bruise pristine

por algum motivo, júlia percebeu que eu não sabia ao certo como um chupão ocorria e tirou a conclusão acertada de que nunca havia sofrido um. lembrei do hit juvenil do placebo. influenciado por este, imaginava pessoas a passar minutos sugando o pescoço uma das outras, até que um gentil hematoma fosse impingido. o preço do social, talvez dissesse a banda. tivesse eu atentado a isso: preço indica dor, incômodo, não apenas marca. vou te marcar, ela disse, e um triângulo roxo no início da cervical frontal indicará “território explorado por _”. mas é algo rápido, há um estalido e uma dor mais queimada, de picada. ei, doeu. e ela: agora você sabe, e sofre.

(i) o hematoma desse tipo deve ser tomado como indicação de atividade sexual com algum parceiro (?). há na atividade sexual o fantasma da posse? ter um hematoma desse tipo implica um afastamento de possíveis interações, por um pressuposto de estar maculado, de estar sob a posse de? como um namoro de sacanagem, adolescentes se marcam para evocar fantasmas de posse, de possessão, uns nos outros.

(ii) há ainda o tabu do sexual. do prazer misturado à dor. há algo de afronta naquilo que retira do privado a condição de praticante, publicizando-a em marcas, resíduos, despojos.

(iii) mas e se as marcas fossem inevitáveis? sistema sexual em que para consumar a relação é instituído um chupão: posição codificada quanto ao tipo de envolvimento. de modo menos social, devem haver seres cujos cheiros ineludíveis não permitem outra base para as relações. lembro da anedota contada por carol sudati sobre homens de barba, que não poderiam trair com sucesso uma relação amorosa com outras mulheres, os pelos retendo o odor liberado durante o coito (mas isso mesmo sem contato da cara com a vagina?). [notem: como isso diferiria do sistema “anéis de namoro / noivado / casamento”]


postado em 23 de abril de 2019, categoria comentários : , , , , , , , ,

a saída jovial do sexo jovial

em 2005, tendo já praticado sexo durante 2 anos, o fato aparente de que as garotas pareciam ter bem mais prazer do que os garotos (por relatos e experiência própria limitada) começou a me incomodar, especialmente quando eu o colocava ao lado do fato aparente de que os garotos pareciam ter mais necessidade de sexo. como um jovem normal, porém tardio, partia da concepção romântica, em que a união carnal é o lugar de uma possível dissolução do eu através das sensações. entretanto, por que então a disparidade percebida? era a primeira vez que pensava sobre o assunto. minhas observações eram as seguintes: 1a. as mulheres parecem ter mais prazer; 1b. as mulheres parecem ter menos necessidade; 2a. as mulheres gozam menos; 2b. as mulheres se contorcem mais. ao contrário do que parecia ser o senso comum na época, minha primeira conclusão foi que, se algo estava errado, não era o fato das mulheres gozarem menos, mas dos homens gozarem mais, isto é, o fato de que os homens ejaculavam facilmente. então a primeira providência seria tornar a ejaculação difícil. se eu estivesse certo, disso resultaria um menor apego a ela, com consequente diminuição da necessidade de praticá-la e com o tempo, da eliminação da associação desta com a prática do intercurso. então, acima de tudo, era preciso que os garotos tivessem menos orgasmos. mas, pensando comigo, o fator 2a deveria explicar 1b, mas precisar de algo a mais para implicar 1a. e esse algo a mais era a contorção. observando-me, passei a considerar, desde a ereção a elementos atléticos da conduta, tudo muito retilíneo. quem sabe se eu começasse a imitar certas posturas, certos padrões de movimento, depois de um tempo eu descobrisse algo…


postado em 23 de janeiro de 2019, categoria comentários : , , , ,

qualidade total, atendimento médico

sempre me intriga como os médicos, uma classe historicamente considerada charlatã, agora no sistema de convênios, precisou agarrar-se à qualidade total para freiar a insegurança que tem quanto ao status do seu conhecimento. seu entendimento de ciência é então a caricatura do método científico, e as circunstâncias são afuniladas de modo a garantir o resultado a todo custo, eliminando o incerto às margens da prática. mas na hora de explicar porque não deveríamos fazer vários procedimentos rotineiros em casa, desconversam para não se mostrarem os mistificadores de outrora. e como as margens ameaçam assim a engolir o núcleo comprimido da prática, é preciso garantir sua seriedade, mas como o fantasma do passado os ronda, é preciso também promover uma verdadeira cruzada contra tudo aquilo que não é verdadeiramente científico. nisso eles passam a quase a retirar-se da área da saúde para habitar apenas a das “doenças classificadas”.


