o humano como envolvendo regras e inconcebível sem elas

escreve sellars, em linguagem, regras e comportamento:

dizer que humanos são animais racionais é dizer que o humano não é uma criatura de hábitos, mas sim de regras. quando deus criou adão, sussurrou em seu ouvido: “em todos contextos de ação, você reconhecerá regras, ainda que apenas a regra para tatear em busca de regras de reconhecimento. quando deixar de reconhecê-las, andará sobre quatro patas”.


postado em 5 de fevereiro de 2023, categoria tradução : , ,

por vezes, homem, por vezes, lobisomem

lembro do antigo mau hábito de meu pai, a bradar já deu vou embora, em encontros sociais festivos. não que ele fosse um lobo das estepes, como o quarentão niilista do livro de herman hesse (steppenwolf). é que há algo dessa natureza que surge como possível efeito adverso de uma orientação humanista. afinal, a arte não existe contra a cultura? contra a mediocridade pequena-burguesa. quem dispensa de imediato tal noção, junto à ideia do autêntico, mergulhou cedo ou profundamente demais nas piscinas de plástico do pós-modernismo. certamente não é meu caso. se o humano é composto por uma miríade de impulsões, ainda assim, quando estas se integram na figura do lobo e sentimos já os dentes despontando, antes da tentação a me expressar, sei que é hora de ir embora.


postado em 4 de fevereiro de 2023, categoria aforismos : , , , , ,

esculpir com fogo

a tese é como a hidra. e se o prazo que se aproxima lança-se como o fogo que cauteriza a proliferação, é no embate que, decepando da forma que podemos, acabamos ao final com um oponente diferente.


postado em 30 de janeiro de 2023, categoria comentários : , ,

positividade

tal como o infame personagem, jim aprendeu a ser positivo. inicialmente, apenas pensava em voz alta, sempre proferindo o que lhe ocorria. logo aprendido o operador da negação, passou a empregá-lo frequentemente. amadurecendo, aprendeu a inibir-se. isso é o que dizem que é pensar, auditou. e assim, nenhum som ocorreu. queriam que fosse menos negativo. a solução era então clara: inibir a disposição de falar em voz alta operadores de negação, quando tais disposições ocorressem. pois o melhor sim é a ausência do não. (não).


postado em 29 de janeiro de 2023, categoria histórias : , , ,

música e palavra #1

existe algo de verdadeiramente desconcertante no fato de que, em geral, tudo fica mais arrastado em óperas e não apenas somente mais lento. concentrando-nos nas frases e deixando de lado a ação, depois de ver como la bohème de puccini, a excessão da primeira cena, acaba por assassinar o espírito leve e sagaz da obra original de murger (scènes de la vie bohème), perguntamo-nos, por contraposição, se não seria o caso da música possibilitar uma maior velocidade na transmissão de informações. há algo disso em alguns raps, mas é notório que os refrões cantados desaceleram tudo, investem em sentimento. e para ser justo com puccini, ele tenta compensar o ritmo retesado com incursões polifônicas onde dois diálogos ocorrem ao mesmo tempo.

(lembro vagamente de alguma cena de ópera de mozart onde há quatro linhas de texto simultâneas, que garantiriam sua inteligibilidade por ser música. mas ser inteligível como contraponto musical, entre quatro linhas melódicas, não é ainda transmitir a informação dos textos)


postado em 27 de janeiro de 2023, categoria comentários : , , , , ,

há coisas que são muito difíceis

como por exemplo, saber qual o recheio do salgado. de fato, é preciso primeiro não saber para poder cutucá-lo com a espátula. observá-lo com desdém, como se este não respondesse por capricho. e só então virar preguiçosamente e perguntar a outrem, com a boca quase fechada, como quem sente-se obrigado a perder tempo.

como por exemplo, fotocopiar um livro. pois o livro em questão é um livro mesmo, isto é, um objeto físico, com páginas físicas, páginas que são efetivamente folhas. e fotocopiar não é simplesmente imprimir. e é quase impensável que se tenha de fotocopiar e também procurar preservar o livro. não que se pense assim, de modo teórico, mas afinal, não se pode depois baixar um pdf desse livro e pronto? se não for para dobrar apertadinho um lado contra o outro, então não vou nem tentar. e a dona da papelaria olha compreensivamente pra jovem e diz, deixa que eu faço.


postado em 19 de dezembro de 2022, categoria crônicas : , , , ,

crédulos

é claro que existem maus-universais. a obra de fanon, por exemplo, mostra como eles podem possuir força. mas há também os crédulos que, descobrindo o mau-universal, desencantam-se, agora tomando universalmente os universais como maus. nisso, continuam idênticos, em espírito.


postado em 17 de dezembro de 2022, categoria aforismos : , ,

teste da copa

a copa do mundo testa a hipótese de que cancelamento é uma questão de pequenos poderes.


postado em 1 de dezembro de 2022, categoria comentários : , , , , , , ,

the neonazi turn

1.
é cristão mas vota em bolsonaro
e agora cristãos não podem ser neonazistas?

