Re:New 2008 – Relatório de Vaigem

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Árvore do rei da Dinamarca.

Danish Krone = Coroas Dinamarquesas. Café ruim = 15 Dkr, bom = 25 Dkr. Refeições (até às 17h) de 59 a 89 Dkr. Caneca de Tuborg Classic (a cerveja que se toma por lá, razoável) ou garrafinha de vinho chileno – 40 Dkr. 1 Real = 3 Coroas Dinamarquesas.

Restaurantes indianos, tailandeses, italianos, carne bovina cara, e não muito para fazer turismo nacionalista (comer um smoghbro, pão pesadíssimo, cheio de nutrientes, cortado fino e com peixe, ou enroladinhos chatos espiralados – folhados com poça de doce de limão cristalizada em cima). Há também os fast foods árabes meio botecos – chamados Schwarma.

Quando Mário disse 20km, achei que estava brincando. De 400 a 600 coroas provaram o contrário, com o taxista resmungando e finalmente, Ballerup. Pede-se para os precavidos que agendem com antecedência de um ou dois dias os taxis grandes.

Quando viajar com laptops, mas principalmente: trambolhos (instrumentos de grande porte tais quais teclados e guitarras embrulhados de formas esquisitas) – declarar seus bens. A fila pode ser extensa (no caso, 40 minutos) e é necessário o número de série dos equipamentos (ou sorte, ao embrulhar com 7 voltas de plástico bolha sua guitarra, 8 voltas de fita adesiva, pedaços de sofá antigo, medo dos encarregados da bagagem jogando batendo as malas uma contra as outras por diversão -; espera-se a troca de oficial, de um mal humorado senhor para uma senhorita gordinha sorridente). Na volta, Bernardo & Mário na alfandega.

Sair de Ballerup, andar 10 a 15 minutos, pegar trem C, direção Kobenhavn H (a cada 20 minutos), demorando 24 minutos para chegar. Uma passagem normal custa 40 Dkr, mas comprando na central 10 passagens de 4 zonas (estamos distantes, lembrem-se, “Ballerup”), sae 21.5 cada. Voltar a Ballerup, até 0h21 trem, processo inverso; depois, ônibus noturno, 81N Ballerup (81N Huslum Turv deixa você no ponto errado, o motorista te xinga em dinamarquês após você tossir alto para ver se ele estava ciente que você ainda estava no ônibus; o mesmo motorista te expulsa gritando “Huslum Turv”, você desce e passa 50 min a 4 graus de temperatura esperando o 81N Ballerup, chateado). Durante a semana de hora em hora, depois, um pouquinho melhor, e até as 3h30. Demora bons 45 minutos para chegar (o mesmo ônibus diurno, Ballerup, faz completamente outro caminho e demora 1h30 para chegar).


Cartela de bilhetes de trem, zona 4.

A escrita dinamarquesa lembra de leve o alemão. A pronuncia não. Tem pelo menos 3 E’s e três O’s, mas na verdade, 9 vogais (a, e, i, o, u, y, æ, ø, å). A fala envolve toda uma arte da omissão, com utilização da famosa oclusão glótica (smo.(g) – bro). Vesterbrogade, por exemplo, soa “>>(f)es.t(o ou e?)b(u)rôguê-l((e)’)”. Dinamarquês e Norueguês podem, sobre um ponto de vista meramente linguista, serem considerados dialetos da mesma língua.

A cidade tem prédios de 5 andares, antigos, e muitos simbolos da vitória cristã sobre a religião nórdica (dragões em espiral apontando três coroas denotam guerras e conquistas). A aparência é limpa e de luxo, e ótimo lugar para aposentados verem garotas loiras andando de bicicleta (o próximo passo seria virar professor e ficar alisando a mão das aluninhas de olhos azuis, mas na Dinamarca as pessoas são mais frias e distanciadas e talvez não permitiriam perversões masculinas senis dessa sorte, sei).

Desconfio que Copenhaguen de chocolates e bom café seja uma loja brasileira…

De acordo com a ética dinamarquesa, roubar uma bicicleta pública é o que se faz quando um incauto a estaciona em um local também público. A moeda de 1 real ou 20 coroas que está dentro dela será sua, assim que achar um ponto de acoplamento (devolvendo a bicicleta e recolhendo o seu dinheiro ou o de outrem) – mas todo descuido gera nova perda (da bicicleta ou da moeda que estava dentro de uma bicicleta). !Essas são sem dúvida as piores bicicletas da cidade, grátis (desde que se deposite uma confiança, como já mencionado); com pneus de plástico duro, sem marcha, desajeitadas – os freios, comumente na europa, são acionados quando se pedala para trás. As ciclovias são tantas quanto as vias de carro, e é um bom passeio sair pela cidade pedalando.