postado em 24 de novembro de 2018, categoria comentários : , , , ,

o apito de cachorro e a falsa sirene

a política do apito de cachorro envolveria mensagens cifradas em meio a discursos políticos, direcionadas a um subgrupo de apoiadores, mas que, em termos literais, não daria suficiente elementos ao público em geral para que dali se conclua da mensagem geral a mensagem específica. o dog-whistle produz um som ultra-sônico, isto é, um som sem som, aos humanos – as vibrações estão acima daquelas captáveis por nós. poderíamos, entretanto, grava-las e tocar seu conteúdo a uma velocidade de reprodução menor, fazendo com que o seu âmbito frequencial decrescesse, e escutássemos o chamado. se o processo for lento, entretanto, seremos surpreendidos pelos cães raivosos ou melindrosos, que obedientemente ou desdenhosamente, atendem ao sinal. mas mesmo preparados, ainda teremos de enfrentar o argumento: “trata-se de coincidência. não há nada (literal) em x que permita atribuir y (implícito). nós temos de nos ater à linguagem”. como se a linguagem só tivesse superfície.

na combinação com a mangueira de incêndio da falsidade, entretanto, uma nova forma é obtida. não se trata mais de encontrar as equivalências que traduzem um discurso no outro, acessando assim as segundas intenções ditas, mas não explicitadas – aquelas enterradas abaixo da primeira camada de significados. como não há comprometimento com consistência nessa mutação, o apito pode muito bem ser substituído por um berrante, cujo som é não só audível, mas escancarado, ou bem melhor, porque se procuram touros descontrolados e não vacas ruminantes, por uma sirene. que essa sirene seja de plástico vagabundo e pintada de verde e amarelo toscamente é proposital: quem levaria a sério o chamado de uma sirene dessas, tão ridículo? de modo que a mensagem é agora explícita, mas contextualizada como uma brincadeira, um desabafo, um xingamento ou outro modo que deveria desqualifica-la de prontidão. na operação, é importante dizer x ao mesmo tempo em que se desautoriza outros a tomarem x como significativo. alguns saberão que é preciso relevar o contexto e tomar x como mote de ação; para o resto, basta dizer que há um equívoco. que é preciso atentar não ao significado literal, mas o que aquilo expressa naquele contexto: descontentamento, jocosidade, descontrole emocional, desejo pessoal. que o emissor desminta e logo em seguida inverta os sinais do chamado só contribuem para o efeito. há valores que se prestam à ação; as inversões não são simétricas. girar a manivela ao contrário pode de fato produzir o mesmo som. mas se a intenção é gerar silêncio, por que não ficar quieto? é o caso quando as inversões são sensos comuns. a idiotia de um código que apenas inutiliza o não deve ser levada a sério. a falsa sirene não é apenas a versão incompetente do apito de cachorro.


postado em 23 de outubro de 2018, categoria comentários : , , , , , , ,

teoria da eleição: presidenciais 2018

1. fidelidade à aposta

sobre o voto para presidente. a razão para o voto para presidente é aquela justificada pelo melhor jogo. o melhor jogo não é um no qual um candidato passa, mas no qual dois passam. a configuração do melhor jogo não é “um ou outro”, mas “um contra o outro”. se o voto na chapa da incompetência “capitão/general/posto ipiranga” é uma espécie de delírio, ainda assim o melhor delírio, aquele para o qual me voluntário, é aquele no qual no jogo o resultado está em aberto. portanto, que a república da vila madá possa encontrar um adversário à altura, que não seja a pura performatividade do “vai dar certo sqn” do anti-petismo birrento, que parece simplesmente querer chutar o tabuleiro, por infantilidade.

