encontrei os anais do terceiro encontro nacional de compositores universitários. procurei meu nome (ctrl+f) e encontrei essa intervenção. tinha acabado de decidir que era uma bobagem estudar estatística a sério. na mesma época estava fazendo iniciação científica, e estudava o livro formalized music, de iannis xenakis. considerava minhas condições de trabalho na unicamp bastante ruins, mesmo ganhando uma bolsa.
henrique iwao (discente – unicamp) — não farei uma pergunta propriamente, mas quero fazer um comentário sobre o que foi dito. falou-se muito sobre o aluno não estar preparado para entrar na universidade, e, eu gostaria de dizer que em muitos casos, a universidade não está preparada para receber os alunos. há um exemplo simples disso: eu não só curso composição na unicamp como curso matérias de estatística, só que todas elas são extra-curriculares. não existe nenhuma facilidade para que eu me forme interdisciplinarmente em estatística e música. isso não é encorajado. outra coisa, é que da mesma forma que existem alunos que não estão preparados segundo os parâmetros x, existem professores que não estão preparados segundo os parâmetros y. temos esse contraponto. e, se falta reflexão crítica nos alunos, não é só nos alunos que falta reflexão crítica.
os anais do iii encun podem ser baixados aqui (embora não considere a discussão especialmente interessante).
o artigo mais relevante da minha iniciação científica aqui (curiosamente, não tem nada de estatística nele, mas apenas teoria dos crivos [sieves], para a construção de escalas musicais).
Realizada através de sistema de conversa via internet, dia 11 de junho de 2012. Resposta adicional dada por Victor Valentim, dia 12 de junho de 2012. Entrevista por Henrique Iwao. Revisão por Sofia Betancor.
[A. Conversa com Guilherme Rebecchi]
Olá, Rebecchi. No VIII Encontro Nacional de Compositores Universitários, em Goiânia, na Universidade Federal de Goiânia (UFG), no dia 25 de outubro de 2010, foi apresentado uma obra supostamente sua. Gostaria de saber sobre ela, pois era basicamente uma gravação do primeiro movimento da Sonata op. 27 no. 2 “ao luar”, de Beethoven.
Ocorreu um fracasso.
Explique o que aconteceu. Foi uma situação bastante estranha.
Imagino. Até hoje não consegui falar com o rapaz que projetou. Aquilo foi uma gravação do Beethoven, não uma música que fiz.
Mas tinha um errinho nela, no meio; como um erro de codificação MP3, que fez com que todo mundo ficasse imaginando que ia acontecer algo. As pessoas ficaram se entreolhando. Foi bem bacana, ao meu ver, uma situação ímpar. Mas enfim, explique.
Curioso. Sim, vou te mandar a música. Se estiver no meu e-mail te mando já.
Certo, você tem as informações, nome, data, quando foi esse dia em que ocorreu o fracasso? Isso ajudaria também. Mas me explique o que gerou aquela versão que presenciamos.
Também não sei. Te mandei o e-mail com a música que era para ter sido tocada. Mas essa série de músicas tem isso: como a ideia é ser uma parceria de duas pessoas que não eu, fica uma sensação de estranhamento. Mas acho que foi válida a experiência.
[Informação do e-mail: Título: Série Parcerias – O Rei dos campos de beterraba (Sonata tan-sá). Autor: Guilherme Rebecchi Kawakami. Ano da composição: 2010. Categoria: envio de peças eletroacústicas. Nota de concerto: Nesta série, parcerias aparentemente impossíveis são forjadas por um terceiro agente.]
Estou ouvindo. É um mashup?
Quase. Alego a diferença por querer tratar da questão autoral. É como se duas pessoas fizessem uma parceria, mas ela é improvável. Com isso, quem seria o autor? Com essa série eu quero tratar dos limites da autoria. No entanto, é um mashup, na prática.
A versão que recebi aqui também é estranha. Ela tem 43 segundos, é isso?
Isso. É apenas um recorte sem edição de uma música do Roberto Carlos.
Entendi, então não é um mashup, na prática; é um pseudomashup.
Digo, pra quem escuta.
Você induz o ouvinte, pelo título a pensar que aquilo, o piano do início, realizando harpejos, poderia ser Beethoven.
Isso. Tem a indução. Nessa música não tem nada de Beethoven que eu tenha colocado; só o título. Mas cada música é um caso diferente. Tem mais duas aqui: http://sussurro.musica.ufrj.br/pqrst/r/rebecchi/.
Você consideraria a peça, tal como apresentada no Encun, como uma peça tua?
