bataille quer delirar junto a nietzsche, rumo à morte e à dissolução do homem, seu ultrapassamento, e por isso escreve um diário confessional, em uma frança ocupada, agregando a ele um compilado inspirador e uma defesa. deleuze só tem olhos para a filosofia, então apara as pontas, seleciona e reorganiza normalizando, e de lá retira argumentos consistentes e um sistema defensável. klossowski está interessado na pessoa e na obra, detendo-se em pormenores, contradições, e vasculhando cartas, traçando os caminhos tortuosos do delírio à filosofia e de volta.
todos eles são fascinados pela última fase de nietzsche. mas nela, bataille pela loucura, deleuze pelas ideias, klossowski pelo humano. um se irmana e é imersivo, outro seleciona e é conjuntivo, o último acolhe e é disjuntivo.
postado em 28 de maio de 2020, categoria comentários, livros : delírio, filosofia, friedrich nietzsche, georges bataille, gilles deleuze, pierre klossowski
acontece em a história do olho, de georges bataille, publicado sobre o pseudônimo “lord auch”, originalmente em 1928. trata-se do capítulo posfácio, uma tentativa de segredinho sujo, isto é, de falsamente estragar o próprio livro, como quem diz: “mas veja bem, a psicanálise explica (só que não né, caros amigos, eu estou dizendo isso mas ao mesmo tempo estou mentindo, esse segredinho psicanalítico, agora revelado, dá lugar a outro, cósmico e obtuso, que eu não vou contar, releiam lá…)”. isso efetivamente impede de que seja um dos meus livros prediletos.
os comentários ao final de cada capítulo de athrocity exhibition, de j. g. ballard, se eximem desse tipo de reclamação por alguns motivos: o livro é uma série de cenas curtas, que não se desenvolvem de uma maneira imersiva, na forma de um romance, no modo “entrar na história”. antes, é pela repetição de imagens, pela combinatória insistente mas apreendida em fragmentos, a qual denota obsessão, que desenvolvemos uma relação por contágio. as pausas explicativas certamente atrapalham a fluência da leitura e o acúmulo de tempo necessário para o delirar junto. mas ao menos não permitem delirar junto e depois dizem ser tudo aquilo fruto de uma bobeira. ademais, os textos explicativos são interessantes. ao invés de dizerem sobre uma vida impressionável e chata, como é o caso do texto de bataille, apontam como uma série de preocupações se manifestam diferentemente quando sob o modo da escrita literária ou do comentário espirituoso. as motivações ficam mais claras numa segunda leitura, mas elas não tentam reduzir o próprio texto, e tampouco ao mesmo tempo salvaguardar-se da redução.
postado em 12 de novembro de 2018, categoria livros : a história do olho, explicações, final de livro, georges bataille, j. g. ballard, the atrocity exhibition
1. desde julho uns livros sobre bataille não me chegam. há uma mensagem específica no
bookdepository: “
if you are ordering from brazil…“. ah, curitiba, curitiba, lar da receita federal.
2. finalmente o brasil mostrou que não é necessário monarcas. cervejeiros e banqueiros bastam. o 1% é nosso. depois da pesquisa que dizia que trabalhadores de fábrica chinesas ganhavam em média melhor que aqui, era essa a próxima mesmo. orgulho nacional.
3. no final era hitler. sempre ele. mas ele se travestia de pura energia, aparecendo como um samurai mágico. suas estátuas canhão indianas, na forma de mulheres buda de ouro, acordaram para a individualidade. bastou um “cogito ergo sum” para que elas começassem a destruir uma às outras, pois compartilhavam o mesmo programa e assim queriam ser cada uma, individualmente, única. descartes e a destruição que resulta na manutenção da paz no universo. (ep 39 de “space adventure cobra“).
4. o fim da neutralidade da internet é um daqueles assuntos em que eu sinto que devo comentar sobre. mas comentar o que? nunca vi um único usuário ser a favor de ser sacaneado e ter menos acesso, além de sentir se na mão de uns imbecis cheios da grana.
5, assim é. um bar fecha a rua com ajuda da polícia militar vira e mexe. os motoristas nunca sabem e de qualquer forma tem de pegar os passageiros e depois dar ré. a rota é tortuosa, e às vezes erra-se a curva. há sempre resmungos. no ponto, a 3 anos o teto rachou e desde então vai se deteriorando. as pessoas olham pra cima preocupadas, se e se escondem do sol do outro lado da rua. e resmungam. quando o ônibus para fora do ponto, em uma chuva do tipo “inunda rua”, a mulher grita ao motorista pra aproximar da calçada. ele finge que não ouviu. espera ela descer, só que ela não desce, então ele vai pro próximo ponto e para igualmente na rua. ela vai ficar imensamente encharcada. é uma senhora já idosa. a opinião se divide. mas ela quer o quê também, isso não é um taxi. às vezes eu acho tudo isso ofensivo. às vezes eu intervenho, vou até o motorista, argumento com os passageiros, ligo pra bhtrans pelo ponto. felizmente, há ainda antropologia. mas é cansativo.
