dois anos sem piano #1

onde agora eu descarrego minha raiva? (a raiva em música não é uma questão de ruído/barulho, mas de uma exacerbação da fisicalidade.)

onde agora eu perco tempo? (nem mesmo livros de filosofia enfadonhos são tão improdutivos quanto as sonatas de mozart.)

onde eu passo meus dias de veraneio? (se ao menos eu conseguisse de fato tomar gosto pela jardinagem e pela culinária.)


postado em 14 de dezembro de 2015, categoria crônicas : , , , , ,

coisas que deixaram aqui em casa

1. um colar pingente com a insígnia namastê, com cordinha preta, e também um prisma pequenino acoplado a uma bola dourada do tipo sinete.

2. um sapatênis preto la pag, pé direito, marcado no solado como número 29, mas que serve para mim (que calço 42-3), e em boa conservação: cadarço com fios cinzas nas bordas, bastante simpático.

3. uma camiseta preta ad life style xgg, com um detalhe branco na gola interna e um logo que mostra um coqueiro, em bordado prateado.

4. uma baqueta de bateria, toda carcomida no lado da pegada, quase metade do tamanho de uma nova. a cor dela: marrom madeira.


postado em 25 de novembro de 2015, categoria crônicas : , , ,

petropolítica

reinsurgência telúrica-omega (contra o sol, a lama), xerodrome (singularidade desértica da terra – deserto de lama), petropolítica, mineropolítica, guerra como máquina (e não máquinas-de-guerra), ratos-peixes podres (incursão epidêmica desterritorializante), taquiya (não-ação terrorista, “a coisa” de john carpenter, paranóia do inimigo indiscriminável).

o futuro é hoje (william gibson), ou ‘no futuro, nadaremos em lama tóxica’. vulcões negros e tsunamis marrons.

Petropolítica: a cartografia do óleo como uma entidade onipresente narrando as dinâmicas da Terra. De acordo com Hamid Parsani, o óleo é o fundo de todas as narrações. A petropolítica pode ser estudada para perseguir a emergência da Xerodrome (Terra-Deserto) como um clímax plano para a Odisséia da Tubulação ou um mundo cuja narrativa é primariamente conduzida através e pelo petróleo.
[Reza Negarestani: Cyclonopedia, p. 242]

a faixa do epilepsia com o chinese cookie poets pertence à coletânea oil, blood, hate, lançada pela plataforma records.


postado em 15 de novembro de 2015, categoria crônicas, música, vídeo : , , , , , , , , , , , , , , , ,

apontamentos belo horizonte #2

1. excursão ao verdemar.

2. de dois anos para cá

  • quando mudei, existia essa ideia, da supremacia brhama, da cerveja barata. em um ano e meio isso mudou radicalmente.
  • em 2013 escrevi: “ah, ele não vem, está com dengue. ih, um mosquito me picou.” parece que, com a falta de chuva a coisa deu uma acentada.
  • sentia me envenenado com tanto sal, como um marido pela mulher que arquiteta uma vingança lenta, parcimoniosa, mas sem parcimônia nem lentidão. será que eu merecia esse casamento? agora, nem mais o veneno sinto. outro dia, até adicionei sal à salada.

3. vai lá: feche o cruzamento. 

4. às vezes os nativos não entendem, apesar de admitirem que aqui se dirige descuidadamente. um tio meu que trabalhava com turismo e morava em são paulo, dizia que aqui era o pior lugar para dirigir do brasil. uma tia, atriz e moradora do rio de janeiro, que andar de ônibus era uma loucura.