Vista de um café.

A divulgação do evento foi ineficiente – cartazes colados em lixeiras na cidade inteira, mas os moradores e até mesmo entusiastas de música experimental (pessoas do LAB), não estavam a par. O Monolito Re:New na praça central, no último dia do festival, por qual motivo? Se estivesse no primeiro dia, poderia fazer propagandas do festival e todos ficariam sabendo do evento. É claro, atrapalharia música pop peruana e demosntrações com pequena loira em corcel negro, 4 donzelas de vestido colorido, guerreiros nórdicos armados.


Lilian Campesato e o Monolito.

Cheguei adoecido, e fomos ao workshop de circuit bending & live coding, onde conhecemos amigos Joker & Hannes – de Colônia -, Steffen – local – & Martin – de Oslo. Eu e Bernardo nos enturmamos e a coisa correu bem (participamos do show da terça-feira tocando com eles, Supercollider com controlador Wii, teclado Casio, Golden Eye, Speak and Read e um brinquedo em forma de maçã (VTech), que se recusou a coperar no show (no ensaio fez coisas fantásticas)).
Com o Casio (Concertmade-380) deveria ser travada verdadeira batalha, apertando o botão de curto circuito, deixando o potenciômetro perto do zero (contrariamente ao que estava escrito no livro do Ghazala), e mexendo nas duas bolinhas de metal – de contato corporal. Na maioria das vezes, saiam ruídos defeituosos, secos e curtos, muito intensos, e depois o teclado parava de funcionar (precisando ser re-iniciado). Depois de muita insistência, no entanto, podia soltar ruídos filtrados, notas, ou loops completos de 6 segundos de duração, orquestrados, com ruídos, instrumentos e batidas – verdadeiras composiçõezinhas algorítmicas. Não obstante, bastava usar os botões de contato para reativar a imprevisibilidade do objeto – pequeno ser sonoro não orgânico.

Como curiosidade, para os desbravadores de novos instrumentos: Fry`all (se procurarem nas fotos, acharão o Olho Dourado).


Cassio, Speak and Read (acima, cortado), Vtech & Fry’all (abaixo).

A idéia era “Live Coding meets Raw Electronics” (Programação em Tempo Real encontra Eletrônica Crua), com 3 duplas – meu set de instrumentos passava para a mesa e para Bernardo Barros, que podia processar os sons. Começando com pequenos solos de Hannes Hoelzl & Joker Nies, depois uma dupla deles, a dupla Steffen Juul & Martin Aaserud, nós dois, depois todos juntos. Como alguns instrumentos meus eram imprevisíveis demais, tinha que operá-los com fone, e saída de minha mesa de som zerada, até que algo surgisse; no final do show, no entanto, Barros estava a passar meu som direto pelo seu computador e sem que eu notasse, de modo que terminamos tocando o demo “funny pattern”, com suas belas passagens de brass ensemble.

Artistas interessantes e amigáveis, mas pouca visitação – Laura Maes de cabelo vermelho e sininhos na entrada de Huset, “A Casa”, espaço com bar, café, outro bar, teatro, cinema alternativo, palcos, salas, e elevador (“você não quer entrar no elevador – não garantimos que ele chegue lá – coloque seus instrumentos aí, isso, agora; fechamos a porta…”); escadas para subir e descer três andares o tempo todo, cartazes góticos com guitarrista The Cure, MusikCafeen, escuro, palco a 40 cm do chão, cadeiras em volta de mesas com velinhas, 3 sofás no canto e duas pilastras tampando parte da visão. O público – o de sempre: participantes mais um ou outro curioso (e ainda aqueles que preferiam ficar no camarim fumando, conversando e pegando cervejas grátis ruins).

Só pude ver durante 6 minutos os garfos de Bosch-Simons arranhando os vidros d’A Casa, a polícia tinha proibido a instalação de funcionar (outra falha da organização do evento): O Último Esforço Rural. Bosch confidenciou viver de Azeite & Arte, na Espanha, refúgiando-se dos pântanos holandeses.


Garfos movidos a molas movidas a motores.