6. domingo em belo horizonte e eu, por indocrinação paulista, procuro em vão uma cafeteria aberta. não há. não porque eu esteja em bairros afastados. não estou. a realidade vence a vontade. não deixo de ecoar um desprezo pelo suposto nível civilizatório inferior que isso indica a alguém cujo convite “vamos nos encontrar lá no café” é um exemplo de “pura ideologia”.
postado em 9 de janeiro de 2018, categoria comentários, crônicas : 1%, adolf hitler, antropologia, belo horizonte, bhtrans, brasil, café, desigualdade, georges bataille, internet, netralidade, notícias, salário, space adventure cobra
1. um poema
barrar o devir
expiar a experiência
domar a loucura
arte contra a vida
2. são notórias as reclamações de bataille contra o (segundo) surrealismo, ou o “surrealismo estético”. não sei se ele teria previsto o quão rápido seria a apropriação ou o paralelismo publicitário nesta direção, produzindo um misto de arte e vida contra a vida. mas ele estava suficientemente consternado com um tipo de arte expressiva, a ponto de escrever:
se um homem começa a seguir um impulso violento, o fato de exprimi-lo significa que renuncia a segui-lo ao menos durante o tempo de expressão. A expressão exige que se substitua a paixão pelo signo exterior que a figura. Aquele que se exprime deve, portanto, passar da esfera ardente das paixões à esfera relativamente fria e sonolenta dos signos. Em presença da coisa exprimida, é preciso, portanto, sempre se perguntar se aquele que a exprime não prepara para si mesmo um profundo sono.
{georges bataille, a loucura de nietzsche, trad. fernando scheibe, editora cultura e barbárie, achephale vol. 5, p.9}
em relação à impostura de “um pesadelo que justifica roncos”, nada mais frouxo e distanciado da loucura, de tornar-se vítima de suas próprias leis. eis a potência da arte expressiva: normalizar.
postado em 24 de setembro de 2017, categoria aforismos, prosa / poesia : arte, expressão, georges bataille, loucura, surrealismo, vida
paulo costa foi colega e coordenador da escola na qual trabalhei (oi kabum! bh); além do suporte e apoio, era um sujeito que entendia meu humor de hora do intervalo, em especial quando se tratava do atroz e do absurdo. como sua audição não era boa e tinha gosto pela disciplina da história, além de entender da roça, éramos suficientemente diferentes para eu conseguir ficar quieto, escutando, sem interromper seus causos. dado seu apreço pelo dizer circular, indireto, e por diversas formas do subentendido, foi numa dessas ocasiões que formulei: mineiros seguem a honra das sombras. de modo que, numa comparação com o clássico de ursula le guin, a mão esquerda da escuridão, paulistas seriam orgoreynianos e mineiros karhidianos.
um dia ele me recomendou ler a parte maldita, de georges bataille:
Os seres que nós somos não estão dados de uma vez por todas: surgem propostos a um crescimento de seus recursos de energia. Na maior parte do tempo, fazem desse crescimento, para além da simples subsistência, sua finalidade e sua razão de ser. Mas, nessa subordinação ao crescimento, o ser dado perde sua autonomia, subordina-se ao que será no futuro, devido ao aumento de seus recursos. O crescimento, na verdade, deve se situar em relação ao instante em que ele se resolverá em puro dispêndio. Essa, porém, é precisamente a passagem difícil. Com efeito, a consciência a isso se opõe, no sentido de que ela busca apreender algum objeto de aquisição, alguma coisa, e não o nada do puro dispêndio. A questão é chegar ao momento em que a consciência deixará de ser consciência de alguma coisa. Em outros termos, adquirir consciência do sentido decisivo de um instante em que o crescimento (a aquisição de alguma coisa) se resolverá em dispêndio é exatamente a consciência de si, ou seja, uma consciência que não tem mais nada como objeto.
