meu vô dizia: banana, bom. potássio, memória. salada. bom, sistema digestivo. exercício. bom: força, saúde. livro, bom. cabeça pensa. e arrematava enfaticamente: cachaça. bom, muito bom.
cachaça. bom. muito bom.
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a qualidade da cachaça não se encontra subordinada a uma função. a cachaça é a vitória contra o mundo do trabalho e do bem estar equilibrado. muito, concentra o bom. é o bom em si. a cachaça provoca o bem. entretanto, é preciso disciplina. acordar cedo. praticar a arte da inversão, meditando com a cabeça abaixo. e o capinar errático. só depois, então, o bar.
postado em 27 de novembro de 2019, categoria aforismos, citações : bom, cachaça, em si, qualidade
diz adorno que se as obras de arte fossem intuitivas, estas seriam, segundo wagner, efeito sem causa. e portanto, ideológicas no mais alto grau.
postado em 29 de outubro de 2019, categoria aforismos : arte, ideologia, intuição, obra de arte, richard wagner, theodor wiesengrund adorno
eu por vezes considero tomar aqueles que discursam contra as caixinhas e as classificações como pessoas que, por não serem muito criativas, precisam compensar a falta do excesso incontrolável de pensamentos, caos ideário e dos impulsos mentais explosivos, com uma espécie de coroação do quase-impulso, do vago, esfumado e incompleto. na ausência de que a turbulência mental ameace subjugar seu eu, ou pior, afirma-lo contra você mesmo, incoerentemente e erraticamente, é natural que se elogie abertamente os fluxos e as intensidades livres como inerentemente positivos. o que é escasso reluz. eu me pergunto.
postado em 29 de setembro de 2019, categoria aforismos : classificação, criatividade, escassez, fluxos, intensidades
se a arte é essencialmente inefável, então não importa se falamos muito ou pouco dela, se teorizamos ou não, ela permanece como algo de fugidio, indeterminável.
se não é essencialmente inefável, mas apenas ocasionalmente, então seria bom criticarmos e refletirmos sobre as obras, a ver quais ainda permanecem misteriosas após escrutínio.
se não são nunca inefáveis, seria melhor combater as críticas como redutivas e as teorias como paralisadoras, afim de que, do vácuo das palavras surja um quase-nada, um não dizer contido, que se prolifera em nebulosidade, a ser tomada com alívio.
mas e a experiência, não pode ela, sob grades muito determinantes e referenciadas, acabar com a inefabilidade? (como evitar que esse tipo de argumento não recaia no terceiro caso?).
e vale almejar racionalmente o inefável? no caso heideggeriano, há um circundar, como que preparando as condições necessárias para sua erupção. ele, tão frágil, facilmente esmagado, soterrado, esquecido. (mas estamos então no segundo caso e há arte na qual nada floresce, ou no terceiro, mistificando). em jankélévitch trata-se de jogar a escada fora. (mas daí seria melhor estar no primeiro caso).
postado em 26 de setembro de 2019, categoria aforismos : arte, filosofia, inefável, martin heidegger, vladimir jankélévitch
quando digo que a improvisação livre não tem regras, alguns acham que estou dizendo que a regra da improvisação livre é a de que não tem regras. o problema de pensar assim, entretanto, é o seguinte. temos primeiro uma frase imprecisa mas bem definida no que precisa, isto é, no fato de que no gênero em questão há uma negação do aspecto regrado de outras práticas. já na segunda temos um problema. porque ter regra nenhuma passa a ter uma regra, a regra do regra nenhuma. pra complicar, isso também deveria implicar que algo com uma regra, na verdade, teria duas regras: a regra mais a regra de ter uma regra. e então temos essa situação em que começamos a pensar: talvez a palavra regra esteja sendo utilizada em mais de um sentido. e então somos mergulhados na perplexidade; encontramos um problema do uso da palavra? acho que quando fazemos isso queremos forçar no uso da palavra uma consistência que ela não possui. isto é, que queremos alterar o significado da palavra pra dar lugar àquela transparência “lógica” que gera obscuridade e mistificação. o budista não deseja ter nenhum desejo, ele busca não desejar nada. ele deseja buscar não desejar nada? é uma pergunta estranha e não é absolutamente a mesma coisa que antes. imaginem, por exemplo, se eu resolver a questão e disser: na improvisação livre só há esta regra. (qual? esta.)
