subcomandante marcos

em virtude da ocasião fúnebre, li um comentário elogioso de beatriz preciado sobre a estratégia de desprivatização do nome próprio realizada pelo ezln (exército zapatista da libertação nacional). o anúncio da morte de marcos, o grande guerrilheiro do século xxi, após 20 anos de comando, levou também a elocubrações sobre o caráter holográfico de sua existência, além de palavras de esperança sobre o insurgente galeano. o comunicado oficial dos zapatistas pode ser lido aqui.

em 2005 participei de um evento da rádio muda em que várias rádios, incluindo uma que o fazia do estado de chiapas, se retransmitiram. na ocasião também, além de uma apresentação da minha acabada banda “henrique iwao & a incrível máquina de ei você não pode fazer isso”, circulou o livro de guilherme gitahy de figueiredo “a guerra é o espetáculo – origens e transformações da estratégia do exército zapatista de libertação nacional”.

uma coisa sempre me fascinava. o sub, de subcomandante. porque ninguém está de fato no comando. ou então: todos.


postado em 27 de junho de 2014, categoria comentários : , , , , , ,

Quizéé Anssim, perguntas a Paulo “Juju” Loureiro e Camilo “Plâncton” Caropreso

Perguntas realizadas através de mensagem eletrônica, por <veetbhram@gmail.com>, em 19 de maio de 2012. Em 01 de junho, Camilo Caropreso mandou uma gravação, em que respondia as perguntas. No dia seguinte, me encaminhou respostas redigidas por Paulo Loureiro.

Perguntas e organização final por Henrique Iwao. Transcrição e revisão por Sofia Betancor.

Oi Camilo. Primeiro eu gostaria de dizer que ouvi durante bastante tempo seu programa de rádio. Você pode falar sobre coisas básicas, como: qual o nome do programa, por quanto tempo durou ou dura? Se houve períodos de pausa etc? Quando era, de que horas até que horas, quem eram os programadores? Ele sempre foi na rádio Muda (no antigo 105.7)?

O programa sempre foi uma parceria entre eu e meu colega, Paulo Juju, vulgo Paulo Sokobauno. O Juju começou o programa bem antes de ele me chamar para fazer o programa junto com ele. Acho que em 1997, ou 1998, que ele começou a fazer o QUIZÉÉ ANSSIM NUM QUIZÉÉ ANSSIM TUMÉM. Ele até tem uma história, é um conto louco, longo, sobre como surgiu esse nome. Mas o programa começou mais ou menos em 1997 ou 1998 e eu me juntei a ele em 1999.

Naquela época eu já estava na Rádio Muda há pouco mais de um ano e eu fazia um programa de música pesada, estava num momento meio metaleiro. Um belo dia ouvi o programa dele, depois ele ouviu o meu, tivemos alguns gostos musicais que se cruzaram; ele gostava muito de tocar aquela banda alemã, o Rammstein, e ele me chamou para fazer o programa com ele. Já tinha essa proposta bem sokobáunica, o Juju fazia artes cênicas e pegava muita coisa que ele experimentava durante as aulas, e começou a aplicar no rádio.

No começo eu não tinha intimidade com esse lado mais performático, eu gostava mais era de ouvir o som, não me dava muito bem com o microfone. Enfim a gente começou a fazer o programa junto e acabou se dando bem. Sou de Barão Geraldo, nasci e cresci em Barão, o período que eu fiz o programa foi entre 1999 até 2008. Nesse tempo teve alguns hiatos, que eu passei dois, três anos fora, morando aqui no norte, no Amazonas, trabalhando, mas para a gente o programa continua. Tanto é que no final do ano passado, em dezembro, eu fui na Rádio Muda, fiz o programa e tudo o mais.

