guêsportu: o português inverso. 1. é escrito com as palavras de trás pra frente. 2. as palavras funcionam tal como no aparato “enigma”, por substituições em pólos. 3. Aquilo que está em pólos opostos troca: mais com menos etc. 4. Aquilo que está em pólos opostos das categorias kantianas também: tempo e espaço. 5. Futuro e passado trocam de lugar.
i lingui di i: i pirtigîis lindi. 1. português substituindo todas as vogais pela vogal i. 2. acentos e ênfases são mantidos para facilitar entendimento. 3. gestualidade italiana estereotípica intervém.
[dos rascunhos, julho de 2020. agora em março de 2025, eu e carol adquirimos o qe regressem do geoges perec, um livro basicamente escrito ne lengue de e]
postado em 3 de abril de 2025, categoria proposições : georges perec, língua do i, línguas, português, qe regressem, retrógrado
lendo o discurso preliminar sobre o acordo da fé com a razão de leibniz (em ensaios de teodiceia), ou então a origem do drama barroco alemão de walter benjamin, vemos desfilar diversas referências a autores e obras diversas, obscuras e datadas. de modo que muito dificilmente vamos consulta-las ou checar sua proveniência. no caso de benjamin, inclusive, o próprio autor alerta para essa peculiaridade: afora calderón, que está lá como contraponto (e é espanhol), quem conhecerá os objetos da pesquisa, aqui transformada em texto?
parece que, acertadamente, georges perec viu nisso uma grande potência. essa existência lateral, imaginada, a todo momento deslizando para a ficção, construindo a prática de ler sem conhecer efetivamente (porque apreendemos as posições, conceitos e conclusões, mas de onde partem é nebuloso). e nisso teve a astúcia de deslocar o tema para a área na qual a questão da autenticidade era dado maior valor: a pintura. (e é interessante imaginar como às vezes parece haver mais preocupação com a pintura do que com a pesquisa social, nesse sentido – penso nos inúmeros estudos forjados contra a renda básica universal, por exemplo, como os que aparecem no livrinho divertido de rutger breger, uma utopia para realistas).
autores como simon reynolds e david toop causam por vezes grande angústia na leitura porque, referenciando uma quantidade enorme de canções e acontecimentos musicais, evocam a necessidade de conhecer os objetos abordados. ao invés de borrões e passagens, obstáculos e opacidade. um outro exemplo desse tipo de escrita que bombardeia referências, em música, é dado por glenn watkins no seu pirâmides no louvre – um livro sobre o pós-modernismo na música, que de tão desconhecido entre as pessoas da minha área, me parecia apócrifo. até hoje me pergunto se a citação de stravisnky na minha dissertação, isto é “tudo o que me interessa, tudo o que eu amo, eu desejo fazê-lo meu”, que de lá veio, não é pura ficção. de todo modo, seria interessante verificar quais os modelos existentes que perec usou para ativar sua imaginação, como stravinsky, que como finnissy e peter wustmann, para elaborar seus corais, inspirou-se em gesualdo, compositor do qual watkins é de fato especialista.
postado em 22 de setembro de 2017, categoria livros : a coleção particular, a origem do drama barroco alemão, autenticidade, carlo gesualdo, citação, david toop, georges perec, glenn watkins, gottfried wilhelm leibniz, igor stravinsky, menção, michael finnissy, peter wustmann, pyramids at the louvre, simon reynolds, teodiceia, walter benjamin
no célebre artigo de 1939, vanguarda e kitsch, clement greenberg cita um quadro de repin que, para sua consternação, anos depois, soube nunca haver pintado sequer uma cena de batalha. provincianismo em relação à rússia a parte, é mais o poder da retórica e do argumento que estão em questão na coleção particular, de georges perec, do que o falseamento ou não da autoria.
Mas, sendo as coisas como são na Rússia – e em todos os outros lugares -, o camponês logo descobre que, precisando trabalhar duramente o dia inteiro para sua sobrevivência e vivendo nas circunstâncias rudes e desconfortáveis em que vive, não dispõe de tempo livre, energia e conforto suficientes para preparar-se para a apreciação de um Picasso. Isso exige, afinal, uma considerável quantidade de “condicionamento”. A alta cultura é uma das criações humanas mais artificiais, e o camponês não encontra dentro de si nenhuma urgência “natural” que o conduza na direção de Picasso apesar das dificuldades. No fim, quando sentir vontade de olhar pinturas o camponês voltará ao kitsch, pois pode apreciá-lo sem fazer esforço.
{trad. otacílio nunes; em: arte e cultra – ensaios críticos, clement greenberg, cosac naify 2013}
postado em 1 de setembro de 2016, categoria comentários, excertos : a coleção particular, clement greenberg, georges perec, ilya repin, kitsch, pablo picaso