saudosos quitutes

1. no começo da avenida brasil, em sua primeira esquina após a praça floriano peixoto, existe a gruta, lanchonete lendária por seus pastéis. entre as 7h e as 8h e entre as 9h e as 10h, aproximadamente, eram produzidos pastéis de queijo e de carne, de sabor e leveza ainda hoje não superados. como era o melhor pastel da cidade e a gruta nunca deixou de ser uma lanchonete muito modesta, o item barato e incrível acabava em minutos. de modo que já me vi, em ocasiões, sentado a ler, tomando café queimado, esperando pela próxima sessão. depois do fatídico anúncio do abandono da função de pasteleiro pelo encarregado, há quem tivesse tentado lançar #voltapastel como uma exigência necessária, mas eram poucos. o funcionário permaneceu impávido. não admitindo fazer menos que o perfeito, atribulado pelas exigências da excelência, optou pela aposentadoria contra continuar a angustiar-se com uma arte tão efêmera e ao mesmo tempo, que ele mesmo considerava simples demais, em sua excessiva humildade.

2. recentemente a padaria ping pão santa rosa anunciou que deixara de fabricar o biscoito de fécula de mandioca em formato de ferradura. fomos eu e carol bradar indignação, alternadamente, evitando sermos identificados como um casal, e comunicando a funcionários diferentes. o ferradura, melhor biscoito já produzido em toda a belo horizonte, combinação perfeita da força da textura com a sutileza na gustação, em uma forma robusta, até mesmo um pouco bruta na sua secura, mas que por isso mesmo era toda uma experiência. disseram, nas repetidas vezes, que ele não saia, ao contrário do palito. mas os pequenos palitos, por forma e tamanho, acabam se assemelhando demais a derivações do pão de queijo, além de promoverem a insaciabilidade do que pede sempre por mais um. seríamos os únicos a perceber isso? decadência do paladar mineiro, a recusar cada vez mais categoricamente tudo que não é de fácil mastigação?

3. existe algo muito peculiar em chegar no bar do nelson, no bairro santa inês e pedir o famoso torresmo, cortado em tiras retangulares precisas e finas, em um formato não apenas surpreendente mas impensável para quem nunca teve a oportunidade de pedi-los com sucesso. creio que ainda hoje se pode ir lá, mas como matthias, que morava perto, mudou-se para berlin, perdi o costume. a questão, entretanto, é que era preciso chegar cedo. muito cedo. pois quantas vezes pudemos ouvir, na voz caracteristicamente rouca, quase esofágica do garçom, que já tinha acabado? seria preciso agendar o torresmo? se já saia um, entoávamos, que venham logo três. e noite adentro, a corrida contra o tempo. acabado o torresmo (três porções era o deleite), outros itens, não tão impressionantes mas bastante apetitosos, iam, um por um, esgotando, até que na formulação afônica do simpático atendente nada restasse. não tem mais nada, dizia. nada, isto é, pra comer. continuávamos, ao estilo da marina, na cachaça.


postado em 16 de junho de 2022, categoria crônicas : , , , , , , ,