Martin Aaserud Breed and Weed – pude ficar manuseando, casando e procriando os sons as bolinhas (mesclando, aproximando comportamentos, variando, renovando); com leitores de código de barras na parte inferior, os objetos se comunicavam com a placa misteriosa que escondia um computador submerso. Filling Vessels, potinhos brilhantes de ressonâncias e feedbacks, variando de acordo com a sala variando de acordo com as pessoas. Quatro microfones no centro pendurados e captando potes, alguma projeção no interior do círculo e comportamentos similares, mais sempre novos, com crescendos exponenciais – Paula Matthusen, boné de nova yorkina; 4 horas para desmontar tudo e perdendo a festinha não oficial de encerramento.

Para tocar, Mário e eu soamos um tanto. Isso em si tem seu interesse – trocas de configurações de pedais, acionamento de teclas, e também: trastes, canivete, cotovelo, clipes – em um ambiente onde a arte digital costuma estar ligada a diminuição do esforço físico (eu procuraria justamente o contrário, mesmo sendo franzino – computadores fortalecendo os músculos!).

June, único técnico de som da Huset, correndo para cima e para baixo, fazendo cara de atarantado, dando risadinhas nervosas e fazendo seu melhor (após os shows, 2h da matina, levando os remanescentes escutar blues de fim de noite no Mojo’s). O sistema de monitoramente era realmente estranho, na apresentação de Verossimilhança do Espelho, com Del Nunzio, não se ouvia o que soava para o público, levando a um crescente senso de desorientação impaciente que resultou na versão mais rápida já tocada da música (20 min. – normalmente dura 26), mas sucesso de público, embora insatisfatória artisticamente (meta oficial atingida, meta pessoal deixando a desejar).


Mário Del Nunzio & Henrique Iwao tocando Verossimilhança do Espelho.

Ônibus de Copenhaga, música pop indiana. No restaurante, clipes de Bollywood, todos filmados nos Alpes Suiços (como diria T.T. Sumaré apud Carlos Takashi (meu irmão), “não são os Alpes que ficam na Suiça, é a Suiça que fica nos Alpes, minha gente!”) – o caminho da paixão… Dizem que boa parte das casas foram compradas por indianos sonhadores.

Passeando pela rua de pedestres, olhando bugigangas e pequeninos presentes, bichos de pelúcia, homens apostando dinheiro para ver onde estava a bolinha (eu fui duramente repreendido quando gravei o áudio de uma destas jogatinas – por um dos colaboradores), vendo posters; minha mochila aberta e minha necessaire desaparecida. Como limpar os dentes, proteger os lábios, cortar as unhas? – vou a única farmácia no centro inteiro e a escova de dente custa o equivalente a uns 12 reais. Acabo achando uma em conta em uma loja de perfumes (porcaria de furto – bem que dizem, sempre proteja seu gravadorzinho, seu i-phone, coisas pequenas e afanáveis).

Sobre os concertos no café musical: foram organizados como se cada grupo fosse apresentar uma peça, e embora alguns o fizeram, muitos deles estavam apresentando shows (compactos, mas durando bons 30-60 minutos). O resultado disso, mais o fato de só June estar trabalhando como técnico e a necessidade de trocas de equipamento e palco entre todas as apresentações (arte digital: trabalhos que envolvam “inovações”, tralhas tecnológicas empilhadas e arrastadas a cada 40 minutos), é que os shows foram enormes e cansativos, e sempre se esvaziavam depois da 1h da matina (começavam, quando no horário, às 22h, mas muitas vezes às 23h).

Pontos altos (afora as duas apresentações minhas já comentadas, obviamente): companheiros do MURO na segunda-feira, com o único trabalho deles, A Teia, mics de contato, fitas adesivas em um cubo de metal, luz baixa e duas figuras aracnóides de preto, tecendo linhas, processamento do som nas caixas, pausa, projeções especulares, rangidos da estrutura, torcendo-se no interior de sua estaticidade. PantoMorf, da Suécia, na quarta-feira, duo de improvisação livre eletrônica, usando dois cubos de baixo, kaosspad ligado em drumpads e teclado & outro em laptop, sons com pegada (ataque) e precisão, procurando respostas gestuais e energéticas um do outro, e melodias agudíssimas. Quinta-feira, Mário Del Nunzio & Bernardo Barros, quando tive de atuar como operador de mesa, organizando os volumes das partes pré-gravadas, guitarra, e teclado com laptop. O siri atuou ao final, e depois foi divertir-se com a senhorita Maes. No mesmo dia, Sven Hahne & Matthias Muche tocaram Homens com Motores, música eletrônica dançante glitchy mínima, com linhas cuidadosas e econômicas de trombone, pausas peroladas e ritminho de boate galeria de arte. Por fim, sexta-feira, Martin Aaserud & André Castro, sons da floresta enferrujada – eventualmente aprisionados em matrizes digitais – pausas e silêncio. Violão tocado com parafusos, bolas de gude, arco, corrente; para terminar, Damian Marhulets e seus significados deslocados, mais de meia hora de músicas pops com elementos desconstruídos, fragmentados, caçoados, parodiados. Depois: piano bar com Alessandro Pirini, do Grupo Lábun, Volare, Bessa-me Mucho, Let it Be, italianos e a boa vida – quando estávamos passeando no domingo, encontramos os dois, Alessandro & Steffano, em frente a bela biblioteca refletora das águas azuis do canal rumo à Cristiania, e Alessandro para e diz “tchau”, e pergunta se o livro de 800 páginas que Mário tem debaixo do braço é realmente a biografia de Webern, e é, realmente!