Os programadores eram eu, Camilo Caropreso, e o Juju, Paulo Loureiro Júnior, o Sokobauno. Ele sempre foi na Rádio Muda, mas a gente já fez outros tipos de rádio, rádio-performance, radioarte, em outros contextos que tinham muito a ver, que toda a essência veio do programa da Rádio Muda; a gente tocou na Virada Cultural, já tocou no Sesc, até mais ou menos 2004, 2005, que eu trabalhava como Dj, tinha toda uma influência do programa.

Ele sempre foi na segunda-feira, na faixa das 20h às 22h ou das 22h às 00h, teve um período que foi das 00h em diante.

Você pode falar um pouco sobre o formato do programa?

A gente chama de rádio-performance, é um programa diferente dos formatos de programas de rádio usuais, que você toca uma música, depois outra, e fala o nome da música, o nome do disco que tocou, nessa sequência. É como se fosse um jazz radiofônico, a gente sempre deixou em aberto o que iria acontecer nunca sabia o que ia contecer, na verdade. O formato básico do programa, a técnica básica, é o que a gente chama de esquizofonia, que é basicamente você tocar várias músicas ao mesmo tempo. Mas não tocar várias músicas ao mesmo tempo a troco de nada. Como uma orquestra tem vários instrumentos, a ideia era que cada música fosse um instrumento diferente, que cada música complementasse a outra e isso virasse uma música só.

A gente refletia, meditava bastante e evitava certos tipos de combinações. Por exemplo, se colocasse dois sons de punk rock, duas baterias tocando em tempos diferentes ao mesmo tempo, fica horrível. Então a gente procurava pegar as músicas, colocar três, quatro, cinco, no máximo seis músicas. Fazia com que cada música preenchesse o vazio que a outra deixasse. Por exemplo, você pegar um concerto de violão do Villa-Lobos junto com música eletroacústica e no meio você põe alguns cânticos indígenas; ou até mesmo som ambiente, que eu gosto muito de gravar pois trabalho com meio-ambiente, sempre viajo muito aqui pela amazônia; gosto muito de gravar o som na beira do rio, do riacho, de noite, o som da mata, enfim.

Como surgiu a ideia de fazer um programa de uma música só? Ele sempre teve esse formato, várias músicas misturadas, uma grande mistura musical, uma grande colagem, com intervenções poéticas/vocais/guturais? Como chegou neste molde?

A coisa foi surgindo no andar da carruagem. A gente foi criando essa proposta, a Rádio Muda permitia você ter essa liberdade total para construir um tipo de programa assim. Sei que a gente começou a fazer esquizofonia, começou a gostar, gostar cada vez mais e mais e de repente a gente não sabia fazer outra coisa além disso, dentro da rádio, pensando no lado musical. Mas sempre nesse sentido, em que a gente fazia um programa de uma música só, com várias músicas, e cada música ia complementando o espaço que uma outra música deixava. A gente evitava, como te falei, deixar coisas muito pesadas junto. Eu, o Juju não, ele gostava de coisas mais carregadas.

Mas a gente fazia isso, nesse sentido de as músicas se complementarem e acabarem virando um som só. Tanto é que tem vários casos de colegas, de pessoas que ouviam e perguntavam o que estava tocando, de onde tirou a música, de onde surgiu e eu perguntava “que parte você ouviu? Foi assim, foi assado?” e eu falava que não era uma música só. Basicamente foi isso.

O Juju já estava nesse trem, nessa viagem, e eu acabei entrando, a gente acabou construindo isso junto. Eu arrisco a dizer que se o programa teve algum formato diferente foi bem lá no começo, quando o Juju fazia o programa sozinho. Desde que eu estou junto o programa sempre teve esse formato, de rádio-performance, de radioarte, de esquizofonia, uma grande mistura musical com essas intervenções poéticas vocais e guturais.

