1. mochila e latão, a outra mão levanta e pressiona a orelha: começa a falar sozinho, falar espanhol e estar muito louco ou estar louco e achar que fala espanhol. baba. agora até aos demônios internos usa-se um celular.
2. depois de uma tarde agradabilíssima de conversas com aline, vou ao cinema sozinho e o que está passando é o hobbit 3.
2.1 que perda de tempo! mas fiquei pensando, nem tanto minha, que só foram 3 horas. imagina todas essas pessoas que efetivamente trabalharam durante meses nesse filme. que vida desperdiçada, que situação medíocre e melancólica.
2.2 assisti em 3d e com resolução maior. e o que a resolução maior, amplificada pelo 3d, faz é o seguinte – você começa a sentir (saber sem poder exatamente precisar) que as roupas não estão sujas o suficiente, que há maquiagem demais em alguns atores; começa a intuir o que é cg e o que é cenário. começa a ter rusgas com a iluminação artificiosa. tudo parece mais teatral, mas uma teatralidade mal definida – a maior qualidade confere menos realismo (expõe pontos de não realismo).
3. muleque na praia, olhando pra uma pilha de garrafas sujas, pegando uma delas, escolhida, olhando para os colegas e dizendo “aí mané gozou nessa porra”.
4. na nossa sr de copacabana, dois adolescentes já um pouco crescidinhos – mermão, tu me chantageou. vou ligar pra sua mãe. (foda-se, foda-se você, foda-se mermão.)
5. na virada fogos de artifício medíocres e rápidos. meninas argentinas sem noção, italianos e franceses com alguma noção. uma barca pegando fogo, algum interesse nisso. passo o tempo todo fazendo cara de paulista entediado.
6. sentado num empório, com um livro difícil e chato e uma cerveja belga, entra uma mulher cadeirante e seu marido, e depois um homem cadeirante e sua esposa. (eles acham que sou escritor e vou utilizar essa cena no meu próximo livro: “sua esposa é nova, você é cadeirante faz tempo? ela te conheceu antes ou depois? / antes, alguns anos atrás. ela apaixonou quando viu meu apartamento. seu marido não é rico pelo jeito. / eu sou médico, moramos no canadá, é a primeira vez que estamos aqui. / ei, me vê um desses cafés de cocô de jabiru.)
uma das questões que me atormentava quando eu estava aprendendo a tocar piano, por incrível que pareça, era se era realmente possível tocar duas notas ao mesmo tempo. de algum modo, entre a chamada pré e a própria adolescência, me parecia que, por mais que eu tentasse, era altamente improvável, para não dizer impossível, que elas coincidissem em um ponto temporal, dado que o tempo se dividia infinitamente, ou melhor, infinitesimalmente. talvez isso fosse uma versão precoce minha para o que eu lembrava como o conto de aquiles e a tartaruga, mas como eu sentia que isso era uma questão séria, eventualmente olhava para os meus dedos, a priori impedidos de qualquer precisão maior. a peça número 71 do mikrokosmos vol. 3 que o diga.
ontem, por acaso, encontrei o pessoal da residência do ja.ca e em algum momento conversamos sobre o exacerbamento no discurso de preconceitos variados, durante o último período eleitoral. quando estávamos saindo do maletta, um sujeito alto, bêbado, barbado e de óculos escuros tipo raul seixas, do nada, aproximou-se do círculo, que decidia para onde ir, e disse:
“seus comunistas. (feministas). eu não. eu sou um nazista molestador de mulheres.”
parece dirigir-se a nós como público, como um ator que não consegue ver quem está sentado na platéia – tanto faz se são homens ou mulheres – etc. faz uns gestos patetas de afasta-fantasma-estou-metendo-bronca.
“eu sou lindo.”
chega perto de novo. olhares pra ele de o que é esse cara?, com sobrancelhas franzindo.
“vocês são uns comunistas de pau pequeno. eu sou um nazista de 25 centímetros.”
se afasta, pega um cigarro, que de repente parece já estar aceso; vai indo embora enquanto diz:
“eu sou um comedor. até a luana piovani chupou meu pau.”
2. fui consistentemente mal atendido em todos os estabelecimentos que frequentei exceto, curiosamente, no akidoairaki, mesmo dizendo pra atendente: “português, por favor”.
3. meses atrás, mário, com medo da chuva, exultou-nos a andar depressa. mas o modo de andar nada tem a ver com se choverá ou não.
1. a história do rapaz que pediu um cd do bon jovi para a sua mãe e recebeu um do joão bom jovem. anos depois, a história de um outro rapaz, também belo horizontino, que foi dispensado por sua namorada crente, que começou a namorar um não tão jovem joão, o mesmo.
