o cavalo hans

diz-se do cavalo hans: não é que sabia matemática, apenas lia as mentes das pessoas; de modo que, se tivesse de responder a ignorantes quanto era 91 dividido por 7, dificilmente bateria a pata 13 vezes. mas se o desafiador fosse sábio, sim. pois a mente era lida no corpo, antes mesmo de poder ser acessada na consciência. e isso era “verdadeiramente racional” – as patadas o demonstraram. assim, sobre a intuição:

se o corpo fala, que diga o cavalo.


postado em 11 de março de 2017, categoria aforismos, comentários : , , , , , ,

não-bloco

ao contrário do que teorizei em 2013, o não-bloco, agora que pude observá-lo caminhando durante algumas horas no domingo, do centro cultural são paulo até a paulista, descendo até o centro e virando para a república, apresenta-se como uma solução tipicamente paulista para as aglomerações carnavalescas. há sempre uma expectativa, mas em nenhum ponto do trajeto uma realização: pessoas semi-embriagas caminhando em direção a “mais caminhadas”, de uma felicidade contida, do deslocar-se, às vezes quase dançando – pequenos fragmentos de canto e coreografia; um clima de possibilidades (tensão de briga, olhares ansiosos por azaração), mas ao fim, conscientes da sensação de que há um objetivo virtual (o bloco), que é mero pretexto para o atual (o não-bloco), e que na verdade, esse último, que seria condição de existência para o primeiro, encontra-se aqui estável, invertendo a relação.

ânsia de poder como desaparecimento? segue uma pequena lista de momentos divertidos:

  1. um senhor de 70 anos de idade vestindo uma camiseta larga branca, com bolinhas vermelhas, toca mp3 pendurado no pescoço, fazendo uma dança ridícula, mas com um balde ao lado, para que os transeuntes depositassem dinheiro.
  2. um senhor de 60 anos de idade parado em uma escadaria, impassível, com óculos escuros e terno, segurando a coleira de seu cachorrinho de pelúcia (mas vejam, ela rompeu-se, a qualquer momento o dog pode escapar (?!)).
  3. na frente do novo shopping (cidade?) plantaram alguns pau ferro, em buracos minúsculos. os paisagistas (?) sabem que essa árvore cresce bastante e por vezes cai, não? (imaginei isso acontecendo)
  4. uma jovem de 20 anos de idade com a boca muito aberta e a língua inteiramente para fora, em pose pornográfica que no momento parecia ter sido realizada para tentar irritar dois rapazes hipócrito-libertinos, que se afastaram em seguida.
  5. uma tentativa de formação de bloco, ao som de enter sandman, próximo ao anhangabaú, com uma adesão distanciada e não coordenada (aquele grupo estaria tentando dançar axé?).

postado em 27 de fevereiro de 2017, categoria comentários, crônicas : , , , , ,

pós-verdade

esse conceito, que soa como pseudo-pós-mordenismo – fake pos-mo – só pode querer indicar que hoje, quando temos mais acesso a fontes e meios de verificação, somos pós-enganados; então, antigamente, éramos verdadeiramente enganados.

enquanto acreditávamos que fatos e decisões coincidiam, olhávamos para o fato errado (a verdade), ao invés de olhar para o fato que nos seria supostamente interessante olhar (a enganação). de modo que, ao pesquisar por resumos rápidos sobre técnicas de manipulação e retórica, entendemos melhor como funciona a opinião pública. a dificuldade é que, dito isso, nada muda.

 


postado em 19 de fevereiro de 2017, categoria comentários : , , , , , , ,

Protegido: ferdinando

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postado em 27 de janeiro de 2017, categoria comentários : , , , , , , , , ,

som em 3 contos de terror

1. em o coração delator, de edgard allan poe, o assassino alucina batidas abafadas do coração do morto, ao receber uma visita de policiais, que não suspeitam de nada. mas elas ficam cada vez mais intensas, obrigando o personagem a falar cada vez mais alto.

2. a música de erich zann, tal como relatada por h.p. lovecraft, tem seu apelo: de uma dança húngara, histérica, passando por uma nota calma e zombeteira, finalmente se estabelece: zunidos e uivos (dizem que é um violoncelo e não uma viola), técnicas extendidas, imersão nas trevas e mescla com os sons de vento, batidas de janelas, estilhaços de vidro e finalmente, do grito de horror do único espectador.

3. em a música da lua (the music of the moon), thomas ligotti fala, de sujeitos insones: “escutar sussurros sinistros em uma das nossas ruelas estreitas, e os perseguir noite adentro sem poder alcançá-los, mas sem que eles diminuam nem mesmo um pouco – isso poderia aliviar os efeitos desgastantes de uma horrível vigília”.


postado em 23 de janeiro de 2017, categoria comentários : , , , , , , , ,

reificação e objeto sonoro

há algo de muito estranho em criticar a noção de objeto sonoro escolhendo não levar em conta o projeto musical, no sentido modernista, que acompanha a noção. porque para defender que este leva a uma reificação do som, fadada a fazer o som levantar uma voz que diz “eu sou um objeto”, é preciso omitir completamente qualquer menção ao “objeto musical”. a autonomização do som não opera tanto para formar uma coisa em-si, como para criar a possibilidade de uma nova musicalidade.

Form is the lever that propels the sonorous toward recognition, hence toward permanence, and finally toward audibility. This process of the individuation of the sonorous, this becoming-object of sound unleashed by an intention, by a listening, is none other than the process of reification. It sets out from a misunderstanding, a misguided dualism between sonorous form and the signifying indices that emanate from it, when sound itself is nothing but an emanation in which the sensible and the meaningful are already commingled.

