O FEIA continua lindo

henrique iwao & lucas araújo - feia xi, show

Tenho participado de muitos FEIAs – Festival do Instituto de Artes da Universidade Estadual de Campinas – Unicamp. Desde 2002, um ano após ingressar no curso de música da universidade em questão (curso o qual frequentei até 2006), sempre que há um FEIA, estou lá (2007 e 2009 são as excessões) – fazendo ou ministrando cursos, tocando, reclamando, ouvindo e vendo coisas; já até mesmo ajudei na organização! (enquanto membro do centro acadêmico).

Não a toa, em postagem recente, Alexandre Porres, ao saber da apresentação que eu e Lucas Araújo iríamos fazer no FEIA XI, nos chamou de “os dinossauros do FEIA”, ao que Araújo respondeu que se auto-proclamara o “Rubinho Barriquelo” do evento (cabendo aos leitores interpretarem o significado disso). Para não frustrar a todos com uma interminável sucessão de nomes de grupos e datas, vou ao assunto do dia (esse tal de décimo primeiro festival), e deixo para o final da postagem a lista de participações minhas.

henrique iwao & lucas araújo - feia xi, público

Pois bem, ir a uma apresentação de dança do festival é saber que vai atrasar, que alguma das atrações vai ser cancelada, e que talvez as condições não sejam as mais amigáveis de todas, mas dessa vez houve um adicional desagradável! Eu pedi a um rapaz para que ele abaixasse a câmera dele – coisa normal, de gente chata como eu, que quer ver a dança; que acha importante ver, presenciar, em contraposição a ver com uma luz chata no canto do olho, pensando que aquela luz virará um vídeo. O rapaz pois-se a contorcer, filmando de um jeito estranho pra não me prejudicar, sem iluminação adequada e com um equipamento barato e de qualidade baixa. Ao final da apresentação fez pose de bandido, virou-se, indagou por mim, rangeu os dentes e me ameaçou de morte, a sério (não vou reproduzir aqui a conversa lamentável: basicamente o argumento era que ele estava documentando uma importante apresentação de dança indiana, enquanto eu estava sendo egoísta, e que por ser egoísta, merecia morrer, ainda mais se tratando dele, que conhecia fulano e que tinha armas).

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Bicicleta presa no barracão da DACO, não abre a correia, volto a pé para casa, tenho de comer e me preparar para o show com Araújo, meu irmão está com um pouco febril, mas concorda em ir pegar a bicicleta, eu de carro, tenho de levar os equipamentos. Tentamos a chave, forçamos, tentamos de nove e quebramos a chave dentro da correia, a bicicleta ainda presa e agora chuva e mais chuva (e meu irmão meio gripado). Lembro de Juliana França, gritando “(assim que descobrir o nome coloco aqui), você me salvou mais uma vez”, vou até a sala dele, que desparafusa um serrotinho, troca a serra, garante que está bom, com essa vai ser moleza, com o canivete não dá mesmo – então eu e Carlos serramos o aço da correia.

De guarda-chuva em bicicleta, meu irmão Carlos, guarda-chuva grande, verde, vai passear. Na hora do show, quando queria guardar a bicicleta na Casa do Lago, não pôde – o funcionário preguiçoso não permitiu. Eu disse: “mas agora isso então não é uma bicicleta, é um instrumento, parte do meu instrumentário, vou usá-lo na performance”. Assim, com essa operação Duchampiana típica, a bicicleta pôde ficar resguardada da chuva e protegida de roubo, porque se fosse uma mera bicicleta, e não um objeto artístico em potencial, teria de tomar chuva e arriscar ser roubada, pobre bicicleta sem correia.

Como era esperado, não haviam olhado o mapa de palco, nem prestado muita atenção na lista de equipamentos necessários (todo o ano eu pergunto: “então pra quê, gente, se no final ninguém olha e vira aquele clima do faz com o que tiver” (eu tenho outra teoria, eles pedem para que na hora de reclamar, o artista possa se sentir justificado, dizendo “eu mandei todas as informações, o erro é de vocês, da organização”). Mas dessa vez, não havia ninguém da organização do festival, terceirizaram o serviço, estava lá o conhecido Helder Samara e um ajudante, garantindo que o som fosse montado corretamente, com boa qualidade, com justificáveis 15 minutos de atraso para o início da performance.