Boa pergunta. Provavelmente sim, pois deve ter gerado um estranhamento e as pessoas devem ter pensado sobre a autoria, embora devam ter achado muito ruim.
De qualquer forma, mesmo na outra peça, o foco não é o acontecimento em si, mas os desdobramentos. Certo?
Sim, além da diversão. Só não é no caso, nessa série parcerias, da música Sino (Ockeghem & Björk).
E esse interesse pelos limites autorais? Você tem alguma opinião sobre a questão da autoria, afora a exploração dessas áreas de dúvida? Ou algum pensamento sobre essas áreas difusas, entre a apropriação, a criação e o plágio?
Sim. Tem a questão que uma criação contém criações anteriores, seja por citação, referência ou pelo conhecimento gerado pelas criações anteriores. Tem também a questão de ego e comercial. Não creio que uma produção intelectual possa ser exclusivamente de uma pessoa.
Mas isso não exclui a categoria plágio, mesmo admitindo que a apropriação move a cultura, que as práticas de apropriação sejam um dos motores do desenvolvimento da cultura.
Não exclui o plágio. É interessante.
De qualquer forma, um plágio categórico se faz passar pela música que plagia. Isso não ocorre em O Rei dos campos de beterraba (Sonata tan-sá). Mas já quanto ao Beethoven tocado no Encun…
O plágio é uma caracterização de algo além da citação e sem fazer referência ao autor.
Ocorreu um plágio no Encun. Mas não me preocupo tanto com o plágio, que eu vá plagiar mesmo algo, porque isso está distante da minha atuação.
E esse plágio que ocorreu no Encun. Você o atribui ao Victor? Quer dizer, qual o papel do Victor nessa história?
Não, porque não sei o que ocorreu. Não sei se enviei um arquivo errado. E também, ele deveria ter passado o som com a música ou tê-la escutado antes.
[Guilherme está ocupado(a). Talvez agora não seja uma boa hora.]
Olá Victor, sobre o episódio Rebecchi, no VIII ENCUn. Você pode me explicar como é que foi tocado o “arquivo errado”?
Olá Henrique. Acho que foi porque o Rebecchi não tinha feito a inscrição no site do Encun na época, então eu mandei um e-mail pedindo que ele me mandasse uma peça para que não ficasse de fora do concerto. Ele deve ter me mandado o arquivo errado por e-mail, por engano, e eu, como estava com muito material pra organizar para o concerto, acabei me esquecendo de avisá-lo. Daí a confusão, porque ele mandou o arquivo certo para a Laiana e ela não me encaminhou. Não fizemos isso de malgrado de nenhuma forma, gostamos muito do Rebecchi e devemos infinitas desculpas a ele.
Abração, Valentim.
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1Fim da entrevista com Rebecchi: achei curiosa essa mensagem aparecer exatamente nesse ponto. Dei boas risadas.
1. como não vou ao rio de janeiro tocar com aquiles, ao menos fiz um cartaz para a apresentação dele. recomendo a todos os que estiverem pela região. para quem ainda não viu o fantástico vídeo do aquiles, clique aqui.
aquiles guimarães – root kit zombie. plano-b: rua francisco muratori 2A, lapa, rio de janeiro. 04 de agosto de 2012, sábado 20h.
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2. da não ida ao rio: além de estafado com as correções do mestrado (com dores no corpo, aftas e fadiga) o ensemble abstrai cancelou a estréia de this song is twice occurred, para sexteto e regente. segundo paulo dantas, diretor do grupo:
“após o segundo ensaio da peça this song…, avaliei a situação e sugeri ao pedro bittencourt que cancelássemos a performance do dia 3 de agosto. após algumas conversas, ele concordou comigo. sugeri o cancelamento por acreditar que avançamos muito pouco nos dois ensaios que tivemos e estamos ainda muito longe de resultados bacanas. no lugar de this song…, farei uma peça acusmática, também de autoria de henrique iwao, para que a duração de nosso concerto não fique prejudicada.” [e-mail de paulo dantas, avisando os músicos sobre o cancelamento da estreia, 12 julho de 2012]
então eles tocarão a peça 13 negativos e ela chora (sorriso a menos 10 Remix), de 2008 e que faz parte desse álbum (que pode ser descarregado gratuitamente).
abstrai ensemble – não-estreia da minha peça (embora estreia de outras três, de ann millikan, paulo dantas e pauxy gentil-nunes. escola de música da ufrj: rua passeio, 98, centro, rio de janeiro. 03 de agosto de 2012, sexta-feira 19h.
