texto de rafael sarpa sobre uma certa situação religiosa no brasil
“Não entendo esses caras.
Se eu tivesse interesse em pleitear o poder de forçar um país inteiro a se adequar aos meus gostos, cerceando, segregando e punindo quem quer que goste de alguma coisa outra, o que iria acontecer exatamente? Já viram as coisas que eu gosto? Vcs tem certeza de que as coisas que uma parcela da população prefere são aplicávels à uma população inteira?
Apesar de achar a bíblia uma tolice, não estou movendo uma palha para impedir que pessoas se reunam em torno dessa bobagem e movimentem a tonelada de investimentos sociais, econômicos e psicológicos que eles movimentam. Não estaria nem me esforçando em chamar o que eles acreditam de tolice. Não gosto muito de me meter no gozo alheio. Mas sou obrigado a fazê-lo já que a vontade de poder deles está um pouco fora de controle. Estão fantasiando com um Estado religioso novamente. E veja, se o seu gozo involve atrapalhar o meu, eu tenho que me defender.
Talvez seja esse o problema. Nós, para quem o personagem deus não tem a menor relevância nas nossas vidas, deveríamos talvez fazer o que eles estão fazendo. Deveríamos mover esforços políticos e econômicos para impedir a adoração a deus em qualquer nível. Devíamos fazer o possível e o impossível para tornar crime inafiançável sequer mencionar o termo.
Não estou interessado nisso, contudo. Estou interessado apenas que quem acredite em deus faça disso bom proveito, mas que procure lembrar que o país é formado por pessoas para quem isso não tem importância. Inclusive, há aparentemente uma parcela de “pessoas que acreditam em deus” que não está com essa vontade de poder tão exacerbada e fica feliz em legislar meramente dentro das suas instituições. Mas não sei, talvez esteja começando a se tornar necessário se defender já que estamos novamente sendo oprimidos por clubinhos religiosos. Estamos novamente nos agrupando em nós, olhe o absurdo! Estava melhor que ficasse mais fluído, mas não, estão com vontades de guerra civil, de preto e de branco, de posicionamentos rígidos e inflexíveis. De dois lados. Não há dois lados para a questão de deus ou para a regulamentação dos pares na sociedade civil, ou para o consumo de substâncias, ou para a interrupção da gestação, e a lista segue. Há trocentos lados. Trocentos mil. Temos dez dedos, não precisamos contar as possibilidades em dois.
Eu inclusive não fico por aí me considerando ateu, pq não acho a questão da existência de deus relevante o suficiente para que eu tenha que me posicionar quanto a ela. Mas sim, creio ser ateu. Acho que o termo define a minha posição quanto à questão. Me sinto obrigado a dizer isso, e nesses termos, “ateu”, pq tem muita gente querendo muito que eu ligue para essa bobagem.
Tudo bem que o Brasil é o país onde as hostilidades frequentemente se resolvem enchendo a cara de cachaça. E a perspectiva de uma guerra civil de fundo religioso é quase cômica. Mas não faz muito tempo que tivemos uma ditadura militar, é bom não esquecer. É exatamente por esse tipo de passividade que qualquer tipo de ditadura se instaura.
Para resumir:
Tudo bem se lá no seu clubinho dar o bumbum não é bem visto. Falar mal de quem dá o seu meramente por isso não é nada nada bem visto no meu círculo de amigos, por exemplo. Vc vai ser hostilizado por mim e por meus amigos, e possivelmente, em caso de insistentes reincidências sofrerá da admirável punição de ser privado da nossa companhia. Sem problemas dizer que quem faz isso ou qualquer outra coisa que vcs não gostem vai sofrer punições divinas, ou o que seja. Fiquem a vontade para fantasiar as punições que acharem cabíveis para próximas vidas ou punições que funcionem apenas dentro dos seus clubinhos. Mas o Brasil é um pouco maior que os seus clubinhos. Querer que um país inteiro comece a funcionar no mesmo regime de cada um destes clubes já é muita cobiça. Vcs já tem uma fatia considerável do país disposto a sustentá-los. Deixem o resto em paz.”
postado em 12 de março de 2013, categoria reblog
Este comentário foi removido pelo autor.