postado em 9 de julho de 2019, categoria aforismos : linguagem, regras, significado
a mulher que tão depressa era feia como bonita rogou a deus que lhe fizesse ou uma ou outra, cansada das declarações de amor e das bulinações, de caroços de azeitona à cabeça. pois em ambas sendo extrema, e ambas possuindo, não suportava a alternância nos outros, muito antes que a dela. sendo agora feia, podia ser desprezada pelos homens e admirada pelos animais, e mesmo triste e com a testa doída, seria de tal modo excêntrica que pudesse sonhar com o amor de um rei [*].
mas ao contrário de quem, medíocre, deseja, por revolta, ser feia, ou por anseio, ser bonita, digo que é preciso tecer um elogio à mediocridade na beleza. pois há a vantagem da média que é não chamar a atenção, de um lado ou do outro, mas permitir que alguns de toda a gama, por química ou predileção, por algum detalhe ou combinação, possam considerar mais solitariamente e com mais particularidade aquilo como lindeza. e isso sem excentricidade e sem alternância, mas sobretudo, sem universalidade.
postado em 30 de maio de 2019, categoria aforismos : adília lopes, beleza, mediocridade, particularidade, sereia
ao contrário da prática habitual, o slogan diz: primeiro o coito, porque estamos descansados e cheios de energia e disposição, portanto atentos, ou porque estamos despertando, carinhosos, gradativamente construindo a disponibilidade cuidadosa e recíproca. depois as drogas, para relaxar e abrir as percepções para si mesmo, ou para acordar e eletrizar. só após isso o rock’n’roll, o encontro gregário, o barulho que nos envolve em um estar junto, onde o coletivo rege o individual.
assim, não à toa, nas drogas, rock’n’roll e sexo, chega-se por último ao começo, funde-se ou contagia-se com a massa, e ou há uma preocupação que nos agarra ao pessoal, uma ansiedade na qual o mais importante vem por último, que nos retira do momento, ou então, o encontro íntimo é um resto, uma sobra espontânea, de mera pura acessibilidade, superação do cansaço e esquecimento do ser.
postado em 1 de março de 2019, categoria aforismos, slogans : drogas, provérbios, rock'n'roll, sexo
1. até mesmo na alemanha nazista havia nazistas.
2. em terra de zarolho quem vê com clareza recebeu a luz de lúcifer.
postado em 15 de janeiro de 2019, categoria aforismos : bolsonarismo, nazismo, obscurantismo, provérbios
poucos temas cotidianos ecoam tanto o tema da morte de deus do que o da morte da família. seu fantasma ronda especialmente o julgamento vespertino da paixão, onde, afim de passar pelo ciclo de desafeto que atinge muitos como uma doença incurável, se bem que passageira, o expurgo adquire tons suspeitamente morais. ao invés do recolhimento da convalescência, a injunção do ressentimento: são os outros que precisavam ter cuidado. na análise triunfante no cansaço, o presente é licensioso; é o passado que, sob a penumbra, é assim mal iluminado; mas os olhos vêem o que a imaginação preenche, e o futuro que não virá evoca um relacionamento promissor, quiçá crianças pelo campo e churrascos de domingo.
postado em 19 de dezembro de 2018, categoria aforismos : família, julgamento vespertino, morte de deus, paixão, ressentimento
assim como boa parte dos filósofos é contra a opinião/doxa, alguma parte dos artistas é contra a (auto) expressão. mas isso porque a filosofia se dá no embate com a opinião, tanto quanto a arte contra a expressão.
postado em 18 de agosto de 2018, categoria aforismos : arte, auto-expressão, doxa, expressão, filosofia, opinião