A: não vou te pagar nada pelo seu trabalho.
B: mas eu trabalhei bem. pague ao menos oitocentos.
A: é muito. pago metade disso.
B: como está pão duro. pague seiscentos.
A: quinhentos.
B: e cinquenta.
A: quinhentos e vinte e cinco é pegar ou largar.
B: pois e trinta e sete e cinquenta centavos.
A: fechemos em trinta e um e vinte e cinco centavos.
B: e três e cinquenta e nove.
A: quinhentos e trinta e dois e oitenta e um centavos.
B: olha, quinhentos e trinta e três reais, trinta e nove centavos e não se fala mais nisso.
A: pago 20 centavos.
B: pague 30 vá lá.
A: vinte e cinco centavos e negócio feito.
B: vinte e sete. seja razoável.
A: vinte e seis minha última oferta.
B: quinhentos e trinta e três reais, vinte e sete centavos!
A: quinhentos e trinta e três reais, vinte e seis centavos, isso sim!
B: vinte e seis então.
A: vinte e seis mesmo.
B: vinte e seis centavos.
A: com vinte e seis acabou a negociação.
B: trinta e três e vinte e seis.
A: trinta e três reais e vinte e seis centavos.
B: quinhentos e trinta e três reais e vinte e seis centavos.
A: quinhentos e trinta e três e vinte e seis logo pago lhe.
B: é. quinhentos e trinta e três e vinte e seis centavos pague me logo.
e assim por diante etc.
postado em 4 de agosto de 2018, categoria prosa / poesia : metade, negociação, séries, zenão de eléia
em introdução à filosofia da matemática, bertrand russell escreve (zahar, 2007, p.46-7):
Quem já observou um trem de carga começando a se mover, terá notado como o impulso é comunicado com um solavanco de um vagão para o seguinte, até que finalmente o último vagão leva bastante tempo para se mover. Se o trem fosse infinitamente longo, haveria uma sucessão infinita de solavancos, e nunca chegaria o momento em que o trem inteiro estaria em movimento.
certo, mas
- se estamos a observar alguns vagões do trem infinito, em algum momento eles vão se mover, a menos que o trem não tenha começo. mas se ele não tem começo, não haverá como certificar que ele começou a se mover se estiver aparentemente parado.
- se estamos a observar o primeiro vagão, então veremos ele se mover, e todos os outros que seguem se moverem, até o momento que nos preocuparemos com coisas de outro tipo. de fato, o trem será inteiramente móvel, conquanto olhemos para ele, ou sigamos o trilho no sentido contrário.
- se estamos a observar o último vagão do trem, então esperaremos muito que ele nunca se mova, e no todo, ao percorrer o trem, devemos percebê-lo como inteiramente imóvel (exceto pelo fato de que ele é infinitamente imóvel, seguindo o trilho para frente).
- se o trem é composto de vagões cada vez menores no seu meio e depois cada vez maiores em suas pontas, como no exemplo de “falta de ancestralidade” de russell = {-1, -1/2, -1/4, -1/8, …, 1/8, 1/4, 1/2, 1}, então é fato de que fora do tempo há um zenão ocorrendo. mas dentro do tempo, ou seja, em nós, não percebemos as divisões cada vez menores nem de tempo nem de espaço, muito menos o vagão vazio, que passará desapercebido.
postado em 5 de dezembro de 2015, categoria comentários : bertrand russell, infinito, matemática, movimento, trem, zenão de eléia
uma das questões que me atormentava quando eu estava aprendendo a tocar piano, por incrível que pareça, era se era realmente possível tocar duas notas ao mesmo tempo. de algum modo, entre a chamada pré e a própria adolescência, me parecia que, por mais que eu tentasse, era altamente improvável, para não dizer impossível, que elas coincidissem em um ponto temporal, dado que o tempo se dividia infinitamente, ou melhor, infinitesimalmente. talvez isso fosse uma versão precoce minha para o que eu lembrava como o conto de aquiles e a tartaruga, mas como eu sentia que isso era uma questão séria, eventualmente olhava para os meus dedos, a priori impedidos de qualquer precisão maior. a peça número 71 do mikrokosmos vol. 3 que o diga.
postado em 13 de fevereiro de 2015, categoria crônicas : aquiles e a tartaruga, béla bartók, mikrokosmos, piano, triades, zenão de eléia