Posso dizer no início que o impulso veio em grande parte do Juju. Naquela época ele fazia artes cênicas, ele é ator, e tinha uma pesquisa; estudava muito texto de teatro, alguns professores dele que o ajudaram e dirigiam tiveram uma influência. Ele gostava muito de algumas coisas bem góticas, bem obscuras do teatro, do Heiner Müller por exemplo que é um teatro bem pesado. Então essa influência poética, vocal e gutural que você fala veio no começo muito da parte dele, como te falei, eu entrei nesse bonde. E acabei gostando da história.

Essas intervenções também, muita coisa eram textos que ele trazia. Mas depois com o tempo a gente começou a produzir e escrever as nossas coisas, e performar em cima disso. Até ouvindo uma música em casa, me dava uma inspiração, eu pegava um caderno, começava a escrever e começava a pensar que combinava com tal música, e a gente ia testando. Tem várias performances, com textos que eu escrevi e o Juju também, que a gente testava várias vezes, apresentava várias vezes, repetidamente, porque a gente gostava de fazer.

Quando você ou o Paulo faziam as colagens, havia um plano? Há coisas que vocês gostavam mais, coisas que priorizavam? Havia modos de se fazer ou preocupações específicas? Modos de fazer que eram mais interessantes? Como era operar o equipamento nessa mistura, você se guiava por quais fatores?

Não tinha um plano pré-concebido. O que havia era que boa parte das vezes tinha algumas coisas que a gente separava, textos e músicas, que a gente gostava de usar como ponto de partida. Além dos textos que eu fazia, das coisas que o Juju escrevia ou pesquisava, havia também algumas músicas que a gente gostava de ouvir, de performar, a gente usava isso como ponto de partida. Iniciado esse processo de performance acabava vindo muita coisa do improviso. Tanto do que a gente falava até do que a gente tocava. Uma hora a gente experimentava uma combinaçã de três ou quatro músicas, outra hora a gente mudava isso.

Se tinha prioridade nesse processo? Na verdade não tinha prioridade nenhuma, o próprio processo de colagem sonora, o próprio processo esquizofônico é que era prioridade. Preocupação específica, pela parte do Juju, não havia; eu tinha um pouco de preocupação, que eu não gostava muito de determinadas misturas, que para o meu ouvido ficava um pouco carregado. Como por exemplo você pegar dois sons de rock’n’roll, hardcore, e colocar ao mesmo, eu acho insuportável dependendo da ocasião, do seu estado de espírito. Então eu tinha esse preocupação em não fazer a coisa muito inaudível; já o Juju não, ele gostava de chutar o balde.

Você pergunta que modos de fazer eram mais interessantes. Sempre foi interessante. O que a gente gostava era de usar efeito na voz, usar um flanger, um wah wah, um delay. Essas coisas a gente gostava muito de fazer e, quando tínhamos essa oportunidade, pegávamos pedaleira emprestada de amigos, eu mesmo comprei um pedalzinho de flanger, tinha um mixer na Rádio Muda foi o primeiro mixer recente que compraram, em 2000, que tinha eco. Isso a gente achava muito legal de fazer ao vivo, fazer o programa com efeito na voz, acrescentava muita coisa além de toda a música que já estava rolando.

Sobre como operar o equipamento, era um jazz. O programa era um grande improviso e com o equipamento era mais ou menos assim. Tinha hora em que eu estava lá mixando as músicas, o Juju abria o microfone e começava a performar, e eu ia junto. Tinha horas que trocava, eu pegava o microfone, ele começava a performar com o mixer, com o som, e a gente nunca sabia onde ia chegar.

Geralmente os equipamentos que a gente usava na Rádio Muda eram dois aparelhos de cd, duas pick-ups, techniques, para a gente poder fazer também scratch e tudo mais, e dois microfones, o ideal que tivesse efeito em cada um. Tudo isso era feito ao vivo, a gente nunca foi pelo lado de preparar alguma coisa ou de editar no computador, apesar de ter milhares de possibilidades. A gente até fez um curso no IA sobre isso, mas preferimos fazer sempre tudo ao vivo, com esse equipamento. De um tempo para cá na Rádio Muda instalaram um computador; ou eu trago meu laptop e faço seleções nele. Mas é basicamente esse o equipamento.

