filosofia da queima de livros e museu das traças

1. filosofia da queima de livros (book burning philosophy / bücherverbrennung philosophie)

livros são bons itens para queima. é que, do ponto de vista do fogo, cada página é um objeto. um livro é formados por inúmeros objetos-páginas, leves e combustíveis. diferentemente de um toco de madeira, ou um tijolo, uma página resiste pouco, permitindo um passeio flamejante em que extinção e transmissão se confundem.

2. museu das traças

cultivam-se traças. quando há um número suficiente destas, digamos, 100 mil, elas são espalhadas em uma biblioteca, que logo se transforma em um museu das traças. livros viram traçados – relíquias do império lepisma.


postado em 24 de abril de 2016, categoria crônicas, proposições : , , , ,

felicidade sqn

na livraria de um simpático senhor para o qual o melhor livro já escrito é tuareg, de alberto vázquez-figeuiroa, no centro de belo horizonte, descubro que há uma compilação pós-morte de máximas de schopenhauer intítulada a arte de ser feliz. resolvo comprar, na certeza de encontrar logo no começo do mesmo a afirmação da impossibilidade real da felicidade. satisfeito, considero a máxima 36 representativa:

O meio mais seguro de não se tornar muito infeliz consiste em não desejar ser muito feliz, portanto em reduzir as próprias pretensões a um nível bastante moderado no que diz respeito a prazeres, posses, categorias, honra etc., pois a aspiração à felicidade e a luta para conquistá-la por si só já atraem grandes desventuras. A moderação, por sua vez, é sábia e aconselhável, porque é facílimo ser muito infeliz, enquanto ser muito feliz não apenas é difícil, como também é totalmente impossível.

de forma que a melhor opção de todas é estar sereno (que é uma qualidade que depende em 90% da sua disposição interna e não do mundo exterior), e estando sereno, apenas estar sereno: sem motivos. assim, descobrir o verdadeiro egoísmo, o egoísmo da dissolução sem esforço do eu. auto-ajuda.

após pagar, o livreiro me confidenciaria: “você sabe que a humanidade nos trouxe apenas dois filósofos. um deles foi platão. o outro…” e então olharia pro manualzinho em minhas mãos.


postado em 13 de abril de 2016, categoria crônicas, resenhas : , , , ,

olhar de esguelha

1. estou com um monte de equipamentos: mala de rodinhas média, mochila abarrotada, tripé de fotografia. paro o ônibus no ponto e pergunto: vai pra bahia com a augusto de lima, ou perto? o motorista, olhando de esguelha pra mim, parece ter mexido a cabeça para baixo num gesto que poderia dizer sim. peço pra entrar por trás e ele abre a porta. que bom, deve ter me ouvido. entro. o ônibus não vai pra lá.

2.vou ao banheiro do arcangelo no maletta. desconfio pela demora, adentro o corredor que leva à porta fechada e pergunto, tem alguém aí. tem. certo. ao tentar voltar pra fora, descubro uma garota de saia curta frisada óculos de armação preta e celular, infernalmente teclando, vidrada nele. oi moça, quero ir ao banheiro mas preferiria não esperar no corredor. ela olha pra mim de esguelha, em seguida voltando ao luminoso mensageiro que segura em mãos. repito, moça, vou esperar ali fora, um pouco mais alto. ela parece se virar um pouco e eu passo. pequeno tempo depois o banheiro se abre e uma outra garota, conhecida, sai. sorri amigavelmente pra mim, mas não posso vacilar, porque tenho de dizer moça, firmemente. ela para, meio decepcionada por não poder burlar a ordem da fila, o banheiro é unissex. eu, licença o corredor é estreito, ela e o maldito celular, passo apertado mas acabo esbarrando com o ombro nos óculos, virados como estão pra baixo, e entro, pessoa mais sem noção.


postado em 9 de abril de 2016, categoria crônicas : , , ,

de brinde um soco na cara

13h entre a gustavo da silveira e a silviano brandão antes dela propriamente – pro lado de lá do viaduto. passo apressado como sempre, rumo ao local de trabalho. dessa vez entretanto vejo um sujeito grandalhão e desengonçado segurando uma pré-adolescente magrela, com os dois punhos pressionando com certa violência o braço dela. ela grita e chora. o ambiente é de drama familiar, com um tanto de teatralidade edipiana, mas no meio da rua. passo, mas paro e me viro.