 


postado em 7 de novembro de 2015, categoria crônicas : , , , , , , , ,

no real gabinete de leitura português

e., sujeito formal, simpático, comedido, habitante de são paulo, considera o prédio do real gabinete português de leitura, no rio de janeiro, o mais bonito do brasil. chegando lá, e com sua tese sobre o tempo na obra de a. em mãos, ou seja, na mochila, com ítens que a possibilitam, e. resolve trabalhar ali mesmo, nesse ambiente magnífico. pergunta ao guarda sobre essa possibilidade. este, responde, em bom carioquês, sei lá. vou chamar a gerente. e quando a moça chega e olha um e aí?, e. se explica todo: eu gostaria de utilizar o espaço, trouxe meu laptop, uns livros, escrevo uma tese sobre a., a concepção do tempo, como é que faço, ao que a gerente interrompe-responde, senta aí porra.

desconcertado, mas entendendo a diferença das culturas, e. ainda olha mais uma vez para a gerente, uma moça magra, algo atlética, deve correr na praia, pensa. ela já com desdém, indo embora, então e. se dirige a uma mesa, vou poder trabalhar, que bom. é aí que intervêm o pequeno poder, e a gerente, de costas, continuando sua saída, retoma, como que a partir de porra e como não quer nada, mas com o gostinho da sacanagem no canto do lábio: mas assina lá no guichê os documentos. e então quase pedem para e. o comprovante de residência que ele obviamente não trouxe. e e. não pode deixar de pensar o óbvio, podia ter simplesmente sentado ali como quem não quer nada, retirado o laptop, não tem quase ninguém aqui, estaria já trabalhando.

“malandro é malandro.”


postado em 2 de novembro de 2015, categoria crônicas : , , , ,

rufo no banco do copiloto

eu peço um taxi para j.-p. caron e sanannda. esta deve ir à curitiba. jean vai para o rio, horas mais tarde (aconselhei ele a passear pelo minas shopping, circuito-metrô). o taxi chega 19h08, o que é um bom horário. o ônibus sai 19h45.

levamos as malas, teclado, pratos, mochilas e ferragem para o porta malas. sanannda é isignificanto e no dia anterior havia viajado 15h a fim de se apresentar no bhnoise 2015. agora era voltar. mais 15 horas. ela tem compromissos e só há um ônibus por dia de cá para lá.

jean me pergunta se deve deixar a porta aberta. estou carregando coisas e não entendo direito. ele repete a pergunta, e quase que repete de novo: “deixo aberto?”. na insistência, falo rapidamente “deixa” e se o rufo sair, sei que rapidamente voltará para dentro, de modo que eles começam a carregar o porta malas e rufo, o boxer de 7 anos de idade que mora comigo, faz xixi nas árvores mais próximas.

peço para ele entrar; ele não o faz. creio que está excitado com os novos amigos que vão embora. mas é hora da despedida, o tempo urge e peço que jean e sanannda vão, já está na hora, adeus, tchau rufo, tchau henrique, o taxista esperando já com o taxímetro ligado.

mas quando jean abre a porta não é ele que entra e sim rufo, que matreiro, pula na frente dele e senta no banco de trás. todos perplexos, olhamos para o cão que parece obstinado a dar uma volta de carro. e não é que ele empacou mesmo? rosna e tenta me morder. chamados, broncas, coleira para passear, comida e depois um bife, e nada. meu telefone está pifado. corro até um ponto de taxi próximo, enquanto sanannda e jean descarregam e rufo, que fora empurrado, agora senta-se confortavelmente na poltrona do co-piloto.

um taxista me ignora, o que parece ser normal em belo horizonte. o único que está no ponto, está mexendo na lanterna, impassível. corro de volta. peço pro taxista chamar um outro. tensos com o horário, jean e sanannda estão bolados. no fim, o outro taxi chega e graças a impontualidade rodoviária, sanannda consegue entrar no ônibus do dia.

enquanto isso o taxista liga para anderson e louisa. eles estão longe. penso em deixar rufo me morder, se for o caso. anderson e louisa sugerem coisas e parece que rufo já está mais amigável. anderson me lembra de alguns dos medos do cachorro e fala sobre andar de carro com ele. com cuidado, sento do lado dele, exprimido no copiloto, e com o portão de casa aberto, entramos. rufo fica incomodado e eu abro a porta. leva um tombo, mas tão logo se levanta corre e come o bife. depois, fica pra lá e pra cá na casa, todo contente. pago R$18 ao taxista. peço desculpas mas ele diz que está tranquilo de limpar, com um paninho.