O que me espantou foi o que aconteceu 10 minutos antes do horário previsto para o show, quando dois rapazotes, de camisetas amarelas FEIA XI, com cara de que haviam acabado de acordar, tendo dormido em rede, apareceram. “Está tudo certo? quer que a gente divulgue o show, cole um cartaz por aí?” – Está. Não, obrigado. (Eu pensara algo assim: “1. Se não estivesse certo, que raios que vocês iam fazer para acertar; 2. Se você não divulgou nada até agora, porque se dá o trabalho de aparecer aqui com essa proposta ridícula, 10 minutos antes do horário previsto pro show! voltem a dormir que ganham mais, ou ao menos assistam ao show!” – Mas não, não ficaram para ver/ouvir, não estavam nem aí, se recusaram a dar camiseta do festival para mim, disseram que era difícil.)

henrique iwao & lucas araújo no feia 11

Em 2006 marcamos uma apresentação, que calhou de ser na Sala Paes Nunes. Houve uma confusão entre quem ocupava o quê, e ninguém apareceu, tocamos 3 minutos só para fazer algo antes de almoçar. Em 2008, o aluno responsável pela apresentação (com Pan&Tone, de Porto Alegre) estava preocupado com o aparelho de som (melhor não tocar do que soltar esses sons perigosos nesse som), e deixou baixo, as pessoas ficavam conversando, a garota da organização viu, mas ao invés de qualquer outra coisa, ficou dizendo: “nós temos certificados, vamos dar para vocês, certo?” (nunca recebi).

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Por essas e outras experiências, me parece que um fenômeno vem ocorrendo em relação ao FEIA. Nos anos iniciais, o festival era uma conquista estudantil, que procurava mobilizar os alunos de arte para que eles fizessem arte, mostrassem seus trabalhos uns aos outros, fruissem arte; era uma luta difícil, uma busca por criar um ambiente de trocas de conhecimento ao redor do fazer artístico. Por isso os cursos, a preocupação de gerar algum diálogo com locais fora da universidade, e a vontade de abarcar a tudo e a todos (apesar das diversas controvérsias, contradições e mini-sectarismos, essa era a base de pensamento do festival, creio eu).

Assim, o FEIA, nessa clima de busca e embate, sempre acontecia de modo precário, com uma grade de eventos desproporcional ao que os próprios organizadores poderiam organizar. A vontade de fazer gerava vida ao evento. Essa vida transbordava em tensões, discussões, brigas, picuinhas, mas gerava alegrias e conferia sentido ao evento.

Ultimamente, parece que essa vontade se perdeu, deu lugar a um pensamento acomodado do tipo: “o FEIA já é algo instituído, é um festival de artes, tem apresentações, ocorre todo ano”. O clima é blasé, de tantofaz. Mas o FEIA como algo garantido, como mais um festival, é apenas um festival desorganizado e sem público para coisas mais aventurosas! Ou seja, cai em um desânimo pela falta de entusiasmo, pela aceitação acrítica de sua institucionalização.

Ao menos, é o que sou levado a pensar. Como artista que segue carreira, fora da universidade, esperava ao menos uma manifestação de interesse por parte da organização, uma intenção de gerar trocas e sentido nesses shows, nos anos de 2008 e 2010.

henrique iwao & lucas araújo - feia xi, instrumentário

Não obstante, também sei que, dada a minha trajetória – de estudante da Unicamp, ligado e disposto a ajudar o FEIA, para artista de fora de Campinas – toda a visão de que há menos vontade de viver o FEIA como algo importante hoje em dia, – toda essa visão – pode ser saudosismo. Mas esse saudosismo aponta para o fato de que talvez nunca houve uma vontade forte e suficiente da organização do festival, de que os artistas participantes sempre foram tratados de modo desinteressado, e que o festival é realmente relevante apenas para quem participa como artista-estudante-organizador.