{autêntica, trad. júlio castañon guimarães, p. 166}
em seguida, lembro de ter argumentado (talvez a única pessoa na época, para mim), quando da eleição na qual dilma concorria ao segundo turno, que se ela ganhasse a instabilidade política seria o equivalente daquilo que de fato foi, tempos depois. tentei convencê-lo a se interessar pelo livro de le guin. emprestei-o e insisti que ele deveria ler, não pela ficção científica, mas pelo valor da elucidação política. devolveu-me meses depois, após pedir mais um tempo “para tentar de novo a leitura”. uma vez disse: um educador nunca desiste (o seu trabalho é nunca desistir); mas sabia que desistir era, dependendo do contexto, parte do processo.
postado em 15 de dezembro de 2016, categoria comentários : a mão esquerda da escuridão, a parte maldita, dispêndio, eleições 2014, georges bataille, kahirde, mineiros, necrológio, orgoreyn, paulo costa, shifgrethor, ursula k. le guin
sempre fui fascinado por esses três prefácios, coletados abaixo – bataille, nietzsche, wittgenstein. megalomania sem eu.
1. georges bataille – teoria das religiões, 1948 (publicado em 1973). trad. de fernando scheibe, autêntica, 2015.
Onde este livro está situado
O fundamento de um pensamento é o pensamento de um outro, o pensamento é o tijolo cimentado em um muro. É um simulacro de pensamento se, no retorno que faz sobre si mesmo, o ser que pensa vê um tijolo livre e não o preço que lhe custa essa aparência de liberdade: ele não vê os terrenos baldios e os amontoados de detritos a que uma vaidade suscetível o abandona com seu tijolo.
O trabalho do pedreiro, que compõe, é o mais necessário. Assim, os tijolos vizinhos, num livro, não devem ser menos visíveis que o novo tijolo que o livro é. O que é proposto ao leitor, de fato, não pode ser um elemento, mas o conjunto em que ele se insere: é toda a composição e o edifício humanos que não podem ser apenas amontoamento de cacos, mas consciência de si.
Em certo sentido, a composição ilimitada é o impossível. É preciso coragem e obstinação para não perder o fôlego. Tudo leva a largar a presa que é o movimento aberto e impessoal do pensamento pela sombra da opinião isolada. É claro que a opinião isolada é também o meio mais rápido de revelar aquilo que a composição é profundamente: o impossível. Mas ela só tem esse sentido profundo sob a condição de não ser consciente dele.
Essa impotência define um ápice da possibilidade ou, ao menos, a consciência da impossibilidade abre a consciência a tudo aquilo que lhe é possível refletir. Nesse lugar de ajuntamento, onde a violência impera, no limite do que escapa da coesão, aquele que reflete na coesão percebe que não há mais lugar para ele.
2. friedrich nietzsche – ecce homo, 1888 (publicado em 1908). trad, de paulo césar de souza, companhia das letras, 1995.
Prólogo: 4.
Entre minhas obras ocupa o meu Zaratustra um lugar à parte. Como ele fiz à humanidade o maior presente que até agora lhe foi feito. Esse livro, com uma voz de atravessar milênios, é não apenas o livro mais elevado que existe, autêntico livro do ar das alturas – o inteiro fato homem acha-se a uma imensa distância abaixo dele -, é também o mais profundo, o nascido da mais oculta riqueza da verdade, poço inesgotável onde balde nenhum desce sem que volte repleto de ouro e bondade. Aqui não fala nenhum “profeta”, nenhum daqueles horrendos híbridos de doença e vontade de poder chamados fundadores de religiões. É preciso antes de tudo ouvir corretamente o som que sai desta boca, este som alciônico, para não se fazer deplorável injustiça ao sentido de sua sabedoria. “As palavras mais silenciosas são as que trazem a tempestade, pensamentos que vêm com pés de pomba dirigem o mundo -”
Os figos caem das árvores, são bons e doces: e ao caírem rasga-se sua pele rubra. Um vento do norte sou para os figos maduros.
Assim, como figos vos caem esses ensinamentos, meus amigos: bebei seu sumo e sua doce polpa! É outono em torno e puro céu e tarde.
Aí não fala um fanático, aí não se “prega”, aí não se exige fé: é de uma infinita plenitude de luz e profundeza de felicidade que vêm gota por gota, palavra por palavra – uma delicada lentidão é a cadência dessas falas. Tais coisas alcançam apenas os mais seletos; ser ouvinte é aqui um privilégio sem igual; não é dado a todos ter ouvidos para Zaratustra… Com tudo isso, não será Zaratustra um sedutor? … Mas o que diz ele mesmo, ao retornar pela primeira vez à sua solidão? Precisamente o oposto do que diria em tal caso qualquer “sábio”, “santo”, “salvador do mundo” ou outro décadent… Ele não apenas fala diferente, ele é também diferente…
3. ludwig wittgenstein – tractatus logico-philosophicus, 1918 (publicado em 1921). trad. luiz henrique lopes dos santos, edusp, 2001.
