terceira dose

na segunda descubro que a vacinação avança em belo horizonte. 57, 58, 38, 27 e 28 anos podem ir se vacinar. três gerações quiçá? o que aconteceu com o 47, queria saber.

chego no posto são geraldo, vou a pé, na chuva. tudo é muito tranquilo e fácil. à noite entretanto, pouco antes do encontro virtual com paulo para jogar papo fora, 話をかける, a dor no braço faz-se nítida. logo intensifica e na hora de dormir está intensa a ponto de forçar insônia. a febre bate e dura um dia inteiro. a dor intensa no braço, três.

comento com paulo no segundo dia de pfizer e ele diz que há um lado bom: está funcionando. comento com carol e lembro que havia tirado onda das suas queixas quando da primeira dose. digo: talvez seja reflexão kármica, minhas primeiras doses foram coronavac.

vou à farmácia e o farmacêutico confirma: é isso mesmo, acontece. tenho dipirona vencida (jogo fora), pomada analgésica (passo duas vezes ao dia) e compro salompas (minhas costas sempre travam nessas situações). na hora de explicar, entretanto, solto um: tomei uma vacina da pfeifer.

agora, notem, pfeifer, referente à sílvia pfeifer, grafa-se assim mesmo. michelle pfeiffer, entretanto, tem na grafia um efe a mais. na praia de copacabana mítica cyberpunk de fawcett (de santa clara poltergeist) é a primeira que tem seu rosto projetado em telões de 300 metros, a fim de acalmar o populacho.


postado em 14 de janeiro de 2022, categoria crônicas : , ,

masque-z vous

na novela suprema da paranóia, os três estigmas de palmer eldritch, superando até mesmo o homem duplo, do mesmo philip k. dick, a droga chew-z alcança os pícaros da bad trip total ao lançar certos usuários em um espaço-tempo refeito e labiríntico cujas imagens retidas então populam a existência sóbria como efeitos colaterais, tornando igualmente labiríntica a determinação do que é real. afinal, estamos ou não ainda mergulhados no mundo alucinatório proporcionado pela mastigação da substância?

mas se palmer eldritch e sua aparência grotesca, mais os mostruosos glucks, não comparecessem. e se, ao invés de remeter a bifurcações de nossa vida, quando já tomamos uma decisão mas talvez tomássemos a outra, uma outra droga nos transportasse para uma realidade exatamente idêntica à nossa, mas ilusória? e fosse progressivamente difícil distinguir então se algo aconteceu aqui ou ali, da mesma forma que determinar qual das duas é de fato àquela em que há consequências materiais, se é que são apenas duas realidades e se é que existam consequências materiais, ou se essa materialidade não é ideal, efetiva nos n-mundos que são o labirinto do mesmo mundo vivido fenomenológico. fiquei imaginando que esse jogo de indiscerníveis e a confusão resultante nesse cubismo deveria ser contada em primeira pessoa, em um processo gradual de dissolução da confiança na consistência de um real que, entretanto, recusa a sair do banal.


postado em 10 de dezembro de 2021, categoria comentários : , , , ,

torrada

O quanto essa indagação [“seria possível algo ser tanto uma obra de arte quanto um objeto não-artístico?”] não se assemelha àquela em que é perguntado se possível ter e comer o bolo? Imaginemos que temos um bolo, uma fatia de bolo, para simplificar, ou melhor, uma torrada, que comeríamos junto ao café produzido tanto para que se tenha um bom café como para que seu filtro de papel, usado, seja apropriado e utilizado para a criação de uma obra de arte visual. Após você consumir a torrada, não haverá mais a torrada. Não havendo mais torrada, você não mais a possuirá. Assim, possuir (ter) e consumir (comer) são excludentes. Se a relação entre obra de arte e contraparte material for definida de modo similarmente excludente, então ser uma coisa implica não ser a outra. A ideia de objetos não-artísticos já indicava isso. Só que eu sou um sujeito um tanto insistente, com uma boa dose de teimosia, e quero explorar esses meandros até extrair daí pensamentos imprevistos. Lembro do clássico Alice Através do Espelho, em que a raínha branca declara que a regra para a geléia é que se tenha ontem e amanhã mas não hoje1. Assim como a geléia da raínha branca, a torrada pode ser retida. Reter a torrada é comê-la, mas apenas amanhã, nunca hoje. A comida mantém sua função, mas a ação que a consolida é postergada indefinidamente. A intenção prévia não se converte em intenção em ação.

Assim elaborado, esse caminho parece introduzir mais confusão do que direção. Reter um objeto como não-artístico seria tratá-lo sob a promessa do artístico mas não usá-lo como objeto cotidiano. Não apenas é estranha a diferenciação entre promessa e efetização quanto a tomar algo como artístico (o que seria isso?), como é estranho que um objeto cotidiano não seja usado quando poderia. Se alguém perguntar porque a torrada, já mofada, não foi jogada fora, seria um tanto estranho dizer “porque vou comê-la amanhã”2. Não faz muito sentido fazer e não comê-la. A não ser que a torrada seja guardada em condições muito específicas, em um ambiente controlado onde ela se mantenha constantemente comestível. Talvez o dono da torrada pense: “algum dia comerei a torrada”. Mas nesse caso a torrada é parte de uma situação inteira, sendo apenas um dos componentes de uma performance que não tem nada de habitual e cotidiana.