a angústia que eu sinto quando componho uma nova obra musical é diferente da que sinto quando escrevo um texto acadêmico. a primeira é uma espécie de pânico do tipo como?.a segunda é uma agitação que pergunta por que.
nos piores momentos da primeira, sinto-me incapaz. nos piores momentos da segunda, sou um frouxo.
mesmo agora a pouco, tive de retirar da minha dissertação uma frase similar a: “a percepção a partir da ideia de uma ideia que permeia várias de suas aparições”.
posso dizer, embora talvez seja exagero, que minha admiração por wittgenstein é irrestrita. hakim bey escreveu algures da ânsia de poder como desaparecimento. sub speci aeterni [do ponto de vista da eternidade]: “o caminho do pensamento que, por assim dizer, voa sobre o mundo e o deixa tal como é – observando-o de cima, em voo.” atividade tática.
[1. para quem não acompanhou a discussão sobre os poderes, vide essa postagem aqui]
[2. bey, hakim. taz. wittgenstein, ludwig. cultura e valor. de certeau, michel. a invenção do cotidiano vol.1 modos de fazer]
bernard parmegiani sabia que as gravações da sagração eram um sucesso. todos os estudantes de maio de 68 já tinham comprado a sua! como não era bobo, usou o gancho stravinskyano da entrada das cordas da danca dos adolescentes na sua obra du pop à l’ane(1968).
john oswald, em spring (1980), tentando resgatar a atmosfera impetuosa e chocante de outrora.
quinta sinfonia de beethoven e o pássaro de fogo, dois grandes monumentos do modernismo. ainda acho que, apesar das maiores semelhanças entre essas duas, luc ferrari deveria ter usada a sagração em strathoven (1985).
outrora escandalosa, na década de 1910, a sagração da primavera é aqui colocada como som introdutório do videoclipe de intergalactic (lançada em 1998), dos beastie boys.
otomo yoshihide, em colaboração com mats gustafsson e mikito ozeki produziu with records (2009).uma série de discos de vinil contendo gravações de gustafsson tocando saxofone são cobertos por uma camada de papel. esta é recortada por ozeki, produzindo vários desenhos, que também produzem as trilhas as quais a agulha do tocador percorrerá erraticamente ao tocar o disco.
cut out = décollage. retirar camadas para fazer soar.
já faz mais de dois meses que as universidades federais estão em greve. resolvi aqui ajudar a divulgar a situação. eu diria que até esta, fui contra todas as greves universitárias que presenciei (mesmo as que participei como membro do centro acadêmico do instituto de artes da unicamp, entre 2002-4). eu sempre achei e ainda acho que greve deve ser usada apenas como um mecanismo excepcional, para mudanças estruturais, e que a prática periódica de greves provoca um ciclo vicioso improdutivo.
acontece que nesta greve é colocada a necessidade de mudanças estruturais quanto à carreira de professor: aumento do piso salarial (há universidades que pagam 600 reais de “salário”); diminuição do número de níveis de carreira. há também o pedido de aumento de salário, mas, especialmente nos níveis inferiores da carreira, ela faz muito sentido: os professores ganham em média bem menos do que outros servidores públicos. isso varia bastante, mas na minha cidade, campinas, motoristas, acessores de vereadores e técnicos administrativos (esses sim ganham por vezes mais do que ‘no mercado’) ganham bem. não precisa nem dizer que os políticos ganham uma fortuna.
ou seja, uma oportunidade para realizar um primeiro passo na diminuição da desigualdade social dentro das universidades, entre os professores, e a possibilidade de aumentar o salário daqueles que estão em início de carreira e assim valorizar a educação no brasil: valorizar gente jovem, que está com vontade de produzir, como se diz: ‘sangue novo’. uma contraproposta do governo poderia, por exemplo, ser um teto salarial, um achatamento dos salários para que a maioria dos professores ganhe melhor e a minoria de ‘magnatas’ (é assim que são chamados) não se beneficie.
infelizmente a proposta do governo vai no sentido de diminuir o salário dos níveis mais baixos da carreira, dificultar a subida ladeira acima nos níveis, e fazer com que os professores ingressantes ganhem possivelmente menos durante três anos, sem poder subir de nível nesse período. ou seja, vai no sentido de tentar aumentar a desigualdade social dentro das universidades.
há alguns textos por aí sobre isso, e eu tomei o cuidado de consultar alguns colegas, professores de universidades federais. um bom texto é esse. abaixo um quadro informativo, talvez propositalmente feio para estar no mesmo clima da situação…