Martin Aaserud & Úrsula surfando no Omnichord.

Quando chove os dinamarqueses voltam a ficar mal-humorados. Anoitece às 21h30 e começa a amanhecer às 3h45.

Outros concertos, Graulgaard deveria ter assumido o dia Laus e dedicado um concerto a sua própria pessoa, ao invés de incluir peças em 70% das ocasiões, incluindo uma ópera em español para falsetista solo e eletrônica, com ambientação pop, e sobre terrorismo. O concerto do Ensemble Kaput atrasou 1 hora para dar-nos a conhecer o famoso humor islandês (um dos expoentes: Hugleikur Dagsson) – o claronista cancela na hora uma música e diz que vai tocar no outro dia, e quando o faz, em outro local, de um final delicado e cuidadoso, de-repente corta a nota e diz “tá bom, chega”.
No Circo Sonoro, música experimental e peripécias como contorcionismo, palhaçadas e manejo de fogo. Para o ato dos Dançarinos Bobocas com Chapéu Colorido fui um dos 6 escolhidos (como aliás disse que seria), e fiquei fazendo papelão quando resolvi bancar o cara que não entende e não faz nenhuma instrução dancinha com o chapéu – mas garanti a presença brasileira nos concertos de todos os dias do festival (!!).

Na conferências gêmeas, Síntese do Significado em Som & Síntese do Significado em Arte Digital, a idéia de que são tão parecidas que na verdade, apesar de serem a mesma conferência, são também duas indistinguíveis. Não fui nem um único dia (Mário foi, e ganhou uma maletinha supimpa).

Busratch – japoneses que não falam inglês no LAB, e me sinto um idiota, incomunicável, e ainda penso que é um show de Otomo Yoshihide mas não é, mas Aanede é legal e simpática e me oferece balas negras de alguma estranha planta de sabor amargo e salgado, um pouco enjoativo e estimulante. Katsura Mouri, magra e de macacão com botões centrais (parecia que ia consertar algo), de óculos fino e bem ereta, com duas pick-ups e mixer, vinis de puro ruído, precisão absurda, e segurando a agulha imantada com a mão e fincando cuidadosamente nos discos (o verdadeiro harsh noise japonês!!! – som alto, precisão, consistência e imagética bizarra – no outro show: desenhos animados e documentários da década de 70 sobre ovnis, com pick-ups gigantes de imagem, som e dvds).

Terra livre de Crhistiania, reduto livre, hippie, onde tomamos nosso sol de todo dia, sentados na grama, Crhistiania, lalalá, artesanato (e haxixe) – e um excelentíssimo restaurante vegetariano. Do tamanho de um pequeno bairro, sem carros, como uma colônia de férias (Barros comenta: “isso parece a Holanda no verão”) – um estabelecemento se gabando de já ter sido alvo de mais de 600 paradas policiais desde a inauguração, uma casa pró tibet, um rapaz abençoando os passantes, broches de três bolinhas amarelas sobre fundo vermelho, salve Crhistiania, terra livre, Bevar!


Mário Del Nunzio & Bernardo Barros na entrada de Crhistiania.

Fotos adicionais aqui. O Meu espaço está também atualizado, no que concerne canções. Fotos de Úrsula podem ser vistas no meu espaço do Ibrasotope, na seção de fotos de andanças. De novo, o Ministério da Cultura do Brasil apoiou a intenta, pagando as passagens de avião minha e de Mário (mas não pagando nada da de Bernardo). Isso foi feito através do edital de intercâmbio cultural.


postado em 16 de junho de 2008, categoria música
  1. Alfredo disse às 21:21 em 17 de junho de 2008:

    Gostei bastante do relato.

  2. Daniela disse às 2:00 em 20 de junho de 2008:

    Relato generoso, ligeiro e sucinto.