[1 “The rule is, jam to-morrow and jam yesterday – but never jam to-day.” (Carroll, 1994, p. 78). A frase responde a um trocadilho possível entre inglês e latim, o que não vem ao caso.]

[2 Exceto que Carolina Deptulski, quando criança, ao receber um conjunto de chocolates coloridos, resolveu guardá-los para os comer em uma ocasião especial. Como ela tinha os chocolates como muito especiais, a ocasião especial à altura acabou não chegando nunca. Quando desistiu de esperar os chocolates já estavam a muito mofados e curiosamente tinham perdido suas cores, todos aparentando um cinza nada convidativo.]


postado em 6 de dezembro de 2021, categoria aforismos : , , , , ,

estou sentado em uma sala

como muitos outros, fiquei completamente fascinado quando escutei i am sitting in a room, tanto pela sonoridade, desenvolvida aos poucos, em processo lento, quanto pelo que estava ali envolvido (uma maneira muito poética de trabalhar musicalmente a ideia de que uma sala tem uma acústica específica). tanto que, quando dava aulas de arte sonora, mas até mesmo de criação e registro sonoro, sempre mostrava aos alunos da oi kabum! essa peça. e em seguida experimentávamos o processo: gravar uma fala ou alguns sons em uma sala. tocar essa gravação na mesma sala e gravá-la de novo. e novamente e assim por diante. presenciar o mistério da filtragem e reforço sucessivo de certas frequências até que a sala parecesse usar nosso estímulo inicial para expressar suas preferências, seu ser sonoro.

esses dias estava pensando sobre como essa música pode de fato ser dita canônica, dentro do âmbito da música experimental. por ser desconhecido no mundo afora, não fui convidado para a comemoração de 90 anos de alvin lucier, em que 90 artistas diferentes executavam a obra em diferentes espaços e condições. mas já tinha construído uma versão, em 2016, pensando em homenagear esse incansável explorador sonoro, falecido hoje (01 de dezembro de 2021).

a ideia era que, dada a força de i am sitting in a room, ligada às versões executadas pelo próprio lucier, haveria em toda sala, agora ligada à sua acústica, um potencial-lucier: o conjunto de frequências articuladas a partir do processo reiterativo de lucier como aspecto virtual para qualquer sala. e de certo modo, isso significava para mim que se filtrássemos a expressão de cada sala, sucessivamente e gradativamente, de toda sua força expressiva, o que sobraria ao final seria a voz do bom velhote.


postado em 1 de dezembro de 2021, categoria comentários, música : , , ,

ética: uma resenha

espinafre (eu chamo o spinoza assim, perdão aos fãs) tem uma definição curiosa de alegria (o que engorda) e tristeza (o que mata), isto é, o que aumenta a potência de agir e o que diminui. com isso e com seu malabarismo pós-descartes, temos um livro que radicaliza a ideia de método geométrico até que algo que preze pela clareza e distinção se transforme em um labirinto o qual perdemos a chave. LOGO, é algo para lermos perdidos, imersos em ideias confusas, como alguém que padece de uma paixão para, com a ajuda das mentes que eternizaram seu deciframento etc CQD.


postado em 1 de setembro de 2021, categoria resenhas :

a b c o

A fez C por causa de B.
B fez C por causa de A.
A e A não eram o mesmo.
B e B não eram o mesmo.
A e A eram homônimos.
B e B eram homônimos.
A e B estranharam.
faziam C por motivos diferentes.
A e B, respectivamente.
perguntaram a C o que C achava.
sobre C, é claro.
C e C não eram o mesmo.
C e C eram homônimos.
C disse: A e B fizeram por O.
na verdade, A e B eram O.
A e B, estupefatos, exclamaram: Ooo.
(ø)


postado em 27 de agosto de 2021, categoria prosa / poesia : , , , , ,

daqui a uns meses

em junho de 2020, o que agora é visto como parte do início da pandemia, eu escrevi uma postagem imaginando um devir otaku do mundo, pra mencionar a expressão da christine greiner.