O que te atraiu para fazer rádio? Há alguma relação entre o meio e o fato de você ter enveredado numa prática de colagens musicais no seu programa?

Nada disso seria possível se não fosse a Rádio Muda. A Rádio Muda é o grande motivo que nos permitiu fazer esse tipo de programa, ter esse tipo de pesquisa, chegar onde a gente chegou. Porque é uma rádio livre, não é uma rádio comercial. Dentro da rádio, enquanto programador, você tem uma liberdade muito grande, você não tem de estar preso nesse formato de rádio comercial, principalmente em programa musical, de uma música depois da outra, não tem jabá. Isso acabou nos permitindo a construir o programa do jeito que ele foi, por causa da liberdade.

Sobre relação com o meio: como te falei, a relação é total. Se nós não estivéssemos numa rádio livre, se a rádio não tivesse nos possibilitado esse tipo de experimentação, a gente não chegaria onde chegou. Era muito legal saber que havia uma troca, tinha um lado de lá, enquanto a gente estava emitindo uma mensagem, uma energia do estúdio, tinha os receptores. E havia a troca, tinha amigos, colegas, às vezes até do nada surgia um “ah, você que fica gritando ‘sokobauno’”, “você que é o sokobauno”, “ouvi, achei bacana, gostei”; ou o contrário, tinha gente que achava insuportável. Tive algumas namoradas por exemplo que não conseguiam digerir. Eu gostava de ouvir em casa, desde as gravações do programa até coisas que eu tocava nele, que eram muito pesadas para as namoradas e amigos, colegas de república.

Uma coisa legal é que a gente gravava todos os programas, a gente tem todos gravados, a maioria em fita cassete.

Existe algo específico nessa prática de colagem musical que você achava especialmente pertinente? Alguma relação com o movimento de rádios livres, de desestabilização do que é familiar?

Como é uma rádio livre, e não te impõe limitações, foi possível todo esse movimento de experimentação. Pegamos o formato de rádio e viamos de ponta-cabeça, demos uma surtada em cima disso.

Acho que a relação do movimento de rádios livres é direta com isso, com essa questão da liberdade de fazer e experimentar. Eu fico muito triste que no movimento de rádios livres haja toda uma questão, uma demanda com a liberdade de expressão, toda uma posição de enfrentamento com essa política escrota da Anatel, do ministério das comunicações, de acabar com as rádios livres, com as rádios comunitárias e tudo mais; que haja todo esse questionamento mas, dentro do movimento de rádios livres, não tem muito essa reflexão em cima do meio, do rádio, do que fazer com o rádio, de onde você está e onde quer chegar.

Há toda uma mobilização diante da liberdade de expressão em favor das rádios comunitárias e livres, mas acho que o movimento de rádio livre não tem pensado muito com relação ao que fazer dentro do meio. Não conheço quem levante essa bandeira de autorreflexão, de buscar novas formas de comuicação através do rádio, de experimentação, de radioarte. Dentro da Rádio Muda nessa época do Quizéé Anssim, a gente pode citar outros programas que eram experimentais; como era o programa do meu colega, o Guilherme, vulgo Cérebro Aquático; tinha o programa do Batata Cantante, Os Antropoides, que era de um rapaz que durante muito tempo tocou para frente muita coisa da Rádio Muda, o Mirco.

Depois de um tempo a gente até parou de usar essa expressão, “experimentalismo”, e cunhou essa expressão de radioarte; que é esse lado artístico da expressão radiofônica. Como disse, acho que no movimento de rádios livres não há muito essa preocupação sobre arte e rádio.

É possível traçar uma genealogia para Sokobauno? De onde surgiu este grito? Aliás – pode-se considerar um grito de guerra ou grito de liberdade? Não conheci o Paulo, mas ele ainda costuma usar o nome Paulo Sokobauno, assim como você usava o nome Plancton?