2. vai dar certo

continuo achando o mais absurdo do bolsonarismo, a identificação com a incompetência e a ignorância e não todo o resto, que é o conteúdo apenas. nisso, como em outras áreas, continuo sendo um formalista. um ponto importante, entretanto, sobre o candidato é: ele não tem qualidades. tal como algo profundamente sem o lado positivo, ele é indefensável e portanto invencível – seu próprio ponto crítico é ele mesmo. não há muito por que ser contra ele, dado que ele é o próprio “contra” de si próprio. nesse sentido também, ele é o melhor candidato para o “vai dar certo” radicalizado: o “pensamento positivo” (wishful thinking, que já conota a derrocada da razão) tem seu momento mais verdadeiro quanto mais escancaradas forem as razões que prenunciem o fracasso. a maior promessa de sucesso é aquela em que o fracasso é mais do que garantido. esse é um dos grandes atrativos da chapa incompetente/ignorante/desastroso. uma genralização dunning krueger cujo slogan implícito poderia ser “vou me pintar com limão e ir assaltar banco”.

3. a eleição é o momento pós-moderno da política

a eleição é um jogo. o objetivo é eleger certas pessoas, isto é, fornecer empregos para apenas parte dos candidatos. mas uma vez realizado o jogo, não há vinculação alguma por parte dos jogadores e os concorrentes (mesmo quando um jogador é um concorrente). a vinculação que deveria existir é a daquela entre os empregados e seus planos de governo, isto é, seu planejamento de trabalho. mas mesmo nesse caso, votar não implica aceitar os planos, mas apenas contribuir para a seleção de um candidato. de modo que, justamente durante o período eleitoral, a ideologia se ausenta. ideologia, então, é apenas algo anterior e posterior às eleições. os trabalhos propriamente políticos, nesse sentido, são apenas aqueles a ocorrer exceto ali. “acreditar”, “postar impedimentos morais”, “declarar absurdos”, “assoprar apitos caninos”, “prometer”, “mostrar indignação”, “argumento do voto secreto” ou ainda “declarar suas escolhas” são apenas lances, avaliados efetivamente no momento da pontuação (e ainda: são apenas os lances não escusos). realizada a contagem, o predomínio da performance cai, e as coisas voltam ao normal, isto é, voltam a serem tomadas como relevantes de modo não numérico. “votar no menos pior” é uma maneira ressentida de declarar que o jogo é jogado, mas com um ar de superioridade moral: efetivamente entender que as eleições são o jogo, certamente de regras injustas, mas ainda assim, feito para selecionar candidatos, sem que se admita que a eleição não é o jogo da subscrição à princípios (que envolveria condições éticas muito maiores), e da fidelização a grupos (como a inscrição no partido seria). insistir que não somos os jogadores, mas apenas os elementos com os quais os concorrentes jogam é inaceitável do ponto de vista da liberdade (embora seja também um componente nas maneiras de dar lances que influenciam lances).

4. a culpa não é minha

o “a culpa não é minha” não é simplesmente algo modelado pelo conto do congestionamento. a posição reconhece que existem problemas. alguns bastante graves. e de partida postula que nenhum destes inclui o enunciador. até aí, compreensivo e similar: trata-se da auto-indulgência em que o problema são os outros. a questão é da ordem da adequação: se a pergunta levantada é “quem são os outros?” as respostas dadas recaem sob a pressuposição de que os outros devem continuar como outros. assim, toda vez que uma conversa puder levar a identificar alguém próximo e portanto, parte de nós e não a deles, a resposta deve acomodar esse alguém, mantendo o que recai sob o conceito de outro como vago, mas precisando alguns critérios locais, ad hoc, de não-pertencimento. na prática conversacional, portanto, o âmbito de aplicação vê-se constantemente diminuído localmente: você usa mas maconha mas é um sujeito esperto, meu amigo é gay mas é um bom amigo, é mulher independente mas honra a família, traiu e largou os filhos mas é patriota etc. porque se os culpados estiverem próximos demais, como eu poderei não ter relação de culpa nenhuma? ao explicitar essas colocações, de grau de separação em grau de separação, encontraremos um grande outro, que não é ninguém. entretanto, nisso há um erro: não há porque não aceitar que em certos contextos seja possível apontar o dedo, especialmente quando de olhos fechados.