2. a história do colega que capinava seu jardim quando viu um pedaço de plástico no chão. imaginando ser o braço de um bebê de plástico, todo queimado, abandonado por uma criança raivosa, pensou em tirar uma foto afim de troçar aos colegas “se alguém quando criança perdeu um braço de um querido amigo nas imediações de ___, por favor manifeste-se, pois o encontrei”. mas depois, ao puxar o braço, não era um braço; não era nem de plástico. era um pênis de borracha dura, gigante, coberto de fungos, um baita consolo. teria sido largado por antigo morador da casa ou atirado da rua por cima do muro? a quanto tempo estaria ali, por quais aventuras teria passado? o colega, após lavar o pênis com cândida, desistiu e jogou-o fora. semanas depois ganhou uma viagem pro butão. teria sido um presságio? lembrou dos falos protetores nos frontispícios. quase se arrependeu de não ter mais o pênis.
3. a história contada por um velho numa fila na lotérica, que não entrava na preferencial porque tinha tempo e saúde, e tinha que gastar como todo mundo sua saúde, mas tinha ainda mais que gastar seu tempo, porque não trabalhava. ele contou de outro velho que usava a fila preferencial. esse outro velho carregava inúmeras contas e um monte de dinheiro, porque aceitava dos vizinhos fazer isso se ganhasse 5 ou 10 reais de cada pelo serviço. ele era um pouco trouxa, porque carregava tudo isso na mão, dava muita bandeira.
1. cheguei na rodoviária e lavei a mão. no apartamento a descarga funcionou. arrisquei um banho.
2. na geladeira de porres: 3 cremes de ricota tirolez, 9 cebolas (diversos tamanhos), 5 bulbos de alho roxo (nem todos inteiros), 2 pacotes de torradas balduco, 1 caixa de leite sem lactose.
1. todo dia de manhã pego minha raquete eletrificada e vou até a lavanderia matar pernilongos. eles gostam daquele canto, daqueles dois baldes com potes vazios de sorvete e buxas antigas, daquela humidade e frescor, da penumbra. um pequeno genocídio. vingança, diriam. outros: o pernilongo é um bicho que merece o assassínio.
2. uma vez fui a um show do dave phillips (dp) em são paulo; era um espaço mais-que-exíguo e as caixas, coladas ao ouvido. antes do vídeo show de horrores (coletânea de animais sendo mortos), músicas extremamente ruidosas, realizadas utilizando gravações de sons de insetos e animais, e aplicando níveis de compressão extremos a estas.
sábado à tarde você senta pra escrever e só o que consegue é repetir o mantra nietzscheano: “aquilo que não me destrói me fortalece”, “aquilo que não me destrói me fortalece”, “aquilo que não me destrói me fortalece”, “aquilo que não me destrói me fortalece”… em ritmo de pancadão!
1. cissi se escondeu. meu pai verificou e tinha dado a luz. uma única vez, um único filho. pela aparência, o pai era um rottweiler.
2. pequenino, dormindo em cima da minha barriga, começa a fazer xixi.
3. seu nome, em homenagem ao personagem das bandas desenhadas, o lucas sortudo, o homem que atira mais rápido que sua própria sombra.
4. como um pastor alemão, a correr em volta da casa, voltas e voltas, mas com orelhas caídas.
5. passeando por barão geraldo, a tensão de ter de correr ao encontrar cachorros soltos e briguentos.
6. e aquela vez no terreno baldio ainda sem muro em volta (a alguns anos é um terreno baldio com muro em volta): ataque de uma mãe quero quero, razante eu e lucky. pra ele, apenas uma ocasião para correr. eu, imaginando bicadas no coro cabeludo.
7. quando cissi sumiu (não voltou após passeio noturno sem acompanhamento), já bem velha, talvez espreitasse a morte. eizaburo, meu vô japonês, também nos últimos meses de vida, saindo pra procurar gritando seu nome e nada – já depois da diabetes e dificuldade de locomoção. quando não há esperança mas tampouco para-se de procurar.
8. recebemos em casa café para fazer dupla com lucky. café era um boxer pequenino e novo, e como tal, um pouco desorientado. apesar do aumento de vitalidade, desconfiamos que lucky tenha aberto o portão e dito vá lá, o mundo é grande, depois você volta, eu também vou. mas só lucky retornou. deixou café perdido? deixou ele deslumbrar-se rua afora e não saber retornar? foi capturado? nunca mais o vimos.
9. kiko veio (ou quico), vira lata nomeado em homenagem ao novo papa (numa família inteiramente atéia!). lucky cada vez mais velho, animou-se de novo. mas era velho, cada vez mais.
10. 16 e 17 anos. ficou um pouco cego. ficou mais teimoso. ficou cego e surdo. latia pouco. sua perna tremia.
11. um belo dia, como diria guimarães rosa, se encantou (se vale para pessoas, deve valer para cachorros também). lucky teve um ataque cardíaco, vomitou e morreu. foi enterrado dignamente no buracão, debaixo de uma arvorinha.