eu: o que está acontecendo?
ele: nada não. ela é minha filha, eu sou o pai.
ela: ahhh, me laargaaaa.
eu: senhor, ela não está gostando, você está usando força bruta.
ele: olha, você não tem nada a ver com isso, você não sabe de nada. essa muleca está 5 dias fora de casa, falta à escola, agora não quer voltar.
ela: mentira, ele que me expulsou de casa!

pessoas passando, um cara começa a manobrar atrás do duo. rua movimentada.

eu: olha, mesmo que ela esteja errada, você está sendo violento. vocês tem que tentar resolver de outro jeito.
ele: eu sou o pai dela. ela tem 14, é menor. é minha dependente, porra.
eu: bom, ela é sua dependente mas tem direito de agir por si.
ela: me larga, me larga!

nisso ela escapa. ou ele deixa ela escapar. estou a dois metros deles. apenas atiçando moralmente a situação. ela corre e passa o viaduto, rumo a silviano brandão propriamente dita. ele olha pra mim. o sujeito da manobra parece ter conseguido parar numa vaga, a 1 metro do pai, eu a 2 dele.

ele: estou com raiva. vou descontar minha raiva em você seu filho da puta. pode chamar a polícia, você vai ver só, se intrometendo.
eu: cara, vai na sua.

mas não ter medo e encarar a situação com altivez é uma burrice terrível pra quem está tanto tempo longe das artes marciais. desvio dois chutes mas levo um soco na cara. olho desacreditado, um olhar de “não acredito, seu idiota”.

ele: se vc não for embora vou te bater pra valer.
eu: eu vou, estou indo embora.

legal, o brinde por ser bom moço, bancando o herói (mas que herói comedido). estou tranquilo, mas com a cara ensanguentada e me pergunto horas depois se vai ficar cicatriz. tomara que não. e se eu encontrar o sujeito de novo no mesmo caminho de sempre, qual será o diálogo?

“ei, seu puto” “puto por que, por ter falado pra vc soltar a sua filha e depois ter oferecido a cara a tapa? você foi um idiota, sabia? e ainda mais: percebi que no fundo você queria mesmo era soltar ela o tempo todo, só não tinha coragem. coisa feia descontar em mim.” “é e vai ter mais” “ah não. dessa vez eu fujo e chamo a polícia, fica aí na sua. te fiz um favor”.

e a filha. será que apanharia na rua? e quando finalmente voltar pra casa, será que não apanhará proporcionalmente mais por ter escapado? imagino o tipo de problema que leva a filha a confundir fugir e ser expulsa: fazer sexo com alguém, ser lésbica, chegar drogada etc – essas amenidades que pais adoram para alimentar sua maldade e ira.


postado em 6 de abril de 2016, categoria crônicas : , , , ,

depoimento de orkut para clarissa

em agosto de 2009 deixei de publicar o seguinte depoimento, na plataforma orkut:

a despeito do que diz, ao apresentar-se, clarissa certamente figura entre o alto panteão das garotas mais dificultosas já encontradas; ela é doce e agradável, mas, conhecendo-a, corre-se o risco de ficar marcardo (e movido) mais pela sua ausência do que pela sua presença.

antes de ser, portanto, uma pessoa negativa (pois é muito querida e positiva), é uma pessoa em negativo. não obstante, como diriam muitos, a esperança é a última que parte e o espírito é grandioso.


postado em 19 de março de 2016, categoria crônicas : , ,

artist statement

meu trabalho abarca todas as formas de arte, incluindo a música experimental, a videoarte, a performance e a literatura, mas não a pintura (e o desenho (e também não estritamente a escultura, o circo e certos tipos de poesia lírica)). isso entretanto não significa desprezar a história dessa grande arte que de vermeer a rothko, passando por turner, encantou ao mundo, e mereceu até mesmo um conto especialmente inspirado de perec (a coleção particular). muito pelo contrário. de modo que meu objetivo final seria criar uma obra de arte cuja alma fosse finalmente indiscernível daquela que, aos espíritos mais refinados, amorosos e atentos, pode-se enfim observar como pertencendo ao cravo bem temperado, de johan sebastian bach. que essa obra não seja uma pintura, mas sim uma coleção de peças musicais, não é aqui relevante (e até onde eu saiba, ela tampouco inspira-se em temas pictográficos, como ferneyhough ao referir-se a matta, em la terre est un homme (não que eu goste muito dessa música, prefiro antes terrain, ou a ópera em torno de walter benjamin (aliás, um escritor medíocre)). é claro, essa obra em si, a que eu me referia, fruto futuro de meus mais empenhados esforços e sonho constante de meus empreendimentos mais delirantes, pouco teria a ver com os dois volumes de 24 prelúdios e fugas, de dó maior, subindo até si menor, duas vezes, como duplos disjuntivos. talvez, e estou consciente da tênue esperança que, como o fio de ariadne, me conduz pelo labirinto da intuição humana (com a diferença em relação ao mito de que, no caso, nem o próprio arquiteto, ao construí-lo, diferentemente de dédalo, entendia bem o que exatamente eram suas paredes, e ficava inteiramente perplexo perante o conceito de saída…), exista essa possibilidade. então, se o conjunto de minha obra, da biografia póstuma, às minhas participações em passeatas, por fim chegando aos períodos de silêncio, aos panelaços, à síntese fm e na conclusão de que uma única fixação me perseguia, ou antes que eu a perscrutava, repetidamente, infatigável, sempre e constantemente, pois bem, se ele ao menos tangenciar essa ideia, mas bem melhor seria atingi-la por completo e então minha vida, como tantas outras, não terá sido uma completa perda de tempo.