Prefácio
Este livro talvez seja entendido apenas por quem já tenha alguma vez pensado por si próprio o que nele vem expresso – ou, pelo menos, algo semelhante. – Não é, pois, um manual. – Teria alcançado seu fim se desse prazer a alguém que o lesse e entendesse.
O livro trata dos problemas filosóficos e mostra – creio eu – que a formulação desses problemas repousa sobre o mau entendimento da lógica de nossa linguagem. Poder-se-ia talvez apanhar todo o sentido do livro com estas palavras: o que se pode em geral dizer, pode-se dizer claramente; e sobre aquilo de que não se pode falar, deve-se calar.
O livro pretende, pois, traçar um limite para o pensar, ou melhor – não para o pensar, mas para a expressão dos pensamentos: a fim de traçar um limite para o pensar, deveríamos poder pensar os dois lados desse limite (deveríamos, portanto, poder pensar o que não pode ser pensado).
O limite só poderá, pois, ser traçado na linguagem, e o que estiver além do limite será simplesmente um contra-senso.
O quanto meus esforços coincidem com os de outros filósofos, não quero julgar. Com efeito, o que escrevi aqui não tem, no pormenor, absolutamente nenhuma pretensão de originalidade; e também não indico fontes, porque me é indiferente que alguém mais já tenha, antes de mim, pensado o que pensei.
Desejo apenas mencionar que devo às obras grandiosas de Frege e aos trabalhos de meu amigo Bertrand Russell uma boa parte do estímulo às minhas ideias.
Se esta obra tem algum valor, ele consiste em duas coisas. Primeiramente, em que nela estão expressos pensamentos, e esse valor será maior quanto melhor expressos estiverem expressos os pensamentos. Quanto mais perto do centro a flecha atingir o alvo. – Nisso, estou ciente de ter ficado muito aquém do possível. Simplesmente porque minha capacidade é pouca para levar a tarefa a cabo. – Possam outros vir e fazer melhor.
Por outro lado, a verdade dos pensamentos aqui comunicados parece-me intocável e definitiva. Portanto, é minha opinião que, no essencial, resolvi de vez os problemas. E se não me engano quanto a isso, o valor desse trabalho consiste, em segundo lugar, em mostrar como importa pouco resolver esses problemas.
postado em 12 de dezembro de 2016, categoria excertos : ecce homo, friedrich nietzsche, georges bataille, ludwig wittgenstein, prefácios, teoria das religiões, tractatus logico-philosophicus
lovecraft: a ideia de um mal inumano e inapreensível é evidentemente mais interessante que seu estilo pomposo, esquemático e verborrágico, para falar pouco do seu tom permanentemente racista e xenófobo. sua mitologia sobrevive seus contos. (uma vez tendo lido as obras mais citadas, é muito mais interessante ler nick land falando sobre, ou usando de elementos retirados de lá)
sacher-masoch: os excessos românticos e sentimentalismo transbordante não fazem de fato juz às imagens evocadas e aos arquétipos subjacentes (par não falar no ritmo de confessionário da vênus das peles, e os jogos intermináveis de gato e rato). deleuze exagera, ou desloca, mas assim consegue mais.
sade: a escrita é insípida e nela atua moralismo de quem se acha acima (e ainda, sendo vítima!) bem como a falta de interesse em cativar de quem acha que choca muito. antes fosse tudo seco e preciso. não, há que dar aulas! sorte termos um bataille após. sade tem méritos, embora a leitura de modo algum ajude. que ele fique obnublado é melhor.
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1. penso em phyl-undhu, ou a dirty joke, e as figuras que aparecem através do dr. barker.
2. digo que tudo que há de bom no livro está na música do velvet underground, com a vantagem desta ser uma das grandes canções da história do mundo.
3. não apenas o bataille dos contos, mas o erotismo e o ideal do delírio por vias do enfadonho.
postado em 16 de agosto de 2015, categoria comentários : a drity joke, dr. barker, georges bataille, georges battaile, gilles deleuze, h. p. lovecraft, leopold von sacher-masoch, marquês de sade, nick land, o erotismo, phyl-undhu, vênus das peles
imaginando cenários de morte, encontro em um site intitulado nine million ways to die algo que me interessa:
(((•)•)((•)))
homem assassinado por mulher. relação heterossexual.
seu grande amor, ao fazer sexo, enforca-o até o quase-sufocamento. as mãos largam no momento imediatamente ante-gozo. assim que ele (gozo) vem, então, sincronicamente, ela profere o golpe fatal, impacto de punho cerrado no pomo de adão.
postado em 19 de junho de 2014, categoria prosa / poesia : a história do olho, assassinato, georges bataille, morte, nine million ways to die, occultures, tic xenotation