O papo é longo. De onde vem o Sokobauno… O Juju fazia cênicas e nas pesquisas ele trombou com vários textos, sonatas, do movimento Dadá, do começo do século XX, década de 1910, 1920. Sokobauno é uma sonata dadaísta, tecnicamente falando. Vem de uma sonata dadaísta de um poeta suíço chamado Hugo Ball. É uma sonata dadá, cada pessoa que lê vai ter um entendimento diferente, por ser dadaísta, já subtende-se que não há uma preocupação em que a pessoa que receba a mensagem tire uma determinada conclusão, o receptor é que deve tirar suas próprias conclusões, independente da vontade inicial do emissor.

Então esse termo veio dessa sonata dadaísta, que nem tem esse nome. A sonata começa assim: “Sokobauno, sokobauno, sokobauno / schikander, schikander, schikander / as lixeiras estão engordando”. É a primeira estrofe da sonata.

O grito surgiu não sei de onde. A primeira vez que o Juju gritou ‘sokobauno’ eu não fazia ainda o programa com ele, eu não sei o que ele estava sentindo no momento, qual era seu estado de espírito, como ele estaa reagindo; mas com certeza tem muito de rebeldia nesse grito. Muito de rebeldia, de grito de guerra, de liberdade, de desabafo, de a gente querer cutucar as pessoas. Várias pessoas inclusive quando ouviam o programa reclamavam “pô, estava legal até tal hora, aí você meteu o som do Morphine e começou a gritar aquele sokobauno, desliguei o rádio”. Tinha gente que não suportava. Mas era para isso mesmo, para cutucar, para levantar a poeira.

Minha relação e do Juju sempre foi meio yin-yang. O Juju gritava sokobauno e eu gritava sokobauno em resposta. Mas a coisa não tinha pegado. Em 2000, 2001 eu fui num Enearte de carona com o pessoal das artes. Fomos lá pra São Luís e depois, com minha namorada na época, fui dar um passeio para os lados dos lençóis. E ali tem toda uma dinâmica de ecossistema diferente do que estamos acostumados aqui no sul e sudeste, de praias. A maré lá, quando abaixa, abaixa 2, 3km, você vê aquela praia enorme, aquele banco de areia enorme. E quando sobe, sobe muito rápido. De noite, em especial em lua cheia, a água brilha por causa dos plânctons. Isso me marcou muito, esses plânctons na água, em várias situações. Foi uma viagem muito bacana.

Depois que retornei, num belo dia o Juju mandou o sokobauno‘ e eu respondi ‘plâncton’, e incorporei como meu grito de guerra no Quizéé…; mas nesse sentido bem yin-yang. O Juju, a personalidade dele, o gosto musical dele, a influência dele no programa sempre foi essa coisa mais sokobáunica, mais obscura, mais pesada e gutural, uma coisa mesmo para incomodar. E eu sempre fui uma coisa mais planctônica, mas colorida, mais derretida, às vezes mais suave, mais lúdica. Mas claro, ele sempre sem esquecer do lado planctônico dele, e eu sem esquecer meu lado sokobáunico. Tem muito a ver com essa coisa taoísta, masculino e feminino, calmo e intranquilo.

Você tem textos, e outros materiais sobre o programa, que poderia me passar? E gravações que possa me passar em wav, mp3 ou ogg?

Basicamente é isso, se você tiver mais indagações é só me escrever. Vou te passar os linques também, estamos abertos.

 

Paulo Loureiro respondeu às mesmas perguntas, em 2 de junho de 2012.

 

Qual o nome do programa?

QUIZÉÉ ANSSIM, NUM QUIZÉÉ ANSSIM TUMÉM.