postado em 5 de outubro de 2018, categoria comentários : , , , , , , , ,

quantificação jornalística

há inúmeros textos que transformam os enunciados em verdadeiros campos de batalha pelos domínios de seus quantificadores (muitas vezes, ainda por cima, implícitos). existenciais ou universais, o que parece desejável é a inclusão no mais alto grau de exagero; instanciar-se puro designador, mas sob a alcunha do todo, do tudo, ou de uma existência improvável ou só falsamente impossível, mas no fundo única.


postado em 15 de julho de 2018, categoria comentários : , , , ,

dois tipos de eugenia

imagino que para os humanos, exista sempre um passado de pureza originária, que é preciso de alguma forma resgatar, isolando o que ainda resta de herança na forma de uma decadência orgulhosa, filtrando aqui e ali erros no código e elencando traços que possam tornar a ilusão da descendência visível.

enquanto que nos cachorros, a partir de uma origem selvagem, seria preciso ir selecionando os parceiros de modo a categorizar as proles e distilar os potenciais cada vez mais, separando o que, depois de domado, ainda era confuso e oferecendo através dos resultados uma destinação de pureza futura.


postado em 19 de junho de 2018, categoria comentários : , , , , ,

ao invés de meditar

você pode

  1. olhar se há mensagens
  2. fazer café
  3. buscar na net
  4. matar mosquitos
  5. beber café
  6. ver mais um episódio da série
  7. se masturbar
  8. pular cordas
  9. zapear
  10. preencher a lista
  11. passar com o dedo
  12. dar um oi
  13. ver se
  14. exercitar angústia
  15. pensar e se
  16. ter mais uma ideia

postado em 6 de abril de 2018, categoria comentários : , ,

adornianos e deleuzianos

a uns anos atrás a diatribe é impossível ser deleuziano circulava na minha bolha. o argumento era: ser um especialista, um entendedor de deleuze, era ser um acadêmico – era explicar deleuze, ou ainda pior: era hipostasiar suas noções e fixá-las como “é assim que se aborda algo”; nada mais a contra-gosto do autor, a bradar pela criação de conceitos e pela “cópula forçada por trás”. de modo que, ao menos no meu entendimento, a partir disso, os dois deleuzianos verdadeiros que conhecia eram nick land e manuel delanda, seguindo a regra fácil do “possivelmente isso irritaria ao próprio autor”. mas, como era de se esperar, deleuze não era o único filósofo de posto renomado a lutar contra os operários da filosofia.

pois adorno, em suas admoestações contra o pensamento da origem e os estilos que dão suporte à apresentações passo a passo, acaba por também se colocar contra aqueles que apresentam seus conceitos na forma de definições e explicações, segundo uma didática das partes. seria antes necessário, para manter-se com o autor, escrever ensaios nos quais os conceitos aparecem em constelações e cujas ideias são atualizações que tanto recolocam preocupações e termos conhecidos como avançam pontos, mantendo-os entretanto, igualmente perto do centro do discurso. nesse sentido, nada mais vão que um dicionário a dizer o que seria a indústria cultural, a regressão da escuta etc.

talvez seja útil então distinguir três aspectos, quanto a um epigonismo: conteúdo, forma e espírito. aqueles que tomam apenas o primeiro aspecto são os estudiosos; um seguidor que toma os dois primeiros mas não o terceiro é um imitador; aquele que toma os três aspectos é um verdadeiro discípulo, contanto que exista um abandono (parcial) do primeiro, mas no caso deleuze, a predominância do terceiro poderia deslocar a necessidade do segundo.

 


postado em 28 de março de 2018, categoria comentários : , , , , , , ,

perdendo tempo

1. uma vez em salvador, pergunto se o ônibus é ali mesmo. deve ser. mas olhe, demora pelo menos 40 minutos pra passar. no final esperei. mas não era ali. de qualquer forma, fiquei com isso na cabeça. não importa quando, demora pelo menos 40 minutos pra passar. ultimamente, entretanto, tenho achado que, fora da cidade de são paulo, não importa nem onde. nem quando nem onde.

2. quando pego a raquete elétrica vermelha na mão, um contador dispara e acumula minutos. a ideia é entender quanto tempo produtivo eu perco matando pernilongos, por semana.

3. as instruções para uma performance dizem-nos o seguinte:

antes de qualquer ação que não tomar café, preparar mais café ou tornar preparar café imediatamente possível e preparar café, e então tomar café.


postado em 6 de março de 2018, categoria comentários, obras, performances : , , , , , ,