 7 de abril de 2017, categoria prosa / poesia : , , , , , , , , , ,

o não-amanhã

houve uma época em que antes de dormir me fazia a pergunta: e se eu não acordasse no dia seguinte? normalmente, quando não sentia grande apego à existência, quando deixar de ser e deixar de sentir ser poderiam ser equivalentes (no sono não-r.e.m., por exemplo), eu dormia bem.

david hume escreveu que a proposição “o sol não nascerá amanhã” é tão inteligível quanto a que considera que ele nascerá. mas com isso, não discursava nem sobre o sol, nem sobre a possibilidade de uma manhã na escuridão. alguns seres simplesmente somem.

ou melhor: a diferença de sumir e deixar de existir.


postado em 30 de junho de 2016, categoria comentários : , , , , ,

poema-plágio roubado de ana martins marques

como o alpinista ama o vazio das grandes alturas
trabalho dias seguidos uma morte que não entendo

{a vida submarina, de ana martins marques. belo horizonte: scriptum, 2009}

***

bônus penélope

penélope enamourou-se de espera
e torcia toda noite que ulisses não voltasse

e não como (VI), eles sentados lado a lado, ela lhe narrando a segunda odisseia.


postado em 7 de dezembro de 2015, categoria prosa / poesia : , , , , , , , , ,

plano de morte

juntar bíblias corão talmude torá etc num galpão e queimar. esperar o assassino.

corolário 1: para a montagem da exposição incrível de kate mcintoshworktable, pediam-se doações. mas não de livros religiosos. (a instalação está aberta à visitação no sesc palladium, belo horizonte, até 28 de novembro)

corolário 2: houve um episódio em que um artista texano, johs rosen, mandou diversas mensagens para o mundo, pedindo que lhe enviassem álbuns de pierre boulez para que então ele os destruísse. essa foi uma das inspirações para meu duo #9.


postado em 20 de novembro de 2015, categoria proposições : , , , , , , , , , , , , ,

suicídio e panelaço

dorothé depeauw gentilmente me contou a história do técnico do teatro que, no dia seguinte à apresentação de o brasil não chega às oitavas em belo horizonte, comentou com ela:

“ontem foi muito doido, né? a peça do panelaço. primeiro eu achei que não ia aguentar, mas fui ficando. foi me dando um sentimento de morte, como se a morte habitasse. e fiquei até o final, com vontade de morrer. eu gostei muito.”

e nesse momento ele estava ajustando a iluminação para a dança de dorothé e ela começou a ficar preocupada porque ele estava a pelo menos 6 metros do chão.

 


postado em 25 de setembro de 2015, categoria crônicas : , , , , ,

maximun jailbreak

earth a trap
storm the heavens
conquer death

maximun jailbreak

 

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a terra, uma armadilha
invada os céus
conquiste a morte

desbloqueio máximo


postado em 8 de janeiro de 2015, categoria prosa / poesia, reblog : , , , , ,

§6.4311 (2014-10)

uma proposição de guilherme darisbo (para uma coletânea dada da plataforma recs) me fez fazer uma música conceitual e pouco experiênciável. afinal, segundo Ray Brassier, a experiência é um mito (ler artigo genre is obsolete). a peça é uma proposição envolvendo um texto, incluso abaixo, um arquivo .pd (um gerador da própria peça, que precisa do software pure data para funcionar) e um arquivo .wav de curtíssima duração. pode ser baixada aqui.

Henrique Iwao – §6.4311 (Outubro de 2014)

Um arquivo wav de áudio com uma duração quase nula ou nula para produzir silêncio. Uma imagem png transparente muito pequena.

No Tractatus Logico-Philosophicus, Ludwig Wittgenstein escreve: “A morte não é um evento da vida. A morte não se vive. Se por eternidade não se entende a duração temporal infinita, mas a atemporalidade, então vive eternamente quem vive no presente. Nossa vida é sem fim, como nosso campo visual é sem limite.” (Edusp, 2001, Trad. Luiz Henrique Lopes dos Santos, p.277)

1. Seria esse parágrafo uma confrontação com a doutrina do eterno retorno, exposta no Assim Falou Zaratustra, de Nietzsche?

2. Em um sentido, o instante não pode ser parte desse presente, porque é justamente o que, apesar de infinitesimal, já passou. (contra Wittgenstein).

3. Eu poderia dar a entender que tender a zero não ajuda em nada. Mas tender a zero nesse caso é tentar eliminar a possibilidade da experiência (fenômeno), para dar lugar ao conceito.

4. A experiência do conceito pode ser então vivida, assim como a de morte (do conceito de morte).

5. Isso de modo algum resolve a crítica esboçada por Brassier (ou melhor – chutada em “Genre is obsolete”) (a alma/o eu não é uma mônada, mas também um composto, ou então, um resíduo).

6. A peça, entretanto, existe. Se há uma tentativa de autoanulação enquanto fenômeno é porque a peça é também essa tentativa (ela nem exemplifica bem o aforismo nem o comenta bem, mas caminha junto a ele).

 


postado em 9 de outubro de 2014, categoria excertos, obras : , , , , , , , , , , , ,