 


postado em 27 de fevereiro de 2016, categoria crônicas, publicitade : , , , , , , , , , , , ,

crônicas de carnaval, 2016

um grupo de bichas capitalistas (homens e mulheres) entra no ônibus gritando qual é sua música do é o tchan predileta eu sou a loira do tchan segura o tchan o tchan na arábia cinderela baiana (meu limite para a ostentação do entrenimento é claramente ultrapassado).

terrorismo: um carro de som quase vazio e sem ninguém seguindo passa pela cidade tocando músicas para jesus.

um sujeito muito provavelmente mais novo do que eu me chama de jovenzinho nerd (eu deveria, ao invés de tirar fotos artísticas das cercas colocadas nas praças, o que era minha tarefa no momento, tirar fotos boçais de sua namorada supostamente gostosa).

no bloco das garotas solteiras os momentos mais interessantes foram os que lembram operações militares: abrir espaço para o caminhão, coordenar movimento e pausa, cordão descendo, empurra empurra, necessidade de coordenar coletivamente contra os desejos individuais, consideração de erros de planejamento, táticas redefindas a cada jogada, necessidade de estratégia.

numa árvore, um inseto purpurinado.

https://youtu.be/VcxgeJjpDyE

 


postado em 10 de fevereiro de 2016, categoria crônicas : , , , , , , , ,

madmax 4 br

quando comentei “madmax itú” estava me referindo à falta de água (aqua-cola) no estado de são paulo, durante a campanha estadual de desertificação, promovida pelo governo. em belo horizonte, gostaria que os ônibus não parecessem se jogar nas curvas da estrada da fúria rumo àquele lugar verde, das muitas mães. esses dias, ouço a cobradora comentar com o motorista:

vai parar nesses lugares, depois vê no que dá. não devia!
– é.
outro dia mesmo no 4302 o joão foi pelo meio, rapelando os retrovisores, os carros todos parados dos dois lados.
– sei.
eu disse pra não fazer isso e ele: “bem feito”. mas vai que depois os donos vão atrás, perigoso demais sô.
– é nada.
uai, é sim.
– ná. eu já fiz isso. tava na rua prata e aquele corredor, acelerei e ranquei 3 de uma vez só.
depois dá problema.
– dá nada não. quando eles forem atrás você já passou voando.

(nome do motorista, número da linha e nome da rua ficcionalizados.)


postado em 15 de janeiro de 2016, categoria crônicas : , , , , ,

fatalismo brasileiro

1. é foda, ninguém respeita as leis, deveriam criar uma lei que nos obrigasse respeitarmos as leis.

2. a situação tá ruim, a política, corrupção, mas também, eta povo mal educado, gente que rouba, gente vândalos.

3. congestionamento porra ninguém ajuda, essa merda, eu fecho o cruzamento mesmo, caralho.

4. criticam, metem o pau, que falta de cordialidade, só porque fiz merda esqueci chutei o balde generalizei mesmo.


postado em 19 de dezembro de 2015, categoria crônicas : , , , , , , ,

dois anos sem piano #1

onde agora eu descarrego minha raiva? (a raiva em música não é uma questão de ruído/barulho, mas de uma exacerbação da fisicalidade.)

onde agora eu perco tempo? (nem mesmo livros de filosofia enfadonhos são tão improdutivos quanto as sonatas de mozart.)

onde eu passo meus dias de veraneio? (se ao menos eu conseguisse de fato tomar gosto pela jardinagem e pela culinária.)


postado em 14 de dezembro de 2015, categoria crônicas : , , , , ,