o artista como acontecimento

há algo de profundamente romântico na visão de william gibson sobre uma certa categoria de personagens. o artista como acontecimento precisa estar tão imerso no fazer a ponto de não se importar com a obra, com as conexões, com a difusão. ele é um agente da vontade, uma força da natureza: um robô lixeiro, uma menina cataléptica. ali, há uma confluência entre imagens do inconsciente, outsider art e o capital. é como se nise da oliveira tivesse de operar clandestinamente; teríamos acesso apenas a raros quadros misteriosos, aqui e ali. mas não temos o ponto de vista do artista – apenas do capitalista que quer caçar esse tesouro vivo – a intencionalidade cujo elemento humano é sublime – ao mesmo tempo nosso e estranho. sedutoramente estranho. pois haverá muitos a sonhar com a esquizofrenia, o robô lixeiro, a catalepsia.

[dos rascunhos, janeiro de 2013]


postado em 13 de setembro de 2024, categoria comentários, livros : , ,

ideia para um museu

1. em “território fantasma”, william gibson fala de um contêiner cheio de dinheiro sujo, esperando por uma oportunidade de lavagem. enquanto está a esperar, é deslocado de navio em navio, no mar, nunca ancorando. as posições dele são monitoradas por um sujeito que, entre outras coisas, presta serviço para um artista de arte locativa – ele programa roteadores secretos que projetam virtualmente imagens em locais públicos. algo que poderia apenas ser visto com o “google glass” antes do google glass, um dispositivo DIY pré-mercadológico.

2. na exposição do kandinsky no ccbb bh (que aliás, continua sem pagar o dinheiro de apresentações que lá fiz em janeiro), aquele brinquedinho imersivo sem graça, no térreo. mergulhar em uma realidade virtual de cores, um peixe para as formas.

3. eu já não sou um apreciador de kandinsky, acho-o um pintor grosseiro – comparemos com um pavel filonov ou um kasimir malevitch ou com não-pinturas de um el lissitsky. na verdade, eu acho o trabalho de posters sovietes mais interessante e melhor executado, por exemplo, embora sem as preocupações musicais (e em se tratando de preocupações musicais, o suprematismo as tem em melhor forma e certamente paul klee também, na alemanha).

4. gibson, ao explicar porque seus últimos três romances não se passavam em futuros distópicos, como todo o resto dos seus romances e contos anteriores, respondeu: “o futuro é agora, o futuro já está aqui, apenas desigualmente distribuído”.

5. um ex-kgb, muito puto com os donos do contêiner, armou um modo de contaminar o conteúdo com césio, de modo que eles não o percebessem. dinheiro marcado, mas apenas para dectetores de radiação.

6. um museu não precisa mais do que roteadores e celulares, projetores e superfícies, alguns móveis. mapping e esculturas virtuais. sensores e passeios por zonas temporárias.


postado em 14 de julho de 2015, categoria comentários : , , , , , , , , , , , , ,

reconhecimento de padrões: brasil

Em Reconhecimento de Padrões, de William Gibson, Parkaboy manda um e-mail para CayceP (p.107, Aleph, 2011).

(…) Sabia que o Papa é um fã do filme? Bom, talvez não o Papa, mas tem alguém no Vaticano que está exibindo os segmentos. Acontece que lá no Brasil, onde as pessoas não fazem muita distinção entre TV, Internet e outras coisas, existe uma espécie de culto ao filme. Ou não exatamente um culto, mas um desejo de queimá-lo, já que aquele pessoal analfabeto mas que consome vídeo em quantidades industriais acredita que o nosso autor é o Diabo em pessoa. Muito estranho, e aparentemente foi emitida uma declaração, para esses brasileiros, de Roma, dizendo que cabe ao Vaticano e ninguém mais dizer quais trabalhos são os trabalhos de Satã, que a questão do filme está sendo examinada, e nesse meio-tempo não mexam com a franquia. (…)


postado em 18 de janeiro de 2014, categoria excertos : , , , , , ,