os cortes nas artes em tempos de crise

parece que uma vez identificado que se está “em tempos de crise”, há uma corrida institucional para cortar certos tipos de financiamentos. em geral, esses cortes não parecem ser planejados de acordo com uma racionalidade econômica efetiva ou de acordo com um plano social coerente. em uma batalha por verbas, é muitas vezes verdade que o elo mais fraco perde, e que aqueles que perdem tendem cada vez a perder mais. mas me ocorreu que os cortes nas áreas artísticas e de cultura, áreas cujos orçamentos já são reduzidos e que em instâncias não impactam de modo relevante na soma total das contas, possa ter também outro tipo de significação. pois não terá esse tipo de corte, que se espalha de modo quase-epidêmico, um valor simbólico e uma efetividade especial no âmbito do enxugamento dos orçamentos?

penso que os gestores podem ter percebido que, ao cortar no financiamento artístico, cortam muito pouco em termos de montante, mas com isso já geram comoções cujo tamanho e visibilidade são suficientes para que a ação tenha valido a pena – com um mínimo de alteração efetiva, provocam um máximo de sensação de ação. como se os protestos e as acusações que seguem pudessem servir de bode expiatório para o fato de que não se corta de maneira racional nem segundo uma lógica de bem estar social, mas muito menos de uma maneira que lide com os problemas orçamentários reais. e a dupla valoração da arte a isso contribui da seguinte forma: seu valor humanista é muito grande – ela motiva defesas acalouradas; entretanto seu valor mercadológico é muito pequeno, de modo que eventos e iniciativas inteiras podem vir a extinguir-se em meio a falta de continuidade de aporte. seu valor total é sempre incerto, a oscilar entre um alto valor ideal, entre o estético e o ético, e um valor real baixo, de uma vontade de investimento baixa e efetividade duvidosa.


postado em 2 de novembro de 2017, categoria comentários : , , , , , ,

o presente do grou

a muito tempo atrás, mas nem tanto, um grou estava com a perna quebrada. um velho o achou e socorreu, levando o para casa. então, ele e sua esposa o alimentaram e cuidaram de seu ferimento, até que este melhorasse. para agradecer a hospitalidade, antes de partir, o grou deixou como presente um pote com suas fezes.

(aqui, a história é outra pois) os velhos, felizes ao ver o cocô e não mais o pássaro, logo pensaram: sim, é o segredo da juventude, o cocô do grou. mas como durante toda a estadia o grou não conversara nada com eles, e sabe-se que grous mágicos falam, decerto sabia que esperávamos isso dele – um cocô mágico, para passar-nos a cara. ao diferenciar retribuição de recompensa, deu nos um cocô ruim, sem magia, que não vale de nada esfregar no rosto.

então, rapidamente decidiram levar o pote para o terraço e o secaram. em seguida, fizeram do estrume seco um perfume. envasaram-no em frascos, com os dizeres “elixir da juventude”, e puseram-se a vende-los.

como venderam muito, gastaram muito. mas não satisfeitos, logo adotaram um filho, pois sabiam que a herança ia ser farta.


postado em 29 de janeiro de 2017, categoria histórias : , , , , , ,