Meu interesse por rádio é hereditário, meu pai já foi locutor de rádio em Araçatuba, interior de São Paulo, no começo da rádio, por aquelas bandas. O diretor da rádio Araçatuba na época era então o Bolinha, lembra? Do programa da Bandeirantes. Meu tio também era locutor e cronista da rádio.

Fui muito influenciado pelo Mirco Z, programador de Os Antropoides, programa da Muda na época; participei de alguns programas e por fim tive vontade de fazer um meu na Muda.

Quando comecei o programa, em 1997 tinha, vontade de fazer um programa de radioteatro. Meu primeiro parceiro foi Gustavo Palma, colega de artes cênicas, curso que fiz na Unicamp. Na época andávamos muito com o pessoal do elenco da Boa Cia., de Barão Geraldo. Eles compareceram na inauguração e durante o programa o Momo (o ator Moacir) contou uma máxima do avô dele que era assim: “meu filho, às veiz as coisa tá runha, as veiz as coisas tá boa, mas se quisé é assim… se não quisé é assim também”. Nessa hora tive a ideia de usar como nome, pois ainda não tínhamos um, então ficou “SE QUISER É ASSIM, SE NÃO QUISER É ASSIM TAMBÉM”. Eu estava no segundo ano de cênicas, sexto de Unicamp (fui engenheiro antes).

Com o passar dos anos sofri influência pesada dos poetas concretistas (Haroldo, Augusto, Décio) e das obras que eles traduziam (J. Cage, G. Stein, E. Pound, E.E. Cummings etc). Também havia entrado de cabeça na performance como linguagem teatral, o que me levou a estudar semiótica, que por sua vez me levou a ouvir coisas estranhas (Cage, Stockhausen, Varèse etc). O nome evoluiu junto com o programa, que deixou de tentar ser ser radioteatro pra ser experiência de não-comunicação, ou sei lá o quê, tipo esquizofonia!

Passou a se chamar QUIZÉÉ ANSSIM… NUM QUIZÉÉ ANSSIM TUMÉM. Acho que dá para entender.

Por quanto tempo durou/dura (se houve períodos de pausa etc), quando era, de que horas até que horas?

Se minha memória confusa me permite, acho que foi de 1997 até 2007 ou mais. Quando parou, apenas o Camilo fazia; eu vim para São Paulo em 2000, passei a não poder continuar sempre, foram rareando minhas aparições, e por fim ele manteve o programa sozinho acho, que até 2007 2008. Ele deve saber melhor isso que eu.

Mas para nós é um sonho, uma experimentação de linguagem que norteia nossas vidas até hoje. Ainda continuo a produzir, ora usando material dos antigos programas, ora procurando evoluir daquelas experiências para o mundo digital, usando o Sony Soundforge e Vegas. Ainda posto coisas no Sound Cloud e ainda vamos produzir um podcast e continuar a incomodar e provocar com muita esquizofonia pela web.

Não me lembro de períodos de pausa, a não ser nas férias. Essa parte eu fumei. Acho que começou de segunda às 23h ou 22h, não lembro. Mas com certeza sempre foi de duas horas, uma vez por semana, sem interrupção, acho que quase sempre às segundas, depois quintas, e quase sempre no período noturno por volta das 23h.

Por vezes fazíamos mais de uma vez por semana para cobrir buracos na programação, e algumas vezes mais de duas horas porque o programador do próximo horário não aparecia.

Nessa época levávamos a bandeira das rádios livres com muito fervor, sempre que podíamos estávamos na Muda, interferindo ou fumando uns.

Quem eram os programadores?

Os programadores que fizeram do Quizéé… o que o Quizéé… foi, é e será, são Paulo Sokobauno (Juju), eu, e Camilo Plancton (Veet). Mas não poderia deixar de citar todos que fizeram parte da história do Quizéé…, ou pelo menos interferiram muito nela, e tiraram dele todo o potencial que tinha; listando:

  • Paulo Loureiro Junior (ou Paulo Sokobuano): eu. Fundador, criador, mantenedor, diretor, o louco que primeiro que sonhou o esquizo como fonia.

