cachaça

meu vô dizia: banana, bom. potássio, memória. salada. bom, sistema digestivo. exercício. bom: força, saúde. livro, bom. cabeça pensa. e arrematava enfaticamente: cachaça. bom, muito bom.

cachaça. bom. muito bom.

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a qualidade da cachaça não se encontra subordinada a uma função. a cachaça é a vitória contra o mundo do trabalho e do bem estar equilibrado. muito, concentra o bom. é o bom em si. a cachaça provoca o bem. entretanto, é preciso disciplina. acordar cedo. praticar a arte da inversão, meditando com a cabeça abaixo. e o capinar errático. só depois, então, o bar.


postado em 27 de novembro de 2019, categoria aforismos, citações : , , ,

o tempo da composição

passei 8 anos construindo uma música. ficou melhor, mais impressionante, mais satisfatória que outras? não. é verdade que é possível que o tempo transpareça, quem sabe. mas ficar dois dias ou mais de 500 horas fazendo algo pode não estar correlacionado com quesitos de qualidade, porque esses quesitos são estabelecidos em relação à consistência própria do construído. o período de trabalho e a perseverança estabelecem paralelos, não muito mais que isso. uma vez, quando estudante, demorei 13 meses para fazer uma música eletroacústica que, após primeira audição, guardei para nunca mais tocar. então a questão seria muito mais se vale a pena fazer o tipo de música que demora meses ou anos para ser feita, sendo sua qualidade, tal como em outros tipos, incerta.


postado em 14 de maio de 2017, categoria comentários : , , , , ,

interstício

1. no conto “a cor que caiu do espaço”, de h.p. lovecraft, há momentos em que o alienígena parece se manifestar como qualidade e não como substância. em um texto sobre o conto, kate marshall reforça essas perplexidades: a percepção dessa adição (do estranho), quando entre a vigília e o sono, mostra algo que não pode ser nem verdadeiro nem falso (pois não-verificável).

2. imaginemos um outro ser espacial, que ocupa os entre-espaços de um objeto, mas de forma miraculosa, no próprio objeto, de forma a se movimentar sincronizando e dessincronizando seus estados de interstício com outras formações corporais. não seria possível falar de hospedeiros. mas haveria uma certa rigidez repentina, um sentimento de estafa, dispnéia, uma tensão a mais.

3. deleuze aponta que, para leibniz, o fundo do espírito é sombrio e exige um corpo. extrapolo aqui: quando as pequenas percepções estão no limiar de sua ampliação, ocorrem relances, percepções vagas, formas de passagem desajustadas. é aí que se alastra o horror da transformação (deformação).

4. meus poros formam labirintos. o oco do meu interior é meu exterior. na cyclonopedia, reza negarestani fala de nemat-spaces – espaços de nematóides.

5. expresso primeiro um mal estar, ânsia, enjôo. em seguida, isso toma corpo:começo a estranhar aqui e ali movimentações suspeitas em mim. finalmente, das minhas narinas caem vermes.

6. penso minha casa, em sua relação com as formigas, mais ou menos assim. as paredes são espaços ocos de comunicação com as forças insurgentes.


postado em 25 de outubro de 2016, categoria comentários : , , , , , , , , , , , , , , , ,

grama

a grama dos outros é realmente sempre mais verde. a questão é saber se a melhoria em qualidade faz parte da gramática da palavra “outros” ou da palavra “verde”. comparem:

a. a grama dos outros (é mais verde).

b. a grama é verde (a dos outros).


postado em 9 de março de 2015, categoria aforismos : , , , ,