1. 仮面ライダーの変身 (poses dos kamen riders).
2. dancinhas ridículas.
3. babymetal (turning japanese).
4. offline 自殺 (suicídio-desconexão).

como naqueles memes em que o que se espera é meramente uma projeção fantasiosa do real, eu me vi começando a cultivar um jardinzinho, aprendendo a tocar flauta 尺八, preferindo os encontros dos grupos de estudo e seminários virtuais do que os presenciais e pedindo vegetais orgânicos pra entrega.

então, para dar conta desse descompasso, fui impelido a fazer algo que o expressasse. “quando a vida não entrega, temos a arte”. e essa é a explicação da cena do pandinha dançarino no QI147. stay home and パラパラ.


postado em 16 de agosto de 2021, categoria crônicas, dança : , , , ,

górgias na filosofia da arte

ficamos de marcar, camila proto e eu, uma conversa sobre filosofia e arte, dado que ela também está fazendo pesquisa em filosofia da arte. andei ouvindo audio-livros dos diálogos de platão e agora, ao frequentar os podcasts do história da filosofia sem nenhum buraco (history of philosophy without any gaps), uma das coisas que estou curioso pra saber o que outros acham é o seguinte: o sócrates platônico em mais de uma ocasião fala sobre os problemas da retórica. eventualmente, ele lança o argumento: mas não sabe um médico mais de medicina do que um palestrante sagaz? não deveríamos ouvir falar, sobre nossos hábitos alimentares, o nutricionista ao invés do padeiro, a oferecer-nos deliciosas guloseimas?

às vezes tenho impressão que a filosofia cumpre um papel similar nos discursos de artistas àquele criticado por platão no que toca a retórica. no górgias, sócrates faz o grande sofista dizer que além-retórica, seria também capaz de ensinar a seus estudantes a virtude, o que o górgias histórico provavelmente nunca diria. ao invés de ferramenta, bem ou mal usada, essa deslizada torna possível uma crítica mais veemente à sofística, que então cairia em contradição. numa fala sobre música, quando a filosofia intervêm para dar valor e elevar ao bem o conteúdo, faço questão de garantir uma boa salada na hora do almoço. (mas é estranho: é como se o próprio nutricionista fizesse uma eulogia ao croissant.)


postado em 8 de agosto de 2021, categoria aforismos : , , , , , , ,

a vida secreta das plantas

uns dias atrás gravei um pequeno vídeo filmando algumas plantas que comecei a cultivar aqui em casa durante a quarentena. na cartela de apresentação, exibo o título: “plantas crescendo”. a ideia é que matthias koole improvise musicalmente enquanto assiste um pedacinho desse processo, na verdade invisível. a gravação foi feita para a temporada 13 das quartas de improviso.

antes disso a carolina botura estava me falando sobre a conexão de seu novo trabalho artístico com as plantas (mais sobre isso em breve) e eu fiquei matutando o que eu acho sobre as elas. e cheguei à conclusão que o que me fascina tem a ver com a temporalidade, que na minha relação com as plantas o que presencio é seu lento crescimento. este é invisível, embora existam, na rotina, indícios aqui e ali; o processo é suficientemente lento para que minha memória não retenha os diferentes estados e eu não consiga apreender as diferenças entre um estado e outro. até que… ocorra uma micro-ruptura. e de-repente há uma mudança dentro de um “nada acontece”.

com as flores há uma condensação de energia e também de tempo: as coisas se ajustam mais à escala do cotidiano humano, mas em meio à um regime de atenção que dispenso às plantas, uma estrutura do “já passou” e do efêmero se estabelece. a flor mal floresce já fenece, a flor que estaria conectada a essa estética do crescimento mínimo e contínuo.


postado em 19 de julho de 2021, categoria comentários : , , ,

duas luas

é sabido que o valor de uma coisa não é a coisa. que o valor de uma coisa é imaterial. e que uma arte imaterial chega, assim como os avanços financeiros mais derivativos, próximo a essa essência, onde o valor se converte em quantidade=dinheiro, evitando ao máximo a incorporação ou corporificação em algo. seja uma escultura imaterial (mas que deve possuir um contrato) ou uma expectativa de venda bem sucedida de galões de gasolina (mas que deve possuir um contrato), sentimo-nos próximos da abstração máxima e como no ditado, muitas vezes olhamos pro dedo ao invés de olhar para a lua.

mas há quem diga que, se o dedo é bem determinado, isto é, o absurdo de um artista fazer uma obra imaterial que custa milhões (ou apenas algumas centenas), ou um negociador gastar mais em garantias de negócios do que em negócios (movimentando no total mais que os negócios propriamente ditos), a lua nos evade. talvez não. se há contratos há ainda um lastro material, mas mesmo que não houvesse, a base que fornece a possibilidade de valorar ainda é a confiança. que ela se desincorpore também na arte, ao aproximar do abstrato, do imaterial, mergulha o artístico na pura realidade. expulsa de seu mundo imaginário, isto é, preso ao sensível, a arte torna-se parte do mundo, nosso mundo composto por coisas absolutamente imateriais como leis, dinheiro, acordos, significados. obviamente que a confiança deve estar vinculada a formas de vida, bastante materiais. mas há um movimento de fuga, o momento do realismo (capitalista).

(eu ainda acreditaria que o absurdo de tudo isso é a ideia de que concentrar renda é aceitável)


postado em 3 de junho de 2021, categoria comentários : , ,