exceto os poemas-coleta de uma, duas ou três linhas, posso dizer que não gosto do que francisco alvim escreve (há excessões talvez, ou apenas uma, anamnese). entretanto, essas minicrônicas valem toda uma antologia e mais: pena que não são tantas. resta a algum espírito jovial registrar em mesmo estilo, durante toda uma vida, tais maravilhas que, de tão aparentemente banais, podem não ser distinguidas, tais como ostras no fundo do oceano.
O QUE FOI DELE?
Nós não brigávamos
Combinávamos demais
IRANI, MANDA GILSON EMBORA
Eu mando
mas ele não vai
MESMO?
Vou ali
Volto já
NESTE AÇOUGUE
quero ser carne de segunda
ME VINGO
As pessoas se esquecem
que deixam filhos
ARREPENDIMENTO
Eu não devia ter nascido
ELE
Quero uma metralhadora
pra matar muita gente
Eu mato rindo
(observação: como estão em ordem inversa de publicação de livros/conjuntos, seria muito mais adequado que chamassem poemas [2000-1968]. ademais, amostra grátis é, segundo a própria edição, de 1957-63!)
o principal problema da família não é a união estável. é a ideia de que há um filho que é filho de alguém, que tem um pai e uma mãe. donde, ainda falta muito para termos alcateias e bandos de infantes.
Charly + le choeur des enfants / Carlito + o coro das crianças
(type choeur antique rappé)
(tipo coro antigo em forma de rap)
CHARLY / CARLITO Les enfants, j’ai du boulot, je pars pour quelques mois. / Crianças, achei um trampo, fico fora uns meses.
CHOEUR / CORO Oh mais père / Ah mas pai tu ne seras donc pas là / você não vai estar na área la langue de la loi ne pénétrera pas notre enregistrement / a língua da lei não vai penetrar nossos mandamentos nous ne respecterons plus les réglements / não respeitaremos mais regulamentos c’est la perte des repères à perpet’ / é a perda perpétua de parâmetros nous aurons des zéros / vamos tirar muito zero nous irons en retenue / vamos ficar de suspensão nous passerons des sanctions / iremos da advertência pédagogiques / pedagógica en sanctions disciplinaires / à advertência disciplinar nous irons en conseil / nos mandarão pra direção nous larderons un camarade de coups de couteau / encheremos um colega de furos de faca en haut d’un patio / um qualquer panaca nous importerons des singes magots / traremos bichos feios paca et des clébards interdits / e cachorros proibidos nous ferons preuve de désinvolture / daremos prova de desenvoltura nous ne deviendrons pas citoyens mais rien / não vamos ficar bonitos na foto et au lieu de glisser dans l’urne notre bulletin / e ao invés de depositar na urna nosso voto nous attaquerons des supermarchés / atacaremos os supermercados nous dealerons en bas des marches / e andaremos só com drogados nous instaurerons des zones de non-droit / criaremos zonas onde tudo se pode nous y défierons les forces de l’ordre/ pra desafiar as forças da ordem et les représentants de la République / e os representantes da República nous apprendrons l’arabe littéraire/ aprenderemos o árabe literário nous irons nous entraîner / e nosso itinerário en Afghanistan au Pakistan/ será o Afeganistão ou o Paquistão en Azerbaïdjan dans le Balouchistan / o Azerbaijão e o Baluchistão nous ferons des gestes vulgaires / faremos gestos indecorosos aux éducateurs prioritaires / aos educadores rancorosos nous aurons comme seul objectif / só teremos por objetivo de rouler en BX / rodar num carro esportivo nous irons dans des salles multiplexes / só iremos aos cinemas de shopping nous saurons des sports de combat / aprenderemos esportes de combate nous serons multirécidivistes/ seremos réus reincidentes nous aurons une respiration abdominale / nossa respiração será a abdominal et un sexualité anale / e nossa sexualidade a anal le théâtre ni la danse ne permettront / nem o teatro nem a dança poderão de nous réinsérer / nos reeducar nous ne serons pas anarchistes / não seremos anarquistas
nous ne admirerons pas les situationnistes / não admiraremos os situacionistas
marco scarassati foi à portugal. pedi-lhe livros de adília lopes – a poeta portuguesa. trouxe-me uma antologia. eu já tinha uma, mas não a que ele trouxe. eu queria receber livros inteiros, separados, e agora tinha duas antologias. e não apenas isso, mas duas antologias cobrindo o mesmo período, de um jogo bastante perigoso (1985) a o regresso de chamilly (2000), embora, na edição portuguesa, irmã barata, irmã batata venha antes deste último, e na brasileira, depois (o que deixa-me a pergunta se irmã barata, irmã batata não foi incluído na brasileira por decisão de antólogo ou por pré-decisão de decisor de escopo cronológico).
a antiga antologia, antologia, minha desde antes de pedir a marco livros de adília lopes, tem posfácio de flora süssekind. a segunda antologia, caras baratas, minha apenas depois dele não ter trazido livros separados e inteiros de adília lopes, tem posfácio de elfriede engelmayer. com as duas lado a lado, teria de encomendar a antologia quem vai casar com a poetisa?, com posfácio de valter hugo mãe, com vistas a completar a coleção.
em antologia e em caras baratas,há coisas que se repetem. repetem-se uma em outra e outra em uma, repetindo da antologia à caras baratas tanto quanto no sentido inverso, da caras baratas à antologia. nem tantas, mas, por exemplo, o final d’o regresso de chamilly e o fabuloso a sereia de pernas tortas, de a bela acordada. o maria cristina martins, que está inteiro na brasileira, tem todos seus trechos da portuguesa então repetidos na portuguesa, que aparecem na portuguesa e que são muitos mas não todos da brasileira, embora todos repetidos também na brasileira.
há ainda poemas que constam em nomes resumidos na brasileira e extensos na portuguesa. de florbela espanca espanca, só depois é só depois de ler, e a rapariga que é a rapariga que esperava muito, de a pão e água de colónia [neste livro há o (seguido de uma autobiografia sumária) que leva a um caso curioso; pois em justamente aforismos, de irmã barata, irmã batata, constam, 13 anos depois, as autobiografias sumárias de adília lopes 2 e 3, das quais copio abaixo a última (a terceira, não a segunda)]
Os meus gatos já deixaram há muito tempo de brincar com minhas baratas. A Ofélia tem 12 anos, seis meses e sete dias. Guizos, segundo o Dr. Morais, tem 9 anos. Entretanto gatos morreram, gatos desapareceram. Estou a escrever isto no computador e não sei do Guizos há três dias.
a pena seja de fato mais potente que a espada. segue então que ela deva ser mais perigosa. herberto helder escreve, diversas vezes, em photomaton & vox da vocação destrutiva e assassínea da poesia. “assassinar o mundo”. ora, se esse fosse o caso,