  • Gustavo Palma (ou Gustavo Sol): Permaneceu apenas seis meses, quando o sonho ainda era radioteatro. Sem ele eu não teria começado, foi dele a ideia de pegar um horário na Muda.

  • Mirco Z: Que na verdade era um dos grandes agitadores da Muda na época, me iniciou nas músicas esquisitas como minimalismo, concretismo, música étnica e tudo quanto é tipo de novidade. Esteve presente como programador convidado quase até aparecer o Camilo. É o responsável por eu me tornar esquizo e fônico, e programador de um dos melhores programas da Muda, Os Antropoides, que veio a ser o nome de meu grupo de performance e pirofagia na mesma época.

  • André Batalha: Foi um achado do Mirco, e quem trouxe as novidades contemporâneas musicais pra nós. Foi quem nos fez ouvir Pierre Schaefer e o concretismo musical, depois os movimentos de música eletroacústica, serialismo, minimalismo, música étnica, Varèse, entre muitos outros. Esteve presente comigo no programa por pelo menos um ano ou mais. Ele me falou de John Cage e outros. Um completo alucinado com uns óculos fundo-de-garrafa que nos torceu os ouvidos, graças a deus!

  • Camilo Onabomber Placton: Dispensa comentários, pois herdou o Quizéé… e o levou sem minha presença, tornando esse programa maior do que eu, ele e todos.

  • E u s é b i o: Além de fora da casinha e mesmo sem entender nada do que estava sendo feito, esteve por muito tempo conosco no programa, tornando-se uma das maiores fontes de absurdos inesperados, contrapontos abusivos, não nos permitindo manter o planejado mesmo que quiséssemos. Mais uma fonte inesgotável de acaso do que um programador, mas não poderia deixar de citá-lo.

Não posso deixar de mencionar os Batatas Cantantes, Thiagão e Thiaguinho, quase sempre presentes, além de nos terem trazido Deleuze e muitas outras coisas.

Espero não ser injusto com ninguém. Mas, sabe, essa parte da memória é afetada pelo uso de substâncias químicas de distorção da realidade ou alucinógenos dos mais diversos tipos que sempre fizeram parte da história do Quizéé…, pois estávamos sempre sob o efeito dessas substâncias narcóticas. Podemos dizer que elas também são programadoras do Quizéé…, pois muito influenciaram os meninos que usavam os microfones e colocavam as agulhas pra tocar.

Vale lembrar que sempre foi um programa visitado. E muito visitado. Todos que pela Muda passaram, durante o programa eram forçadamente voluntários, quisessem ou não: tínhamos de fazer jus ao nome. Tivemos desde entrevistas até dançarinas participando do programa, e até um striptease ao vivo. É claro que também fizemos música ao vivo. Talvez o melhor fosse perguntar o que não fazíamos.

***

Conheci Camilo num dia que ele, Thiagão, Thiaguinho e Breno foram fazer um programa que começava depois de Os Antropoides, se não me engano. Não nos falamos.

Passaram anos, até que um dia ele apareceu no programa. Já era outra pessoa, muito diferente do moleque que eu tinha visto. Disse que gostava do Quizéé…, o que para mim era surpresa, nunca ninguém tinha dito isso. Disse que viria no próximo e voltou, no próximo e no outro, e no outro e assim por diante. Foi quem mais absorveu as ideias esquizofônicas, quem mais apostou na nossa loucura de linguagem e o grande divulgador da esquizofonia. Se eu sou o criador-fundador, ele é o quem difundiu, evoluiu e transformou o Quizéé…

Pode-se dizer com certeza que os programadores, criadores, sonhadores, fundadores do Quizéé… são Sokobauno e Plâncton. Depois, os outros.


postado em 9 de dezembro de 2012, categoria Uncategorized : , , , , , , ,