há algo de muito estranho em criticar a noção de objeto sonoro escolhendo não levar em conta o projeto musical, no sentido modernista, que acompanha a noção. porque para defender que este leva a uma reificação do som, fadada a fazer o som levantar uma voz que diz “eu sou um objeto”, é preciso omitir completamente qualquer menção ao “objeto musical”. a autonomização do som não opera tanto para formar uma coisa em-si, como para criar a possibilidade de uma nova musicalidade.
Form is the lever that propels the sonorous toward recognition, hence toward permanence, and finally toward audibility. This process of the individuation of the sonorous, this becoming-object of sound unleashed by an intention, by a listening, is none other than the process of reification. It sets out from a misunderstanding, a misguided dualism between sonorous form and the signifying indices that emanate from it, when sound itself is nothing but an emanation in which the sensible and the meaningful are already commingled.
{françois j. bonnet. the order of sounds: a sonorous archipelago. trad. robin mackay. urbanomic, 2016, p. 121}
postado em 19 de janeiro de 2017, categoria comentários, música : françois j. bonnet, objeto musical, objeto sonoro, pierre schaeffer, reificação, the order of sounds
O homo faber envelhecido só toca stradivarius. É preciso, portanto, rejuvenescer os quadros. Vamos escutar um menino que apanhou uma folha adequada, espicha-a entre as suas duas palmas e agora a sopra, enquanto o côncavo das suas mãos lhe serve de ressonador…ele escolheu, por sua própria conta, entre as fontes de sons, uma que lhe parecia das convenientes à sua atividade. Com efeito, esse menino experimenta os seus sons uns após os outros, e o problema que ele coloca é menos o da identificação do que o do estilo de fabricação. Por outro lado, a sua intenção é visivelmente ‘música’. Se o resultado não parecer musical aos seus ouvintes exasperados, não se poderia negar ao autor uma intenção estética, ou pelo menos uma atividade artística…O seu objetivo é gratuito, senão gracioso; confessêmo-lo, ele é mesmo musical. Não satisfeito em emitir sons, ele os compara, ele os julga, acha-os mais ou menos bem sucedidos, e a sua sucessão mais ou menos satisfatória. Como havíamos dito do homem de Neanderthal, se esse menino não faz música, quem a faz então?… O que escuta então o ouvinte, mesmo negligente, mesmo reticente, mesmo hostil? Por um momento – o que não é de hábito – objetos sonoros…O nosso ouvinte ficará limitado a suportar uma coleção de objetos desprovidos de sentido musical…Obrigado a escutar, pois os objetos são agressivos, ele formará, implicitamente julgamentos de valor. Chegará até a murmurar…: ‘Eis aí um mais bem sucedido que os outros’…Não se escuta mais o som pelo evento, mas o evento sonoro em si mesmo.
Comentamos em sala de aula sobre esse pequeno trecho de Pierre Schaeffer, do livro Traitée des objects musicaux (Tratado dos objetos musicais), traduzido por Rogério Costa. Alguns acadêmicos gostam bastante dele e escreveram artigos sobre. Acho Músicas e Territórios, de Silvio Ferraz, um texto compreensivo sobre o assunto.
postado em 27 de abril de 2015, categoria oi kabum bh : crs 2015, músicas e territórios, objetos musicais, pierre schaeffer
“Havia sempre velhos discos abandonados que vagavam pelo estúdio. Um que me caiu às mãos continha a voz preciosa de Sacha Guitry. ‘Sur tes lèvres, sur tes lèvres…’ [‘nos teus lábios, nos teus lábios…’], dizia Sacha Guitry. Mas a gravação foi interrompida por uma tosse na técnica, o que explica o fato do disco ter sido posto de lado como refugo. Me aproprio desse disco, coloco em um outro prato o ritmo tranquilo de um valente barco, depois, sobre dois outros pratos, aquilo que me cai às mãos: um disco americano de acordeon ou de gaita e um disco balinês. Em seguida, exercício de virtuosismo nos quatro potenciômetros e oito chaves de contato.
Aos inocentes as mãos cheias: o Étude n. 5 dito aux casseroles [dos caldeirões] (…) nasce em alguns minutos: no tempo de sua gravação.
(…) No Étude aux Casseroles, a barca dos canais da França, a gaita americana, os sacerdotes de Bali colocam-se milagrosamente a obedecer ao deus dos toca-discos; (…) e quando, em alternância, intervém a lancinante ‘Sur tes lèvres’ entrecortada de tosses, o ouvinte, entretido em uma primeira audição, se satisfaz de bom grado com uma composição tão erudita, tão harmoniosa e tão definitiva. Assim nascem os clássicos da música concreta.”
Pierre Schaeffer ao descrever como realizou e concebeu o Étude aux Casseroles, SCHAEFFER, P. (1952). A la Recherche d’une Musique Concrète. Paris: Éditions du Seuil, p. 28. Traduzido por Alexandre Fenerich.
postado em 28 de março de 2011, categoria Uncategorized : colagem musical, étude n. 5, história, música concreta, pierre schaeffer