{françois j. bonnet. the order of sounds: a sonorous archipelago. trad. robin mackay. urbanomic, 2016, p. 121}


postado em 19 de janeiro de 2017, categoria comentários, música : , , , , ,

neptunismo

um certo senhor escreveu os seguintes textos:

  • exame da questão de se a terra sofreu uma alteração em sua rotação axial;
  • sobre as causas dos tremores na ocasião do infortúnio acometido aos países da europa ocidental ao final do ano passado;
  • história e descrição natural da ocorrência mais notável do terremoto que sacudiu boa parte da terra ao final do ano de 1755;
  • reflexões continuadas sobre convulsões terrestres recentemente experienciadas;
  • sobre vulcões na lua.

postado em 19 de dezembro de 2016, categoria comentários : , , , , ,

shifgrethor

paulo costa foi colega e coordenador da escola na qual trabalhei (oi kabum! bh); além do suporte e apoio, era um sujeito que entendia meu humor de hora do intervalo, em especial quando se tratava do atroz e do absurdo. como sua audição não era boa e tinha gosto pela disciplina da história, além de entender da roça, éramos suficientemente diferentes para eu conseguir ficar quieto, escutando, sem interromper seus causos. dado seu apreço pelo dizer circular, indireto, e por diversas formas do subentendido, foi numa dessas ocasiões que formulei: mineiros seguem a honra das sombras. de modo que, numa comparação com o clássico de ursula le guin, a mão esquerda da escuridão, paulistas seriam orgoreynianos e mineiros karhidianos.

um dia ele me recomendou ler a parte maldita, de georges bataille:

Os seres que nós somos não estão dados de uma vez por todas: surgem propostos a um crescimento de seus recursos de energia. Na maior parte do tempo, fazem desse crescimento, para além da simples subsistência, sua finalidade e sua razão de ser. Mas, nessa subordinação ao crescimento, o ser dado perde sua autonomia, subordina-se ao que será no futuro, devido ao aumento de seus recursos. O crescimento, na verdade, deve se situar em relação ao instante em que ele se resolverá em puro dispêndio. Essa, porém, é precisamente a passagem difícil. Com efeito, a consciência a isso se opõe, no sentido de que ela busca apreender algum objeto de aquisição, alguma coisa,  e não o nada do puro dispêndio. A questão é chegar ao momento em que a consciência deixará de ser consciência de alguma coisa. Em outros termos, adquirir consciência do sentido decisivo de um instante em que o crescimento (a aquisição de alguma coisa) se resolverá em dispêndio é exatamente a consciência de si, ou seja, uma consciência que não tem mais nada como objeto.

{autêntica, trad. júlio castañon guimarães, p. 166}

em seguida, lembro de ter argumentado (talvez a única pessoa na época, para mim), quando da eleição na qual dilma concorria ao segundo turno, que se ela ganhasse a instabilidade política seria o equivalente daquilo que de fato foi, tempos depois. tentei convencê-lo a se interessar pelo livro de le guin. emprestei-o e insisti que ele deveria ler, não pela ficção científica, mas pelo valor da elucidação política. devolveu-me meses depois, após pedir mais um tempo “para tentar de novo a leitura”. uma vez disse: um educador nunca desiste (o seu trabalho é nunca desistir); mas sabia que desistir era, dependendo do contexto, parte do processo.


postado em 15 de dezembro de 2016, categoria comentários : , , , , , , , , , , ,

não-aborto

para aqueles que tem uma queda por lógica, como eu, é estranho que as discussões sobre aborto e suas posições omitam as opções em favor e contra o não-aborto. em termos de posicionamentos duros, descontextualizados (el contexto soy yo), teríamos 4 opções:

  • multiculturalista (a favor do aborto e a favor do não-aborto);
  • misantropo (a favor do aborto e contra o não-aborto);
  • cristão (contra o aborto e a favor do não-aborto);
  • nihilista (contra o aborto e contra o não-aborto).

na última opção, incluiria a ética negativa (e assim o cristianismo pró-suicídio) do julio cabrera. a fórmula do nascimento de erewhon (samuel butler), também se encaixa nessa última categoria, mas com um viés completamente outro – pois para um ser não nascido, a viver com todas as regalias no reino fantasmático, nada mais estúpido que a decisão de se desfazer e nascer a um mundo cheio de infortúnios (para não falar da etapa em que este molesta um casal até que eles sejam obrigados a aceitar a função de meios de transmutação).


postado em 6 de dezembro de 2016, categoria comentários : , , , , , , ,

do silêncio, poesia

se existe alguma chance de que a linguagem primitiva / antiga esteve mais próxima do ser, como queria heidegger, ou então, como dizia emerson: “language is fossil poetry“, de que no começo, era a poesia, uma coisa é certa para mim: isso só é concebível pensando os antigos, os originários, como humanos lacônicos, imersos em silêncio, com apenas algumas raras ocasiões de necessidade comunicativa; não o dizer do modo antigo que aproxima, mas o não dizer.

arthur, em sylvie e bruno, de lewis carroll, relaciona esssa distância com a instituição da igreja.

Por que razão não nos deixam gozar as belezas da natureza sem que o tenhamos de o dizer a cada minuto? Por há-de a vida ser um longo catecismo?


postado em 28 de novembro de 2016, categoria comentários : , , , , , ,