2.
meu jesus é o da espada
o meu não comunga com o diabo

3.
em defesa da família
(de deus e da pátria)
e o trabalho liberta

4.
muito evangélico
22% evangélico

5.
em 2006 o pl
se fundiu com o prona

de lá, já vem a conjunção
bandeira nacional e beethoven

“quando vejo a bandeira do brasil
já penso em beethoven”
e “quando escuto beethoven
já ouço pés marchando”

(não, mas não importa)

6.
paulo koglos fazendo
cosplay de enéias carneiro

7.
quanto mais vazia a fé
mais fundamental a crença

8.
garoto armado entra e mata
um custo baixo
comparando
não há mais arte lésbica

(para cada isento ofendido
uma academia de tiro?)

9.
e assim caminha
a jesuscracia


postado em 10 de novembro de 2022, categoria prosa / poesia : , , ,

notícias setembro 2022

1. o motorista do uber disse que no brasil a instituição que funciona é as forças armadas. o porquê? são disciplinados. não ocorreu a ele que disciplina deve servir a propósitos, que a disciplina não é exatamente um valor em si…

2. pós-pandemia é como todo pós. quando há algo realmente posterior, o que veio antes some e não usamos mais prefixos. a carol bem disse, não há vergonha alguma em usar seletivamente e talvez até incongruentemente máscara. sou daqueles contra relaxar de verdade. mas há as forças do social, em combate.

3. talvez a conjunção da volta aos poucos com as eleições dê essa impressão meio surreal de um hiper-brasil, ou uma hiper-belo horizonte, brasil brandão (do loyola, não verás país nenhum e tal). imersos no brasil profundo, das figuras, dos personagens. descobrir-se personagem do brasil profundo.

4. thomas pynchon é isso mesmo, o inventor do hipsterismo? em dúvida se acho bom o crying of lot 49. não que obras hipsters sejam necessariamente ruins. adoro tatami galaxy e o filme da garota que sai para beber (mas daí, a narrativa estaria arraigada numa vivência mais universal – de estudante sem grana, e não num existencialismo champagne, “mas não tão caro”). acho que me divertiria se fosse um filme (não sei se virou filme; certamente viraria um bom filme. por falta de cultura cinematográfica, arrisco – do wes anderson, ou algo como o grande lebowski). o livro foi convoluto e pernóstico.

5. ter de lidar com a cemig é estar no pior que o brasil brandão pode oferecer. lembra aqueles filmes pós-stalinistas de “comédia” em que o personagem principal, de abuso em abuso, de esculacho em esculacho, vai ficando atônito ao ir aceitando sua impotência. acho que estou lembrando de um filme específico… de toda forma, você espera horas pelo serviço (literalmente, horas), chegam três rapazes da empreiteira, um tomando café, outro de óculos escuros, todos sem um pingo de consideração, todos surrealmente tranquilos, dizendo estarem muito atarefados e sem os equipamentos (lembra também o brazil com z – estou hoje cinematográfico, ao que parece). mas vão pegar, voltam, um abre com pé de cabra a tampa, outro puxa, o outro fica o tempo todo só olhando. um puxa o cabo, o outro prende, o outro olha. falam rápido, jogam as coisas e não testam nada, tentando ir embora antes que eu possa reclamar.

6. o praça 6 é um evento muito legal (vide #7 e #8), do ponto de vista do show. mas a gente vai sentindo o peso da municipalidade e instituições, que fazem de tudo para dificultar. a função deles, função pós-ditadura, aliás, é bloquear a boa vida (a vida interessante), já que não mais se censura como antigamente. e isso é algo supra-partidário, imbuído em “como as coisas funcionam”. surra de “realismo”. 

7. terminei de editar barriga de largar (largar de barriga da mc carol, em ordem alfabética e depois em ordem alfabética inversa). confesso que tive muitas dificuldades. o motivo é que me parece impossível ouvir “largar” sem ouvir entre um largar e outro um “de” (barriga), assim como “vai” cognitivamente implica “rolar” (uma pentada). tentando lidar com isso, horas passaram. irritado, escrevi isso, eximindo-me dos erros.

8. quando bandas da adolescência resolvem lançar músicas novas quando você está na meia idade há uma curiosa conjunção entre reconhecimento e descoberta, e o sentimento é da nostalgia do que não foi. mas diferentemente de uma estética pop do nostálgico, em que é como se imaginássemos adolescentes vivendo paixões ou melancolicamente sentados em alguma calçada, aqui o nostálgico do não vivido é pessoal, aqui o não ser vivido encontra se.


postado em 30 de setembro de 2022, categoria crônicas : , , , , , , , , ,