***

interpretação cosmológica: uma questão, repetida, reforçada, altera o estado do mundo a fim de receber uma resposta unívoca por parte deste. a resposta envolve uma determinação negativa; ela chega apenas depois e quando responde, dissolve o próprio problema, originando assim um acontecimento.

interpretação panpsíquica: o cachorro, percebendo a brecha que se lhe abria, recolhe-se no verdadeiro momentum de de nomadismo, e viaja sem deslocar-se. enquanto isso, o taxista recolhe a mais valia.


postado em 23 de outubro de 2015, categoria crônicas : , , , , , ,

panelas e pedras

estava com bella e ela muito cansada. eu idem, mas sem perceber tanto [a fadiga veio no dia seguinte]. então, meio choramingando, meio palhaço, digo: “estou cansado de carregar 15 kilos de panelas estragadas para cima e para baixo”. no taxi, ela acha graça, e então lembro da história das pedras, do duas ilhas.

[nesse dia, ela havia tocado embrulho, e eu, o brasil não chega às oitavas (esta foto mostra o estado de algumas das panelas, quando as transportei de curitiba para belo horizonte)].

***

era uma vez o final de 2012 e estávamos eu, kandyê medina, júlia salaroli, além de katxerê medina e oscar svanelid, com a filha deles, nenezinha naima, em um aeroporto em belém, pará. íamos ao macapá, amapá. estávamos despaixando as bagagens e kandyê coordenava o processo. de repente, excesso de peso. kandyê discute com o atendente: naima, como ser humano, conta como portador de bagagem. certo, 6 kilos a mais. ainda assim, excesso (exce$$o). kandyê parece desamparada. júlia quer ajudar. kandyê então, protestando, abre a mala e começa a tirar as pedras de dentro, recalculando de tempos em tempos o peso da mesma, na esteira. fala ao atendente, e em seguida distribui pedras para levarmos nas bagagens de mão. seleciona as mais bonitas. empilha na frente do guichê as outras. é um processo demorado, e ouvimos a última chamada. mas garantimos as pedras. vai saber se no macapá tem pedras. as mais bonitas. kandyê parece bem.

 


postado em 9 de outubro de 2015, categoria crônicas : , , , ,

copacabana décadent

1. preço de suco na zona sul: oito reais. peço de fruta do conde. é como pera, mas mais leitoso.

2. andando nas calçadas, respingos na cara. acima, condicionadores de ar.

3. domingo estranhamente pacato. rodolfo dantas como uma rua qualquer, arco verde sem muvuca. operação pobre-não-entra.


postado em 30 de setembro de 2015, categoria crônicas : , , , , , , , , ,

suicídio e panelaço

dorothé depeauw gentilmente me contou a história do técnico do teatro que, no dia seguinte à apresentação de o brasil não chega às oitavas em belo horizonte, comentou com ela:

“ontem foi muito doido, né? a peça do panelaço. primeiro eu achei que não ia aguentar, mas fui ficando. foi me dando um sentimento de morte, como se a morte habitasse. e fiquei até o final, com vontade de morrer. eu gostei muito.”

e nesse momento ele estava ajustando a iluminação para a dança de dorothé e ela começou a ficar preocupada porque ele estava a pelo menos 6 metros do chão.

 


postado em 25 de setembro de 2015, categoria crônicas : , , , , ,

sons da vida selvagem

ao explorar o maior acervo de sons e vídeos da vida selvagem do mundo, pedro durães não hesitou: procurou logo por homo sapiens da família dos hominídeos da ordem dos primatas da classe dos mamíferos do filo dos cordatas do reino dos animais. lá encontrou um único som de alta qualidade, de indexador ml 93783: um espirro, gravado em 1998 por matthew d. medler, em nova york, estados unidos.

ao pensar sobre o som das baleias do oceano antártico, das hienas da áfrica e oeste da ásia, uma dúvida: o quanto aqueles sons não são bobagens, acontecimentos sonoros triviais? ou um explorador interplanetário ficaria encantando com a sublimidade de um atchim? teremos de compilar os sons da vida civilizada das águias das filipinas?


postado em 19 de agosto de 2015, categoria crônicas : , , , , , , , , , ,