Apesar das críticas, continuo a participar, acho importante ter um espaço para mostrar minhas coisas aos meus amigos, poder tocar perto dos locais onde vive grande parte da minha vida. Esse espaço é importante, mas fica aquela pergunta me atasanando: “não podia ser mais do que isso?”

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Participações como artista nos FEIAs, em ordem cronológica.

i. Minicurso Introdução à Técnica Serial, 16 de outubro de 2002.
ii. Apresentação do grupo Hutxjma (com Bernardo Barros, Dantas Rampin, Gustavo Alfaix & Mário Del Nunzio), 17 de outubro de 2002.
iii. Hipgnik & os Prigoginistas: Vol.1 (com Lucas Araújo, José Luis Bomfim & Mário Del Nunzio), 17 de outubro de 2003.
iv. Concerto de Música Eletrônica no IMECC (diversos compositores), 19 de outubro de 2004.
v. O “Mundo” Entre Aspas: Show na Festa do FEIA (com Lucas Araújo, Mário Del Nunzio, Rodrigo Felício & Alexandre Porres), 21 de outubro de 2004.
vi. Hipgnik & os Prigoginistas: Vol.3, “A Ressurreição”, (com Lucas Araújo, José Luis Bomfim, Mário Del Nunzio, Juliana França & Melina Scialom), 23 de outubro de 2004.
vii. Minicurso Música Eletrônica Atual: Técnica e Estética, ministrado conjuntamente com Mário Del Nunzio, 03 de outubro de 2005.
viii. Concerto de Música Eletrônica (diversos compositores), 04 de outubro de 2005.
ix. Projeto PI: apresentação na Vernissagem da Mostra de Artes Plásticas do FEIA6 (com Alexandre Porres), 04 de outubro de 2005.
x. Hipgnik & os Prigoginistas: Vol.2, “Nosferatu, de Murnau, com a inclusão de: garganta, ladrão, júpiter, koani, videogame, serra, anêmica, entre outros fragmentos, todos eles justapostos, sobrepostos ou ainda aglutinados de maneira evidentemente arbitrária”, (com Lucas Araújo & Mário Del Nunzio), 05 de outubro de 2005.
xi. O “Mundo” Entre Aspas: Show na Festa do FEIA (com Lucas Araújo, Mário Del Nunzio, Rodrigo Felício & Alexandre Porres), 06 de outubro de 2005.
xii. Trio Marco04: concerto de música improvisada (com Lucas Araújo & Mário Del Nunzio), 07 de outubro de 2005.
xiii. Projeto 6/6/6 (com Lucas Araújo, Mário Del Nunzio, Juliana França, Andrea Krohn, Daniela Laetano, Rafael Montorfano, Alexandre Porres, Carla Sandim, Melina Scialom, Paula Siqueira, Gregory Slivar), 20 de setembro de 2006.
xiv. Trio Marco04: concerto de música improvisada (com Lucas Araújo & Mário Del Nunzio), 21 de setembro de 2006.
xv. Daniela Morais + Henrique Iwao & Pan&Tone: Quase Perto, improviso de dança e música (com Daniela Morais & Cristiano Rosa), 15 de setembro de 2008.
xvi. Participação na apresentação de Valério Fiel da Costa: Obras Sacras?, 17 de setembro de 2008.
xvii. Henrique Iwao & Lucas Araújo: Barulho (com Lucas Araújo), 07 de outubro de 2010.


postado em 21 de novembro de 2010, categoria música
  1. Mel-Momentum disse às 14:09 em 15 de dezembro de 2010:

    quando eu for docente do IA, prometo instituir o FEIA como uma disciplina de 6 créditos chamada “produção aplicada” e chamarei voce como palestrante convidado em tempo parcial ($) para ajudar na organização da disciplina!
    (vote em mim!)